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Moda, produto e cartazes: 120 anos de design, escritos com todas as letras

Esta sexta-feira, o Mude abre a tão guardada exposição de longa duração. “Para que servem as coisas?” percorre mais de um século de design, entre moda, produto, design gráfico. A entrada é gratuita até 3 de Novembro.

Mauro Gonçalves
Escrito por
Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
"Para que servem as coisas?", no Mude
LUISA FERREIRA"Para que servem as coisas?", no Mude
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Três meses passaram desde que o Mude reabriu, ao fim de oito anos de obras, voltou a abrir as portas. Um meio arranque, agora consumado com a inauguração da nova exposição de longa duração (ou permanente) do museu. Em "Para que servem as coisas?" – interpelação que não é para levar à letra – é proposta uma viagem por 120 anos de design através do acervo do Mude, nas vertentes da moda, produto, design gráfico e matéria documental. Até 3 de Novembro, a entrada é gratuita e, mais do que perceber "para quê", é o "porquê" de cada um dos quase 500 objectos que agora paira sobre o terceiro piso do edifício.

"A decisão foi, sobretudo, a de dar pistas para que muitas outras perguntas sejam colocadas pelo próprio visitante. Porque é que foi feito? Porque é que o designer terá tido esta ideia que se materializou nesta peça? O design tem uma dimensão utilitária, prática, e uma dimensão económica, que é grande e que atravessa tanto a moda, como o gráfico, de produto. Mas o objecto tem outras dimensões. Pode ter uma dimensão simbólica, poética, pode ter uma dimensão quase espiritual, de certa forma, ter um valor emocional. E isso compete a cada um. Para que servem as coisas para cada um de nós?"

"Para que servem as coisas?", no Mude
LUISA FERREIRA"Para que servem as coisas?", no Mude

As palavras de Bárbara Coutinho, directora do museu e curadora da exposição, servem de preâmbulo à extensa mostra de um acervo que muito tem crescido. Hoje, o Mude conta com cerca de 17 mil itens e um conjunto de colecções transversais a muitas áreas do design, incluindo as de maior especificidade como o design gráfico ou o design de cena. Ao longo de 19 núcleos, distribuídos por mais de três mil metros quadrados, o visitante é levado a serpentear por entre décadas, movimentos, discursos e inovações. Observar a evolução do design desde 1900 até aos nossos dias é uma das leituras possíveis, tal como compreender a história através dos objectos, ver como as mulheres saltaram para a fila da frente as opções curatoriais ou ainda comparar o contexto internacional com o passo português, uma completa novidade na exposição que se quer como "coluna vertebral" do Museu do Design.

O objectivo é ter rotatividade dos objectos expostos, com novos itens a cada seis meses. Quase metade das peças estão a ser expostas pela primeira vez e a maioria é design nacional. A Paródia, de Rafael Bordalo Pinheiro, é um dos elementos logo no arranque da exposição. Foi criada em 1900, ano da Exposição Universal em Paris. Daí em diante, o diálogo entre Portugal e o mundo é contínuo – um espartilho da Loja das Meias e o aço tubular, Almada Negreiros e a Bauhaus, o álbum Portugal 1934 e o serviço de mesa de Russel Wright, a Campanha do Bom Gosto e o tailleur Bar de Christian Dior. No pós-Segunda Guerra Mundial, a modernização das linhas portuguesas, visível sobretudo nos interiores lisboetas, por autores como Maria Keil, Frederico George ou Victor Palla. Lá fora, a ascensão da sofisticação do design italiano, a par com o apogeu da alta-costura em Paris, com Cristóbal Balenciaga, Hubert de Givenchy e Pierre Balmain.

O design que veio do lixo

Cada ilha encapsula um momento da história reflectido no design. Projectada para ter pequenos núcleos cronologicamente sequenciais, a exposição foi ela própria desenhada tendo como premissa um exercício de reutilização de materiais do próprio museu – despojos do antigo edifício, antes das obras de remodelação, mas também estruturas usadas em anteriores exposições. O desafio foi lançado ao colectivo Warehouse. "A partir daí, desenvolvemos uma estratégia para poder trabalhar materiais tão diversas como uma pedra de soleira ou a porta de um armário. O nosso trabalho começou aí, na criação de uma linguagem a seguir e que permitisse que tudo se cosesse. E nada está manipulado, tudo pode voltar à sua função original", explica Rúben Teodoro, co-fundador do estúdio de arquitectura que, juntamente com o designer gráfico Gonçalo Fialho, chegou àquele que seria o derradeiro embrulho da mostra.

"Para que servem as coisas?", no Mude
LUISA FERREIRA"Para que servem as coisas?", no Mude

Uma das exposições menos caras feitas pelo Mude, segundo Bárbara Coutinho, que fala também numa intenção estratégica, além da financeira, que toca no propósito da própria exposição. "Foi com o propósito de lançar uma reflexão profunda sobre para que é que servem as coisas e como é que estamos a lidar com elas. Sobre qual a sua durabilidade e a sua longevidade", resume.

Os arquitectos viram ainda no desafio lançado pelo museu uma forma de contornar o aspecto branco e limpo que normalmente caracteriza um espaço desta natureza. "Questionámos se teria de ser sempre assim, se não há outras formas de expor peças num museu. Se não poderíamos ter este elementos, não a gritar à frente das peças, mas sem estar escondido", adiciona Rúben. Novas, só mesmo as chapas de aço que separam estas estruturas, carregadas de memórias, das peças expostas. "Elas dividem esses dois mundos, eles nunca se tocam", remata.

Em cima está o processo

A moda ganha força à medida que nos aproximamos da viragem do século. Numa exposição que, segundo a curadora, deixa de fora alguns dos ícones do acervo, algumas dessas peças-estrela continuam a espreitar por entre a profusão de formas, cores e volumes. Falamos das silhuetas inconfundíveis de McQueen, Galliano, Mugler, Alaïa ou Miyake, mas também da Mini-Kitchen de Joe Colombo ou da Poltrona di Proust de Alessandro Mendini. Nos últimos núcleos, sobressai a moda portuguesa nas criações de Luís Buchinho, Alexandra Moura e Nuno Baltazar, entre outros, e até de nomes mais recentes, como Olga Noronha, Constança Entrudo e Béhen. Um voo final pela estética futurista e pelo abraço da tecnologia que definiu a entrada no novo milénio, mas também pelo recuperar de tradições e do saber-fazer ancestral.

Se até aqui a exposição está organizada em torno do objecto, no quarto piso o Mude deu lugar ao processo a montante, com quatro casos práticos de como o design se relaciona de forma orgânica com áreas como a música, o cinema e o teatro. "É muito importante que o museu possa ter uma programação que espelhe as diferentes expressões do design. Os arquivos que temos vindo a receber assim o permitem – perceber qual foi o desenvolvimento da ideia, passando pelo desenho, entendendo o desígnio, para chegar ao design e depois ao produto final. E para quê? Para tomarmos consciência de que qualquer coisa, seja o desenho da cidade, de um serviço, de qualquer produto que usamos, tem de facto um processo onde o desenho, o erro, a escolha e as opções determinam o produto final. Foi essa a intenção", detalha Bárbara Coutinho.

Em quatro focos expositivos, é possível espreitar o processo por detrás de um brinquedo, desenhado por Carlos Galamba para a Brima, de uma colecção de moda, onde Maria Gambina se deixou inspirar pelo jazz, do espectáculo Música, com cenografia de Cristina Reis para o Teatro da Cornucópia, e do filme Kilas, o mau da fita, com imagem gráfica de José Brandão. E por falar em processos, o Mude expõe pela primeira vez o restaurado carrossel da Rampa, mítica loja lisboeta inaugurada nos anos 50, no Chiado.

"Para que servem as coisas?", no Mude
LUISA FERREIRA"Para que servem as coisas?", no Mude

Um objecto do imaginário lisboeta num museu que ainda conta os dias (e os meses) para o momento em que funcionará em pleno. Até ao início de 2025, o Mude vai repor no piso um "Portugal Pop. A Moda em Português 1970-2020", que em 2022 esteve na Casa do Design de Matosinhos. Uma exposição temporária que se junta a "Mais do que Casas: como vamos habitar em Abril de 2074". Em Janeiro, abrem as reservas visitáveis, com parte do acervo de design gráfico do museu. Ainda sem data continua a abertura da loja do Mude, bem como da cafetaria do auditório e do restaurante do último piso. No que diz respeito a estes dois últimos espaços, o concurso "está prestes a abrir".

Rua Augusta, 24. 21 817 1892. Dom, Ter-Qui 10.00-18.00, Sex-Sáb 10.00-20.00. 11€ (entrada livre às sextas 17.00-20.00 e domingos 10.00-14.00, para residentes no concelho de Lisboa)

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