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Morreu José Pinho (1953-2023), “um dos melhores amigos dos livros”

Fundou o festival literário de Óbidos e a livraria lisboeta Ler Devagar, instalada na LX Factory desde 2009. José Pinho morreu aos 69 anos, vítima de doença oncológica.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
José Pinho
© Francisco Levita/CML-ACLJosé Pinho (1953-2023)
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Diz quem melhor o conhecia que nunca se acomodava e que só foi livreiro por acidente. Fundador da Ler Devagar, do Festival Literário de Óbidos e da Rede de Livrarias Independentes, José Pinho fez e foi muitas outras coisas, mas será sempre lembrado como personalidade incontornável da cultura e do país pelo seu contributo para a democratização do acesso à cultura e formação de públicos, com enfoque na promoção do livro e da leitura. Morreu aos 69 anos, vítima de doença oncológica.

“Em qualquer época, mas sobretudo numa época em que a cultura do livro enfrenta sérios desafios, a existência de livreiros esclarecidos, inventivos e combativos é essencial. E poucos livreiros o foram em tão alto grau, e com um lado saudavelmente aventureiro, lúdico, sedutor, como José Pinho, que pude condecorar há poucas semanas [com o grau de comendador da Ordem Militar de Sant’Iago de Espada], como reconhecimento do seu mérito e contribuição para a Cultura portuguesa, escreve Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota publicada no site da Presidência da República. O desaparecimento de José Pinho, afável e estóico mesmo na doença, representa a perda de um dos melhores amigos dos livros e da leitura em Portugal.”

Nascido em 1935 numa aldeia do concelho de São Pedro do Sul, no distrito de Viseu, José Duarte de Almeida Pinho exilou-se em França, aos 19 anos, depois de ter lutado contra o fascismo e se ter recusado a combater na Guerra Colonial, contra os movimentos africanos de libertação nacional. Quando regressou a Portugal, logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, viveu a revolução intensamente, tendo inclusive participado na Comissão de Trabalhadores de um estaleiro naval, antes de emigrar novamente para França, onde foi quase tudo, desde vendedor de jornais até chef de cozinha.

Foi só depois de se formar em Línguas e Literaturas Modernas, em Portugal, de onde já não voltou a sair, que o seu caminho como “embaixador” dos livros e da leitura se começou verdadeiramente a fazer. No papel de livreiro e editor, foi em 1999 co-fundador (juntamente com o seu amigo António Ferreira, com quem editava a Devagar, uma revista literária e de análise social e crítica), accionista maioritário e presidente do conselho de administração da Ler Devagar, projecto que teve início no Bairro Alto e que, durante os últimos 20 anos, se instalou em seis espaços na cidade de Lisboa até assentar arraiais na LX Factory, a partir de onde provou que é de facto possível reinventar a “livraria de fundos”.

Já enquanto criador e coordenador de Festivais Literários de dimensão e abrangência nacional, José Pinho foi responsável pelo FOLIO Festival Literário Internacional de Óbidos, com sete edições (que valeram à vila, em 2015, a classificação como Cidade Criativa da Literatura em Portugal pela UNESCO); pelo Festival Literário Latitudes: Viagens e Viajantes, com quatro edições; e pelo Festival Lisboa 5L, com três edições. Paralelamente, manteve-se sempre activo no tecido associativo do sector, tendo sido director da APEL – Associação Portuguesa de Editores e Livreiros e criador da ReLI – Rede de Livrarias Independentes, que nasceu durante a pandemia como uma associação livre de apoio mútuo, para enfrentar a crise no mercado livreiro, que tem vindo a comprometer a existência de pequenas livrarias em todo o país.

Recentemente José Pinho foi agraciado com a medalha de mérito cultural da cidade de Lisboa, votada por unanimidade e entregue a 8 de Maio, e com o grau de comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, no dia 12. Nas últimas semanas de vida, o livreiro e editor terá mantido o contacto permanente com a equipa que está a tratar dos preparativos para a inauguração do futuro Centro Cultural e Social do Bairro Alto, um projecto multidisciplinar do qual é fundador e que deverá congregar livrarias, galerias, estúdios de cinema e de gravação de audiolivros e podcasts, salas de concertos e de artes performativas. Em sua homenagem, o irmão, João Pinho, convida a família, os amigos e os admiradores para uma “pré-inauguração” do espaço, na Rua da Rosa, já na quinta-feira, 1 de Junho, a partir das 16.30. “Na sexta, dia 2, às 12.30, saímos em direcção ao crematório do cemitério do Alto de S. João”, lê-se numa mensagem partilhada nas redes sociais.

Notícia actualizada às 15.48 de 31 de Maio, com informações sobre as cerimónias fúnebres na quinta e sexta-feira, 1 e 2 de Junho.

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