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Milhanas: "Nem tudo é fado e ainda bem, mal seria. Temos muito mais do que fado"

A Time Out esteve à conversa com a cantautora portuguesa que se prepara para actuar na Casa da Música e no CCB.

Hugo Geada
Escrito por
Hugo Geada
Jornalista
Milhanas vai apresentar músicas novas nestes concertos
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Onde estava com 23 anos? Milhanas, cantautora portuguesa que está a reinventar a música tradicional do nosso país, prepara-se para subir ao palco da Casa da Música, no Porto, a 5 de Fevereiro, e ao Centro Cultural de Belém, a 13 de Fevereiro.  

A artista estava à conversa com a Time Out para falar sobre estes espectáculos e muito mais. Desde actuar em casas de fados, a sua perspectiva sobre o futuro deste estilo musical e também sobre o futuro da sua carreira. “Tenho a certeza que o meu caminho ainda se vai reinventar por muitos lugares diferentes”, diz-nos. 

Tens Twitter?
[Risos.] É uma pergunta com rasteira. Neste momento, é polémico responder a essa. 

Estava a perguntar isto porque anda a circular um meme que compara o trabalho escultural do Michelangelo, aos 26 anos, e do Bernini, aos 23. Os utilizadores aproveitaram para partilhar outros artistas modernos e mostrar o que eles faziam quando eram mais novos. Tu, com 23 anos, vais dar concertos na Casa da Música e no CCB. Como é que te sentes por pisar estes palcos sendo uma artista tão jovem? 
É surreal. Sinto que só vou perceber que isto está, de facto, a acontecer depois dos concertos terem acontecido. Há muito esta tendência para normalizarmos tudo à medida que vamos vivendo, mas estou sempre no processo contrário. Faço o esforço de todos os dias acordar e aceitar que tudo o que me está a acontecer é incrível. 

É um processo fácil?
Às vezes sou invadida pelo síndrome de impostor. Ainda para mais neste caso. São salas muito grandes, onde já vi concertos de artistas que admiro muito e, de repente, sou eu. É um grande voto de confiança das pessoas que acreditaram em mim. Espero corresponder à expectativa. Estou muito ansiosa e um bocadinho nervosa. 

Este contexto coloca alguma pressão adicional em cima de ti?
Sim. Cheguei agora à cena e, apesar de eu querer olhar para as coisas de forma leve — no fim do dia, são apenas duas salas que recebem mais pessoas do que o normal — são espaços consagrados e com muita história. Mas vou fazer aquilo que sei fazer e espero continuar a ser fiel àquilo que sempre fiz. Ou seja, não é por ser no CCB que eu me vou esforçar mais. É essa a mentalidade que tenho de seguir. Entender que esta é uma sala como as outras e não colocar essa pressão sobre mim. 

Sentes-te mais nervosa por actuar nestes espaços ou numa casa de fados rodeada de puristas deste estilo? 
As casas de fado são o sítio onde me sinto realmente confortável. Neste caso, a resposta é fácil. Embora se me estivesses a dizer que eu ia cantar fado numa casa de fados com os puristas, aí sim eu ficaria mais nervosa  [risos]. Não tenho repertório de fado. Agora, se fosse para cantar as minhas canções numa casa de fados acho que ficava menos nervosa. 

Já actuaste numa casa de fados? 
Uma vez actuei numa noite diferente no Fama d'Alfama. Foi muito bonito, a Joana Amendoeira [directora artística] e o João Cardim [proprietário] deram-me liberdade para não ter de cantar apenas fados tradicionais. Acabei por fazer uma mistura, juntando músicas minhas. Foi assim a única noite em que fui realmente anunciada. De resto, acabo por cantar, às vezes, quando estou entre amigos e a noite está mais tranquila. 

Qual é para ti a principal diferença entre actuar nesse tipo de espaços e dar estes concertos um bocado mais convencionais? 
Há uma proximidade muito diferente. No entanto, gosto de combater isto. Obviamente, numa casa de fados há espaço para uma comunicação mais familiar. Nem que seja apenas uma troca de olhares directa com os presentes. É um momento bastante mais intimista do que numa sala grande. Mas o meu objectivo — mesmo que seja uma sala como o CCB ou a Casa da Música — é tentar combater essa barreira e manter essa proximidade. Claro que vai ter de ser de outra forma, não consigo trocar olhares com toda a gente [risos], mas quero que as pessoas se sintam num sítio familiar e confortável. 

Outro elemento que também deve ser muito diferente é o silêncio. Causa-te alguma impressão a diferença entre o respeito que existe nestes espaços mais intimistas e a confusão que existe num festival, como o Primavera Sound, onde também já actuaste? 
Faz-me muita confusão, no sentido em que nos palcos maiores e nos festivais, estou, constantemente, com medo da queda do espectáculo. Existe muito mais o receio das pessoas ficarem aborrecidas. Parece que há muito mais medo do silêncio nestes sítios do que, por exemplo, numa casa de fados. Adoro não ter medo do silêncio. De poder respirar com calma e sentir que isso torna tudo mais especial e verdadeiro. 

Imagino que num festival isto seja impossível. 
É o contrário. Estou sempre a combater esse espaço vazio porque tenho medo de perder as pessoas. Principalmente, sendo eu uma artista que não é conhecida por toda a gente — há muita gente que acaba por me conhecer nos próprios concertos. Há sempre esta necessidade de conquista. No Primavera Sound, havia muitas pessoas no meu concerto porque queriam ficar nas filas da frente para ver a Lana Del Rey. Tenho essa consciência, mas é um desafio giro. Até podes ter vindo ver outra artista, mas deixa-me conquistar-te e mostrar-te que se calhar até vais sair daqui a curtir. Este processo de conquista é um desafio, deixa-me um pouco tensa. Numa casa de fados não tenho essa preocupação. 

Já desenvolveste algum método para conquistar a atenção das pessoas que estão a ver os teus concertos? 
No início, tinha uma postura, inconscientemente, mais distante — talvez porque estava mais nervosa e num lugar mais escuro emocionalmente. O maior truque é sermos verdadeiros e empáticos com o público. Estarmos num lugar de igualdade e, ao mesmo tempo, de respeito por aquilo que estamos a fazer. Encontrar um balanço entre não nos levarmos demasiado a sério enquanto artistas, mas também não perdermos o respeito por aquilo que estamos a fazer. Não quero tratar como levianas as histórias que pretendo partilhar com os meus fãs. O segredo é conquistar esta mistura entre familiaridade e intimidade. 

Sentes que a música que fazes está à frente da tua idade ou ela é tão intensa devido à tua juventude? 
Não me sinto à frente do meu tempo — mal seria. No máximo, sinto-me um bocadinho atrás. Vivo numa geração muito frenética e obsessiva. Apesar de também me inserir neste espectro em muitos campos da minha vida, na música, gosto de trabalhar com mais calma e com mais tempo. Numa geração onde toda a gente quer tudo para amanhã e onde há esse medo de perder a oportunidade, acabam por se construir coisas mais imediatas. Quero contrariar isto e criar algo a longo prazo. 

O fado vai existir para sempre

O fado e a música tradicional entraram na tua vida graças aos teus pais, mas porque é que se mantiveram? 
Acho que não sei responder a isso. A música portuguesa e, mais concretamente, aquela que se ouvia em minha casa, manteve-se, nem que seja, porque eu associo a um lugar bonito da minha vida. Esse tipo de música e artistas trazem-me muito conforto. O fado, que apareceu já bastante mais tarde, foi-se mantendo porque, uma vez que nos apaixonamos por fado, é difícil que ele abandone por completo as nossas vidas. Pode ganhar ou perder influência na forma como vou escrevendo ou cantando, mas a paixão vai sempre ficar lá. E, em relação ao resto, ao Fausto e ao Zé Mário... Acho que é porque, além de, hoje em dia, ter mais maturidade para perceber a genialidade da obra, também me transportam para este lugar mais nostálgico. 

A forma como tu e muitos outros artistas da tua geração fazem fado está longe de ser tradicional. Achas que existe uma responsabilidade dos jovens em manter este estilo ou achas que devem continuar a trabalhar de forma a fazê-lo evoluir? 
Isso é algo que vai acontecer de forma orgânica. Mas ninguém precisa de viver com medo que o fado acabe. O fado vai existir para sempre. Pode não ser em alguém que esteja a correr o mundo e o país inteiro com concertos, mas nas casas de fado vamos ter sempre o fado tradicional. Agora, a responsabilidade que sinto perante o fado é de continuar a dizer que aquilo que faço não é fado. Não é de o reinventar, até porque sinto que não parto do fado para fazer música, acho que este estilo veio acrescentar algo mais à minha forma de compor e de interpretar. Mas aquilo que eu faço não nasceu dali. Sinto cada vez mais que devíamos voltar a adoptar o termo música popular para deixarmos o fado no seu cantinho [risos]. Há muita gente que está a voltar às raízes da música portuguesa, a nível rítmico e melódico — e ainda bem. Mas muitas vezes associamos isto ao fado e não o é. Nem tudo é fado e ainda bem, mal seria. Temos muito mais do que fado. Por isso, a responsabilidade que tenho é essa. Desassociar muitas coisas que estão ligadas ao fado e começar a associá-las àquilo que é a música popular portuguesa. 

Apesar de estares no início da tua carreira, já criaste a tua imagem de marca, que muitos fãs esperam continuar a ouvir. Sentes que vais continuar neste registo ou gostavas de experimentar algo diferente? 
Tenho a certeza que o meu caminho ainda se vai reinventar por muitos lugares diferentes. A verdade é que Algo Mais, o último single, já vem com algumas diferenças e já inicia um ciclo diferente. Portanto, não posso garantir que me vou manter no lugar musical e emocional De Sombra a Sombra, até porque eu já não me encontro nesse sítio emocionalmente. Portanto, isso nem sequer faria sentido. Agora, acredito que não me vá desassociar totalmente, porque esse álbum também é grande parte da minha identidade. Mas sim, tenho a certeza que vai haver ainda muitas alterações no meu caminho daqui para frente. Também mal seria se não houvesse, não é? Só tenho 23 anos. Mas é algo que só a vida dirá. 

Estávamos a falar da pressão que sentes nos concertos, para criar música nova... Este teu primeiro trabalho foi muito elogiado e levou muitos a colocarem-te como uma das futuras estrelas da música portuguesa. Sentes uma pressão adicional para escrever um segundo disco? 
Sinto, mas tento constantemente combater essa sensação. É por isso que estou a fazer este próximo disco com muita calma. Não quero sentir que estou condicionada por aquilo que as pessoas querem ouvir. Espero não ser mal interpretada por isso, mas quero estar mesmo atenta àquilo que eu quero fazer. E acho que é muito fácil deixar-nos levar por essa vontade das pessoas. É normal, porque, no fim do dia, aquilo que sabe melhor é sentir que somos bem recebidos do outro lado. Mas, para mim, o mais importante é realmente acabar um projecto e sentir que me revejo nele. Neste momento, o trabalho é olhar para dentro com calma e tentar abstrair-me desse sítio, porque, obviamente, há essa pressão. Sinto que nesta reinvenção não vou deixar ninguém de parte, embora seja um bocadinho diferente. 

E vamos já ouvir alguma destas músicas novas neste concerto? 
Vamos. Não vou querer revelar muita coisa, mas pelo menos duas canções novas vão estar presentes. 

O que é que sentes que poderá ser o próximo passo na tua carreira? Mesmo além da música, haverá assim algum elemento que gostavas de incluir enquanto artista ou como performer? 
Não sou uma pessoa propriamente ambiciosa. Não tenho na minha mente objectivos como esgotar determinada sala ou colaborar com um artista em específico. Vivo um dia de cada vez e o meu objectivo para hoje é tentar perder o medo do ridículo. Tentar manter-me fiel à minha forma verdadeira de estar em palco, fazendo aquilo que quero e que sinto. Depois, a longo prazo, tenho muito interesse na internacionalização do meu projecto, mas sem nada definido. 

CCB. 13 Fev (Qui). 20.00. 15€-35€ 

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