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O regime não as queria, mas as pinturas murais de Almada Negreiros estão lá, nas Gares Marítimas, a lembrar a Guerra Colonial ou a emigração. São 14, no total, os painéis de pintura mural pintados por Almada Negreiros – seis estão na Gare Marítima Rocha do Conde de Óbidos e oito na Gare Marítima de Alcântara –, que a partir de Fevereiro poderão ser apreciados com a ajuda da História, estudos do artista e "extensa informação" que serão integrados no novo centro interpretativo Os Murais de Almada nas Gares Marítimas.
O centro vai funcionar na Gare de Alcântara, onde se dará a conhecer, através de nove salas, a história da construção e da decoração dos dois terminais marítimos da cidade, mas também os diferentes estudos de Almada para os painéis, a sua relação com o arquitecto Pardal Monteiro (que desenhou as gares) ou o peso de momentos históricos como a II Guerra Mundial, a emigração portuguesa, a Guerra Colonial ou a chegada dos "retornados" nestes dois locais simbólicos da cidade, cuja arquitectura modernista é em si motivo de visita.
Da encomenda ao resultado
Os painéis resultaram, como outras obras de Almada, de uma encomenda feita pelo Estado Novo que assentava na segurança da habitual linha propagandística, mas o artista enveredou por um caminho pouco esperado. Em vez de mostrar "a grandeza da nação portuguesa e das suas inúmeras conquistas", como pretendia o regime, decidiu pintar "narrativas associadas ao comércio marítimo, à emigração, às comunidades de ascendência africana (tema de importância pessoal para Almada) e à actividade quotidiana das comunidades do porto", descreve o World Monuments Fund (WMF), que apoia financeiramente o restauro, em curso desde Novembro, dos murais (processo a que os visitantes poderão assistir durante alguns meses, em Alcântara).
Bebendo dos movimentos cubista e futurista, Almada Negreiros apresentou 14 murais que o regime considerou altamente provocadores, a ponto de, no caso do edifício da Rocha do Conde d'Óbidos, quase ter ordenado a destruição das obras, como relata o WMF (para quem não quiser esperar pela inauguração do espaço, a Google Arts & Culture explica nesta página a história de como as obras de Almada resistiram à ditadura). Ainda bem que a censura fraquejou perante o bom-senso, conservando-se "um património único que representa um momento-chave na história moderna de Portugal".
O projecto do centro interpretativo é promovido pela Administração do Porto de Lisboa, pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Associação Turismo de Lisboa, estando a coordenação dos conteúdos a cargo da historiadora de arte Mariana Pinto dos Santos. Do financiamento da Câmara de Lisboa, cerca de 3,5 milhões de euros serão provenientes da taxa turística, como sublinhou Carlos Moedas durante a apresentação do novo equipamento cultural e turístico, tendo voltado a defender o aumento da taxa, de dois para quatro euros. "Quando eu digo que quero aumentar a taxa turística é exactamente para ter mais cultura, mais equipamentos de cultura, é para maior limpeza da cidade, é para ter espaços mais verdes", referiu o presidente, citado pela agência Lusa.
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