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"É tão importante actuarmos em Lisboa como numa aldeia ou num pequeno vale", diz-nos Ebrahim, 28 anos, músico tocador de santur, um instrumento de 72 cordas que integra os Sons do Afeganistão. O grupo foi criado há cerca de dois anos e meio, pouco depois de milhares de afegãos terem começado a fugir do país na sequência da subida dos taliban ao poder. "É difícil viver da música, claro. No grupo, todos temos trabalho. Mas os concertos são momentos maravilhosos, em que partilhamos a nossa cultura, não só através da música, mas também da comida, do conhecimento que travamos uns com os outros. Num mês, damos um a dois concertos, às vezes, nenhum." Para Fevereiro, pelo menos um está agendado, dia 22, no festival Música em Bairros (a segunda data é 23 de Abril). Será na Casa da Juventude da Tapada das Mercês, Algueirão-Mem Martins, a freguesia mais populosa do país (segundo os Censos de 2021) e também uma das mais diversas, com pelo menos 27 nacionalidades.
Na ausência de um cinema ou teatro de bairro, a Casa da Juventude tem feito a vez de espaço cultural em muita da Linha de Sintra, onde não se espera que, regressados os moradores do trabalho, entre autocarros e comboios, tornem a movimentar-se no sentido contrário, ao cair da noite, para um espectáculo no centro de Lisboa. Também o custo de entrada na vida cultural é, muitas vezes, um obstáculo. Por último, a forma como se divulgam os eventos culturais nem sempre fala com toda a gente. "Muitas vezes assume-se, pela comunicação, que os eventos não são para estas pessoas", analisa Maria Kopke, da Soma Cultura, que dinamiza o Música em Bairros, festival cujo objectivo é precisamente descentralizar a cultura, através da promoção de espectáculos fora dos sítios do costume, mas também de um programa com artistas da Ucrânia à Gâmbia, todos residentes em Portugal. "Lisboa tem uma diversidade cultural gigante. E essa diversidade faz parte da cultura portuguesa", diz Maria Kopke.
Da kora ao canto polifónico
A edição que vai de 12 de Janeiro a 30 de Abril é uma primeira experiência. "Não queremos que isto seja algo que acontece apenas de vez em quando, mas que se crie uma regularidade", explica a co-fundadora da associação. O alinhamento do Música em Bairros faz-se de 15 concertos, programados para a Casa da Juventude da Tapada das Mercês, a Quinta Alegre (Santa Clara, Lisboa), a sede da associação Orientar (Xabregas, Lisboa) e a Biblioteca de Marvila. Além do grupo Sons do Afeganistão, o festival contempla os turcos Sibel & Gulami, Anastácia Carvalho (Angola/São Tomé), Mbye Ebrima (Gâmbia) e a música tradicional da Litá Folk Band.
Há nove anos a viver Lisboa, chegado de outras viagens que o levaram da Gâmbia a Portugal, Mbye Ebrima vem de uma família de músicos, há dezenas de gerações. "Cresci uma casa tradicional, em que contar e interpretar histórias foi algo que esteve sempre presente. Sempre vivi como músico, mas é muito difícil chegar a um país em que não falas a língua nativa. Desde que cheguei cá, trabalho muito para perceber como as pessoas vivem aqui e como posso, através da minha música, chegar até elas. Aí a música ajuda: não é uma questão de língua, mas de energia", conta.
Com parceiras com Dino D'Santiago, Valete, Selma Uamusse, Moullinex ou Kimi Djabaté no currículo, o compositor e tocador de kora apresenta-se numa versão mais intimista — no embalo da cultura mandinga-kaabunké — nos dias 22 de Janeiro, 9 de Fevereiro e 12 de Abril, no Música em Bairros.
Já ligada ao folclore ucraniano, e marcada pela tradicional polifonia vocal de diferentes regiões, a Litá Folk Band prepara actuações para os dias 30 de Janeiro, 26 de Fevereiro, 22 de Março e 6 de Abril. "É importante sairmos dos grandes centros, sim, e podermos tanto actuar junto das comunidades ucranianas, para que não haja um sentimento de perda e para que continuem a sentir-se de alguma forma conectados, mesmo estando longe do seu país, mas também mostrar-nos a outras culturas. A cultura ucraniana é única, muito diferente da russa, apesar da muita propaganda em contrário", sublinha o agente do grupo, Denys Stetsenko, ao telefone.
Para a Soma, que organizou tudo com os parceiros que acolhem os 15 eventos, "a ideia de organizar um evento como este surgiu como um passo natural". "Um dos nossos grandes objectivos é descentralizar a oferta cultural, ao mesmo tempo que apostámos na diversidade, criando oportunidades para artistas migrantes e também diferentes públicos", explica Maria Kopke. Querendo levar a música para "onde as pessoas estão", a Soma conseguiu ainda, através do apoio da Direção-Geral das Artes, que todos os concertos fossem de entrada gratuita. "Vamos ter um cuidado especial com a linguagem e língua, tentando ter traduções que façam com que a informação possa chegar a mais gente", acrescenta a responsável.
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