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Miguel Laffan não tem rodeios nem falsas modéstias, nem aprecia propriamente quem os tem. O chef está de volta à alta cozinha quando já não o pensava fazer, pelo menos por agora, e não espera menos do que uma estrela Michelin no seu novo Intemporal, aberto desde há uns dias em Paço de Arcos. “Já ganhei [a estrela], já perdi, já voltei a ganhar. Estou focado, mas tal como não me moldou no passado, não me vai moldar no futuro. É um desafio. Mas não deixa de ser um foco diário”, diz sem rodeios e visivelmente entusiasmado com este regresso à Linha.
O restaurante é pequeno, mas nem por isso menos vistoso. Fica na antiga casa do fiscal, junto à Marginal, praticamente em cima do mar, onde fica o repuxo de Paço de Arcos. Depois de anos ao abandono, o edifício ganhou vida, cor e luz. Se antes nem se dava por ele, hoje é impossível desviar o olhar da fachada coberta de azulejos amarelo torrado, quase laranja. É a primeira aventura na restauração do grupo Wellow, com um vasto portefólio nas áreas de recursos humanos, outsourcing, energia, telecomunicações e mediação imobiliária e de seguros.
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221576/image.jpg)
“Nós costumamos dizer que cada vez que o César [Santos, CEO do grupo] vai de férias aparece com uma empresa nova”, conta com alguma graça Ana Lopes, marketeer que tem acompanhado todo o processo. “O grupo acaba por ter várias áreas e entretanto surgiu esta oportunidade”, continua, explicando que em cima da mesa estiveram possibilidades como “uma pizzaria, uma espécie de bar de apoio à praia ou um bistrô”. Foi só quando a arquitecta Paula Arez se envolveu no projecto que o restaurante acabou por ganhar a forma que tem hoje, já com a visão também de Miguel Laffan. “É o meu bebé, vi cada tijolo a ser montado, estive aqui todos os dias”, recorda o chef. “Fui eu que propus isto”, exclama. E elabora: “Isto começa tudo com a arquitecta, que é arquitecta do grupo há muitos anos. O César adquiriu este espaço e de repente vira-se para a Paula e diz: ‘Temos de fazer um restaurante’. E a Paula perguntou se já tinha o chef. E ele: ‘Mas precisamos de um chef?’. E a Paula, que é minha amiga, contactou-me”.
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221577/image.jpg)
Quando ainda num iPad viu o espaço, Miguel Laffan estava longe de imaginar que o fine dining seria novamente o caminho – não tinha ideias pretensiosas ou demasiado ambiciosas. “Sinceramente, estava numa fase da minha vida em que não estava nada virado para este tipo de segmento. Estava com uma vida confortável e as ideias eram outras”, confessa. “Mas no dia em que vim aqui, cheguei à conclusão que tinha poucos lugares e que por isso tinha de ser um ticket médio/alto – fine dining, Michelin –, e começámos a pensar um bocadinho nesse sentido. Fiz-lhes a proposta e adoraram.”
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221584/image.jpg)
A entrada para o restaurante faz-se praticamente pela cozinha. Há um balcão que serve como mesa do chef e onde se sentam quatro pessoas. No piso de cima fica a sala com 12 lugares e com uma vista para o mar hipnotizante. “Inicialmente, dava para perceber o potencial da vista, mas como isto estava em ruína só passados seis meses de obra é que consegui subir e ver”, lembra o chef. O janelão que preenche a sala é de facto impressionante, pensado para ter a altura certa para que quem se senta mal consiga dar pelos carros a passar na Marginal – uma subtileza, como tantas outras (e sim, é uma coincidência que os candeeiros, escolhidos pela arquitecta, façam lembrar a sala do L'and Vineyards, onde Laffan conquistou em 2015 uma estrela Michelin, num percurso que se revelaria tudo menos simples).
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221578/image.jpg)
“Eu quando reagi ao conceito que achei que fazia sentido, apaixonei-me completamente”, assume, afirmando-se livre e negando, à partida, qualquer conceito. “Não estou preso. Gostava que as pessoas se focassem, sim, no talento e na experiência.” Miguel Laffan fala seguro do trabalho feito e sem pedantismo. “Eu hoje em dia sei que sou uma pessoa criativa. A cozinha é como eu me expresso, tanto que estou rodeado de pessoas que são boas gestoras. Acho que é mais fácil [os clientes] ajudarem-nos a fazer esta viagem, percebendo e reconhecendo que mesmo que agora exista uma influência mais asiática e depois outra mais sul-americana, há sempre uma matriz, um cunho que se vai reconhecer”, acredita.
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221579/image.jpg)
A servir almoços e jantares, tem um só menu de degustação (80€/130€ com harmonização) que mudará obrigatoriamente a cada três meses – e também daí o nome Intemporal, mas já lá vamos. “Mudar a carta vai ser um desafio, mas vai ter sempre um dia marcado. Se não formos rigorosos, acaba por se deixar mais uma semana e depois outra. Tem de ter um dia”, justifica. “Faz parte e vai ser importante para mim, para a minha equipa e para os clientes que de três e três meses vão dizer: ‘Vamos lá ver o que se passa ali’”, acrescenta.
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221580/image.jpg)
Para começar, um menu com 12 momentos em que Miguel Laffan não teve medo de arriscar nos temperos, nas especiarias e na conjugação de influências, fugindo a etiquetas que o possam pôr numa caixa. “Um menu de degustação tem de ter rock'n'roll”, atira. E é por isso que nos snacks, por exemplo, contrastam uma tom yam com côco, lima kaffir e galanga com um guloso “pãozinho” a fazer lembrar um bao com pato e foie gras. Nas entradas, serve-se um lírio dos Açores com lima caviar e dashi e uma lula em tempura com shiso e caviar.
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221582/image.jpg)
Nos principais, novo contraste de sabores, ainda assim sem que se conflituam. Ao salmonete com berbigão, açorda e coentros que acompanha Laffan há anos e que denuncia a proximidade do chef ao Alentejo, segue-se um caril de pimentas kashmiri. “Eu queria ter no menu um momento de conforto, um momento de casa e este prato representa isso. A minha mãe sempre fez muitos caris, sempre usou muitas especiarias. Encontro sempre algo reconfortante numa tagine, num caril ou algo do género. O menu vai ser trocado e a minha ideia é que este prato seja sempre servido assim. Aliás, o que vou tentar fazer é criar o que está aqui como matriz e depois vou trocando consoante a época”, argumenta, revelando que a loiça servida neste prato em específico foi também feita pela mãe. “Tem já 78 anos e adora fazer cerâmica.”
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221581/image.jpg)
Segue-se, então, um prato de cogumelos silvestres, gema fumada, papada e trufa e uma presa de porco preto com batata frita e aioli. Nas sobremesas, a chef de pastelaria Letícia Silva, vinda da Herdade da Malhadinha e com quem Laffan trabalhou já no L’And, apresenta um primeiro momento fresco e cítrico com yuzu, baunilha e poejo, antes de servir um chocolate negro com malagueta e amendoim. Por fim, um momento de queijo.
![Intemporal, Laffan](https://media.timeout.com/images/106221583/image.jpg)
“São 25 anos de experiência. É uma cozinha de autor Miguel Laffan. Obviamente e é claro que eu gosto de comida asiática, agora este menu foi um bocadinho puxado para aí, mas no próximo talvez não seja.” A certeza é a de que está focado neste regresso “à Liga dos Campeões”, sem medo e alheio a pressões. “Eu sou das poucas pessoas que pode responder assim”, reforça, recordando o episódio em que perdeu a estrela Michelin em 2016 para a voltar a conquistar em 2017 – o L’And acabaria por perder novamente a estrela em 2019, já depois da saída de Laffan. “Agora, temos que marcar golos, é um facto”, diz. “Essa é a nossa missão desde que começámos a apresentar o Intemporal, agora só eles é que sabem se me dão ou não [a estrela], mas eu não gosto de falsas modéstias. É esse o objectivo.” Também ele intemporal, lá está. Até porque o que é intemporal “não é de moda”, é para ficar.
Rua Vista Alegre, Paço de Arcos (Oeiras). 968 432 288. Ter-Sáb 12.30-15.00, 19.30-23.00
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