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Morreu Aretha Franklin, a rainha da soul

Hugo Torres
Escrito por
Hugo Torres
Director-adjunto, Time Out Portugal
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Aretha Franklin morreu aos 76 anos. Uma das vozes do século, conhecida internacionalmente como a rainha da soul, a cantora norte-americana estava gravemente doente. Sofria de cancro no pâncreas. Deixa uma carreira recheada de sucessos: temas como “Respect” (um original de Otis Redding), “(You make me feel like) a natural woman” ou “Think” fazem parte de uma obra que se estendeu por mais de seis décadas e lhe valeu 18 Grammys e um número de vendas colossal: 75 milhões de discos vendidos em todo o mundo.

A doença, diagnosticada em 2010, tinha-se agravado recentemente: na segunda-feira, um amigo disse à Associated Press que a vida da cantora estava “nas mãos de Deus”. As piores expectativas chegaram nesta quinta-feira, através de um comunicado da família divulgado pela agente de Franklin: “Num dos momentos mais difíceis das nossas vidas, não somos capazes de encontrar palavras mais apropriadas para expressar a dor nos nossos corações. Perdemos a matriarca e o pilar da nossa família. O amor que ela tinha pelos seus filhos, netos, sobrinhos e primos não tinha limites”.

Franklin havia anunciado em 2017 que se retiraria dos palcos, por motivos de saúde, mas que continuaria a trabalhar e a cantar em eventos especiais. Foi o que fez em Novembro, mês em que lançou o seu mais recente disco, A Brand New Me, e subiu pela última vez a um palco. Na gala que assinalava os 25 anos da fundação que Elton John criou para servir a luta contra a sida, cantou numa catedral de Nova Iorque “I say a little prayer” e “Freeway of love”, o vigésimo single da cantora a chegar ao número um no top de R&B nos EUA, ainda em 1985. As duas décadas de maior sucesso de Aretha Franklin culminou, em 1987, com a entrada no Rock & Roll Hall of Fame. Não havia mulheres consagradas neste “corredor” de lendas da música. Franklin foi a primeira.

O Rock & Roll Hall of Fame era uma criação recente de Ahmet Ertegun, co-fundador e então presidente da Atlantic Records, a editora discográfica que esteve com Franklin nesses anos dourados da carreira da cantora. A Brand New Me recupera, aliás, a voz de Aretha em canções gravadas para a Atlantic e agora reinterpretadas com novos arranjos pela Royal Philharmonic Orchestra (o ultimo álbum de originais é de 2014: Aretha Franklin Sings the Great Diva Classics). Mas foi com a Columbia que começou a ficar conhecida na América que despontava para a luta pelos direitos civis. Em 1968, cantou no funeral de Martin Luther King, que frequentava a sua casa de família (o pai também pugnava publicamente pelos direitos dos negros).

A música de Franklin ficará para sempre ligada ao activismo afro-americano: se chorou a morte do mais proeminente dos líderes do movimento, nesse intenso ano de 1968, a cantora esteve depois, em 2009, na tomada de posse do primeiro Presidente negro da história dos EUA. Barack Obama diria mais tarde, na sequência de uma comovente surpresa da cantora na gala anual no Kennedy Center, em 2015, que “ninguém encorpora melhor a ligação entre o gospel, os blues, o R&B e o rock’n’roll afro-americanos – a forma como aquele sofrimento e aquela tristeza foram transformados em algo cheio de beleza e vitalidade e esperança”. “A história americana engrandece-se quando a Aretha canta.”

Barack Obama voltou a elogiar o legado de Aretha nesta quinta-feira, numa declaração conjunta com Michelle: “Ao longo de mais de seis décadas, sempre que ela cantava, tínhamos todos um vislumbre do divino. Através das suas composições e da sua musicalidade inigualável, a Aretha ajudou a definir a experiência americana. Na sua voz, podíamos sentir a nossa história, integralmente e em cada matiz – a nossa força e a nossa dor, a nossa obscuridade e a nossa luz, a nossa busca por redempção e o nosso respeito ardumaente conquistado. Ela fez-nos sentir mais ligados uns aos outros, mais esperançosos, mais humanos. E por vezes ajudou-nos a esquecer algo e a dançar.” Paul McCartney sublinhou essa mesma faceta da cantora, “a rainha das nossas almas, que nos inspirou a todos ao longo de muitos, muitos anos”: “Vamos sentir a sua falta, mas a memória da sua grandeza como artista e como belo ser humano viverá connosco para sempre.”

Nascida a 25 de Março de 1942 em Memphis, no Tennessee, Aretha Franklin cresceu numa família religiosa com forte ligação à música. O pai, C.L. Franklin, um pastor baptista que ficaria conhecido como “a voz de um milhão de dólares”, deu-lhe o seu primeiro palco: a igreja New Bethel, em Detroit, cidade do Michigan na qual os Franklin se fixaram depois de passarem por Buffalo. Aretha contava uns meros dez anos de idade. A mãe já havia morrido. Foi também o pai quem lhe abriu as portas da indústria do entretenimento, uma vez que foi a JVB, a editora discográfica onde gravava, que lançou os primeiros dois álbuns de Aretha (o leque de selos discográficos completa-se com a Arista, casa dos trabalhos de Aretha entre 1980 e 2007).

A MGM está a preparar um biopic sobre Aretha Franklin, que teve uma vida pessoal igualmente intensa. Foi mãe muito cedo: teve os seus quatro filhos quando tinha apenas 12, 14, 17 e 24 anos. Casou-se duas vezes, a primeira das quais pontuada por uma história de violência doméstica. Em 1979, o pai foi baleado à queima-roupa, durante um assalto, e ficou cinco anos em coma até morrer. Segundo o Deadline, foi a própria Aretha a escolher a protagonista – Jennifer Hudson. Mais do que o filme, fica por terminar o disco em que a cantora estava actualmente a trabalhar e que inclui partipações de artistas como Stevie Wonder, Elton John e Lionel Ritchie.

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