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Mesmo com corte no orçamento, Festival Todos aterra em Arroios para aproximar pessoas e culturas

A 16.ª edição do Todos arranca na próxima quinta-feira. Durante quatro dias, o programa espalha-se pela Almirante Reis e arredores com música, dança, teatro e cinema.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Tuntunhi, Festival Todos
Carlos PorfírioTuntunhi
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É a 16.ª edição do Todos e a terceira vez que este festival itinerante poisa em Arroios. Durante quatro dias, um programa transversal ocupa vários pontos da Almirante Reis e arredores. Mais do que levar a cultura a um bairro no coração de Lisboa, a missão primordial continua a ser aproximar pessoas e culturas – a música, o cinema, a dança e o teatro são apenas um caminho para lá chegar. "Esta extensão territorial é brutal e, portanto, é de uma heterogeneidade incrível. A missão principal do festival é sensibilizar os lisboetas para a importância de receber os imigrantes – não somos um festival para celebrar as festas de imigrantes, isso é o campo das próprias comunidades –, trazê-los aos lisboetas de forma estruturada, que permita contactos de proximidade, cruzamentos discretos, empatias várias. É o princípio da convivialidade como técnica", contextualiza Miguel Abreu, programador do festival.

Foi preciso, no entanto, afunilar o perímetro. Este ano, o primeiro de três dedicados a esta área da cidade, o programa do Todos vai andar entre a Praça José Fontana e a Alameda D. Afonso Henriques, com paragens em pontos como o Hospital Dona Estefânia, a Escola de Medicina Tradicional Chinesa, a Rizoma, o Clube Atlético de Arroios ou o Banco de Portugal, entre outros. "Digamos que é um território de fronteira, onde convivem algumas comunidades imigrantes, mas sobretudo muitos nómadas digitais e uma nova burguesia endinheirada que, na realidade, não se revê, nem gosta de se rever, na mensagem de Arroios como território multicultural", continua o programador.

A Rua é Sua - Arroios
Gabriell VieiraMercado de Arroios

No sentido de reflectir o território e, simultaneamente, aproximar públicos, a programação é também ela diversa, composta por produções internacionais – como é o caso do espectáculo brasileiro Macacos ou de Taroo, que chega pela mão de uma companhia marroquina –, mas também destaques nacionais, como Diários de uma Bicicleta, do Lobby Teatro, ou a exibição de Avenida Almirante Reis em Três Andamentos, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa, sobre a história desta artéria lisboeta.

Menos dinheiro, menos propostas culturais

Por conta do corte no financiamento da Câmara Municipal de Lisboa, que é responsável pela escolha do território onde o festival estaciona por períodos de três anos, o Todos viu-se obrigado a ajustar a programação da 16.ª edição. O programa continua a ser, na sua maioria, de entrada livre. Contudo, alguns espectáculos foram reduzidos a uma apresentação única e as sobreposições de iniciativas tornou-se inevitável. A Orquestra Todos estará ausente desta edição e foi cancelada uma exposição de fotografia, inicialmente prevista. O corte foi de 57 mil euros.

"Disseram-nos um valor, em Setembro do ano passado, quando nos encomendaram o novo festival. Em Maio, esse valor mantinha-se, mas 40 dias depois disseram que não iam fazer o festival, que não tinham dinheiro. Tive de explicar que já havia muito dinheiro gasto e que seria uma bocado complexo. Lá recuaram, mas cortaram 57 mil euros, que no nosso orçamento é brutal. Isto obrigou-nos a cortar palcos e locais de apresentação e a concentrar mais [a programação]. Em 30 dias tivemos de mudar tudo o que tínhamos feito em oito meses", esclarece Miguel Abreu.

A Time Out questionou a Câmara Municipal de Lisboa sobre o assunto em questão, mas até ao momento de publicação do presente artigo não obteve resposta.

Entretanto, a 16.ª edição do Todos está à porta. Arranca na próxima quinta-feira e decorre até domingo. Tome nota dos destaques da programação.

Uma sopa de Arroios

Praça José Fontana. Qui 19.30

Uma receita a oito mãos, pensada para reflectir a multiculturalidade desta zona da cidade. Joaquim Saragga, chef do restaurante Os Papagaios, encabeça o grupo designado para formular esta sopa de raiz, que conta com representantes das cozinhas indiana, africana e brasileira. Uma sopa com "temperos do mundo", segundo Miguel Abreu, que também pretende "limpar um pouco aquela ideia da sopa dos pobres, muito associada aos Anjos, por causa da Santa Casa da Misericórdia". Correndo bem, pode até juntar-se definitivamente ao cardápio de alguns restaurantes. Para já, vai ser servida no momento de abertura do festival. A ementa do Todos não fica por aqui. No sábado há Petiscos com Todos, um almoço comunitário que conta com várias nacionalidades, na Alameda, a partir das 13.00.

Gelsomina Dreams

Auditório Camões. Qui 20.30. Entrada livre (com inscrição prévia)

A coreógrafa e encenadora Caterina Mochi partiu do imaginário de Federico Fellini para criar um espectáculo em torno de termos como a ficção, o duplo e o sonho, numa fusão de dança e circo, sem texto. Gelsomina Dreams, da Compagnia Blucinque, estreia em Portugal, numa parceria do festival com o Istituto Italiano di Cultura.

Gelsomina Dreams, Festival Todos
Andrea MacchiaGelsomina Dreams

Visitas guiadas

Vários locais, datas e horários. Entrada livre (com inscrição prévia)

No capítulo das visitas guiadas, componente imprescindível no programa anual do Todos, conte com quatro momentos-chave, a começar sexta-feira, na visita Economia Social e Arroios. Uma caminhada que começa no Clube Atlético de Arroios, às 18.00, e que se debruça sobre conhecidos casos de associativismo nesta zona da cidade – B.O.T.A., Clube Estefânia e Rizoma. No sábado, às 10.30, parte do Largo do Intendente Os Lugares de Memória na Avenida Almirante Reis, um olhar a importância desta artéria lisboeta na resistência ao Estado Novo, ainda à boleia dos 50 anos do 25 de Abril. No mesmo dia, às 15.00, O Hospital Dona Estefânia dá a conhecer a história do hospital fundado ainda no século XIX. Já no domingo, às 14.00, a incursão tem como destino O Palacete de Henrique Monfroid Seixas, actual sede da Escola de Medicina Tradicional Chinesa.

Macacos

Espaço Escola de Mulheres. Sex 21.00, Sáb 19.00. 3€

Outra produção internacional – e premiada – que se estreia em Portugal. Depois do sucesso nos palcos brasileiros, o espectáculo de Clayton Nascimento chega a Lisboa para colocar o foco no racismo. "É uma reflexão muito importante sobre o racismo estrutural no Brasil e que nos vai permitir depois discutir as diferenças entre o racismo brasileiro e o racismo europeu, e em Portugal em concreto", detalha Miguel. À boleia do mesmo tema, no sábado, às 17.00, o Banco de Portugal abre portas para uma conferência que contará com a participação, à distância, da académica Aparecida Vilaça. Em discussão estará a relação entre diversidade e desigualdade. O evento exige inscrição prévia e termina com um pequeno concerto de Leo Middea.

Macacos, de Clayton Nascimento
Noelia NájeraMacacos, de Clayton Nascimento

Taroo

Alameda D. Afonso Henriques. Sáb 16.00, Dom 17.00. Entrada livre

O circo contemporâneo tem sido uma constante na programação do Todos, ao longo dos anos. Desta vez, não será diferente. A representar o género performativo estará Taroo, da Compagnie Zid, de Marrocos, naquela que será também uma "homenagem aos homens da higiene urbana", de acordo com o programador. Em duas sessões, Said Mouhssine será varredor de rua, mas também artista, num espectáculo mistura circo, acrobacias, ilusionismo, teatro de objectos e parkour, e que agora se estreia em Portugal.

Taroo, Festival Todos
Samadoss MaïtoulTaroo

Diários de uma Bicicleta

Mercado de Arroios. Sáb 15.00, 17.30. Entrada livre (com inscrição prévia)

A partir de testemunhos de estafetas de entrega de comida nasceu Diários de uma Bicicleta. A peça, que é simultaneamente um peddy-paper acompanhado a pé pelo público, sai do Mercado de Arroios para, durante uma hora e meia, acompanhar os actores que dão vida aos quotidianos reais. "É uma realidade muito presente e que nos faz pensar também nos nómadas digitais, que consomem muito via estas plataformas. Qual a relação entre um ciclista da Uber e um nómada digital, ambos em terreno desconhecido?", reflecte o programador do Todos. Esta é a premissa. A encenação é de Joana Brito Silva e o texto de Sandro William Junqueira.

Cine Pathé

Vários locais, datas e horários. Entrada livre

Não é por acaso que o cinema ocupa um lugar cimeiro no programa. "É um bairro que agora tem imigrantes, mas antes tinha muitos operários e, portanto, é um bairro de resistência ao fascismo, a várias formas de discriminação, de violência política e social. E estas histórias do cinema estão muito ligadas à resistência ao Estado Novo", introduz Miguel Abreu. A primeira colaboração com a Cinemateca Portuguesa vai permitir exibir Avenida Almirante Reis em Três Andamentos, no sábado, às 16.30, no Auditório do Hospital D. Estefânia, com imagens inéditas da construção do hospital, entre outras em torno de memórias desta zona da cidade. Olá Futuro, uma marcha artística marcada para domingo, às 17.00, entre o Jardim do Caracol e a Alameda, recordará o velho Pathé, anteriormente Imperial. Esta é uma amostra das actividades agendadas dentro do programa Cine Pathé, totalmente orientado para a sétima arte.

Tuntunhi

Auditório Camões. Sáb 19.00, Dom 16.00. 3€

Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Haiti, Nepal, Paquistão, Portugal e Venezuela são os países representados neste espectáculo criado no âmbito do projecto Corre Mundos-Transformação pela Art'Inclusiva. Para o festival, ao elenco original, composto por imigrante e descendentes de migrantes de Almada, juntam-se estudantes, professores e funcionários do Liceu Camões, criando um grupo diverso com pessoas dos 14 aos 75 anos.

Tuntunhi, Festival Todos
Carlos PorfírioTuntunhi

Muda

Liceu Camões. Sáb 21.00. Entrada livre

O cinema é também a dimensão inspiradora do espectáculo de Clara Andermatt, uma produção portuguesa que se estreia em Lisboa. Muda é outra das criações a misturar dança e circo, numa espécie de homenagem à sétima arte. "É muito inspirado no cinema-mudo, com a criação de imagens cinéfilas, mas transversal a várias épocas do cinema", acrescenta Miguel Abreu.

Muda, Festival Todos
Ashleigh GeorgiouMuda

Malú Garcia

Alameda D. Afonso Henriques. Sáb 17.30. Entrada livre

Para o cartaz musical, o Todos cingiu-se aos vizinhos, a começar por Malú Garcia. A violinista tem concerto marcado para sábado à tarde, altura em que mostrará as suas melhores habilidades – explorar os territórios do jazz-rock, da morna, do tango, do swing e até do samba e do fado. Far-se-á acompanhar por Carlos Garrote no contrabaixo, Manuel Oliveira no piano, Rui Poço na guitarra portuguesa e Sebastian Scheriff na percussão.

Gume

Alameda D. Afonso Henriques. Dom 18.30. Entrada livre

A fechar mais uma edição do Todos, mais um projecto musical de fusão. Com elementos de Portugal, de Angola e da Suazilândia, os Gume apresentam "Dobra", um disco que viaja pela música tradicional africana e pela sua ampla diáspora. A rumba cubana, o maracatu, o rara haitiano, o jazz e o rap vão conviver num espectáculo a céu aberto deste grupo composto pelo trompete e pela voz de Yaw Tembe, pela bateria de Sebastião Bergmann, pela guitarra de André David e pelo baixo de Pedro Monteiro, pela percussão de Iúri Oliveira, pelos saxofones e flauta de Francisco Menezes, pelo saxofone de André Murraças e pela voz de Raquel Lima.

Consulte a programação completa no site do Todos.

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