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ModaLisboa: videojogos, mundos paralelos e um retiro no campo

Ao terceiro dia, os criadores nacionais dialogaram com a arte, exploraram dicotomias e falaram de sustentabilidade.

Mauro Gonçalves
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Mauro Gonçalves
Colaborador:
Gabriell Vieira
ModaLisboa, Ricardo Andrez SS22
Gabriell Vieira
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A travessia de um deserto é, provavelmente, das analogias que melhor resume o último ano e meio para a maioria dos designers de moda portugueses. O consumo retraído, as limitações à circulação de pessoas e os constrangimentos na produção e no fornecimento de matérias-primas abalaram marcas e empresas, as mesmas que agora dependem dos seus criativos para responder prontamente ao mínimo indício de retoma.

Ricardo Andrez soma 15 anos enquanto marca e foi um dos criadores a antecipar o próximo Verão no último sábado, no Capitólio. À Time Out, mais do que um tema ou uma inspiração, falou sobre uma nova consciência do seu trabalho. "As duas últimas estações foram difíceis com tudo o que estava acontecer, mas esta fluiu de forma muito mais orgânica. É a colecção com menos looks que apresentei até hoje: 20. Por um lado, não quero voltar àquele ritmo de 2019. Por outro, não tenho de ter 30 ou 40 looks para passar um conceito. Quero ser mais assertivo", admite.

ModaLisboa, Ricardo Andrez SS22
Gabriell VieiraRicardo Andrez

A assertividade manifestou-se na passerelle, a começar por aqueles que são os traços mais identitários do criador: as abotoaduras metálicas, a estrutura de ombros e mangas e as tonalidades flúor, aqui representadas pelo rosa. O conjunto transportou a audiência para a "virtualidade mais real" de videojogos, NFTs (os non-fungible tokens são objectos raros, que existem apenas no mundo digital e que podem atingir milhões) e modelagem 3D.

Andrez sublinhou o tema estampando imagens pixelizadas, espalhando QR codes pelas peças e subindo a fasquia tecnológica através de um material termicamente sensível. O que parecia um simples dégradé rosa e azul, é na verdade um tecido que muda de cor em função da temperatura corporal. A par da tecnologia têxtil, a sustentabilidade continua a ser uma das preocupações do designer — 90% da colecção apresentada este sábado é feita a partir de stocks parados de fábricas portuguesas.

ModaLisboa, Ricardo Andrez SS22
Gabriell VieiraRicardo Andrez

O designer acaba de aterrar de Paris, onde mostrou, em primeira mão, a nova colecção, numa acção conjunta da ModaLisboa e do Portugal Fashion que promoveu ainda o trabalho de duas outras criadoras — Constança Entrudo e Maria Carlos Baptista — num evento com público. "Foi bom voltar a ter pessoas. E Paris é sempre Paris. Eu já tinha feito um trabalho comercial antes da pandemia começar, por isso é estratégico poder fazer uma apresentação depois de ter estado em showroom".

Constança Entrudo: performance, TikTok e poesia visual

A recente obsessão de Constança Entrudo pela geração z trouxe-a até aqui. E por "aqui" entenda-se um Verão de 2022 hiper colorido, debaixo dos desígnios da cultura pop. "O meu trabalho passa muito por trazer um bocadinho de humor para a moda e sim, a pop culture tem uma influência enorme naquilo que faço", refere a criadora, millennial por nascimento. "Apesar do meu trabalho ser intemporal, sou super influenciada pelas tendências. Esta ideia das missangas, das cores e dos brilhos vem daí. Comecei a passar horas no TikTok, a querer saber tudo sobre a geração z e a querer ser como eles".

ModaLisboa, Constança Entrudo SS22
Gabriell VieiraConstança Entrudo

Entre peças tecidas à mão e vestidos que se moldam ao corpo, a criadora voltou a estabelecer uma ponte com as artes visuais. Em vez de um desfile, uma instalação da artista Isa Toledo serviu de palco à apresentação. Uma espécie de "dimensão paralela", onde oito modelos posaram para imprensa e convidados num momento de puro voyeurismo. O texto, escrito a quatro mãos a partir de um velho dicionário, soou durante a performance. Apresentar uma colecção num set desenhado de raiz era um desejo antigo da designer. Muito antes dos materiais, foi a cor a ditar o rumo do próximo Verão.

Luís Carvalho, um Verão entre o campo e a cidade

Uma viagem ao campo, deixando para trás a paisagem urbana, foi a metáfora proposta por Luís Carvalho para o desconfinamento progressivo dos últimos meses. A fechar este terceiro dia de ModaLisboa, o designer, que há uma semana recebia o Globo de Ouro de Personalidade do Ano na categoria de Moda, deambulou entre opostos — a descontracção e o romantismo campestres de um lado, a sobriedade e a sofisticação urbanas do outro.

ModaLisboa, Luís Carvalho SS22
Gabriell VieiraLuís Carvalho

"Esta colecção é sobre o voltar a sair de casa e a poder respirar livremente", admite. Dos anos 50, Luís trouxe as silhuetas de cintura marcada. Os linhos, algodões e jacquards foram garantias de conforto, ao passo que os crepes de seda recordaram que, afinal, estamos perante um favorito das passadeiras vermelhas nacionais. Quanto à paleta, começou por ser aquecida pelo sol (dourado e amarelo torrado) para depois arrefecer gradualmente, à medida que se sucederam os xadrezes em tons de cinza, o branco, o lavanda e o roxo.

Soalheira é também a lente com que Luís Carvalho perspectiva o futuro. "A pandemia fez-me repensar a forma como trabalho. Acho que estou no bom caminho, até porque a procura pela marca tem estado a aumentar. Se continuar assim, acredito que vai correr tudo bem".

ModaLisboa, Luís Carvalho SS22
Gabriell VieiraLuís Carvalho

Muitas horas antes, o dia arrancou com a apresentações de dois jovens criadores: Fora de Jogo e Filipe Augusto reservaram a passerelle ao menswear. Depois dos criadores da Workstation, coube a Duarte inaugurar o calendário deste sábado. Para o próximo Verão, a designer subiu alguns degraus na escala do sportswear ao apresentar uma colecção orientada para a vida outdoor, com bombers, calções e corta-ventos.

A inspiração? Tadao, o cão de Ana Duarte que foi promovido a herói de banda desenhada. Uma história aos quadradinhos que acabou por ditar a paleta da colecção — Homem Smog, Homem Fogo, Homem Desflorestação e Homem Onda são os vilões por detrás das cores, mas também um aceno às questões da sustentabilidade e do combate da crise climática. O amigo de quatro patas não foi o único convidado especial do desfile, que ocupou parte da zona exterior do Capitólio — também Miguel Cristovinho dos D.A.M.A. desfilou, embora sem arrancar tantos suspiros da audiência.

ModaLisboa, Ricardo Preto SS22
Gabriell VieiraRicardo Preto

Ricardo Preto tirou partido do mesmo espaço a céu aberto. O que começou por ser o claustro de um convento, musicado pelos sinos da torre e habitada por visuais de inspiração clerical, depressa se transformou numa romaria de aldeia, pontilhada de rosa, lilás, vermelho, fúcsia, azul céu e laranja. O vestido foi o elemento central — símbolo da feminilidade serena do criador, mas também peça em movimento, graças à brisa e à escolha de materiais como a popeline, a seda e o cetim.

Quem também desfilou neste terceiro do calendário foi Carlos Gil. Riscas, corais e uma representação da "árvore da vida" compuseram o estampado de assinatura do criador para o próximo Verão.

A 57ª edição da ModaLisboa termina este domingo. São esperados os desfiles de Valentim Quaresma, Buzina, Nuno Gama, Gonçalo Peixoto, João Magalhães e Nuno Baltazar.

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