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Na Comuna, este contador tem muito para dizer

‘O Contador da História’ estreia-se esta quinta-feira, 7 de Novembro. A peça é encenada por João Mota e retrata os momentos mais marcantes da História de Portugal.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
O Contador da História
© Pedro SoaresCarlos Paulo em 'O Contador da História'
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No chão, um tapete vermelho, uns quatro bancos pretos e, lá ao fundo, à frente de uma tela branca que dita o fim do palco, um banco corrido. No lado direito, estrategicamente posicionado, um contador antigo em madeira escura, adornado com elementos dourados, torcidos e tremidos. Foi comprado num antiquário e, depois de servir o seu propósito, é provável que volte a ser vendido. As suas gavetas, que tanto abrem uma ou duas de cada vez, já terão, certamente, guardado muita coisa – bugigangas, documentos, peças de roupa ou jóias. Hoje, instalado na sala Novas Tendências, na Comuna, o móvel faz parte da cenografia de O Contador da História, encenada e interpretada por João Mota, que se estreia esta quinta-feira, 7 de Novembro. Sem andar nem falar, o móvel representa aqui um papel central, em que a História de Portugal é contada através de episódios que retratam grandes acontecimentos que marcaram a vida de quem andou, e anda, por este país. Por agora, o contador vai fazendo parte da mobília desta casa, onde João Mota quer continuar a fazer teatro. 

Não sabemos o ano exacto em que o texto foi apresentado pela primeira vez, mas, segundo nos conta o actor e encenador, depois de um ensaio, foi durante a Presidência de Jorge Sampaio. A pedido do então Presidente da República, a companhia de teatro foi a Paris fazer uma leitura encenada de uma peça para estudantes que, na altura, estavam a aprender português. O único requisito era que a obra teria de ser sobre Portugal. Foi então escolhido o texto assinado por António Torrado. Agora, tanto tempo depois mas no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a Comuna põe em cena a peça, desta vez num palco. “Da outra vez foi uma leitura encenada, a ler os papéis na mão, e agora é totalmente diferente, não tem nada a ver uma coisa com a outra. Agora, há um rigor, o ser preciso, que é uma das coisas importantíssimas e que, muitas vezes, se perde na própria vida e no teatro”, explica João Mota.

O Contador da História
© Pedro SoaresJoão Mota em 'O Contador da História'

De forma a contar a História de Portugal, o texto abarca em si alguns dos seus momentos mais marcantes, entre eles o desaparecimento de D. Sebastião, na batalha em Alcácer Quibir, a relação entre D. Pedro e Inês de Castro, a morte do Conde Andeiro, arquitectada pelo Mestre de Avis, e também o terramoto de 1755. O contador de madeira entra aqui. Pela mão do narrador, interpretado por Carlos Paulo (que volta a subir ao palco após dois anos de afastamento por motivos de saúde), as gavetas vão sendo abertas e, a cada abertura, o coro, liderado pelo corifeu, retrata um desses momentos. Os actores, descalços e envergando um vestuário simples, pegam no pouco que têm para fazer muito. “Cada um representa quatro, cinco papéis ao mesmo tempo, que é o que eu gosto. De repente, passa-se da comédia à tragédia, e o mesmo que acabou de chorar e gritar a seguir está na farsa. Ou somos muito bons actores, ou então não aguentamos. Isso prova que eles são bons actores.”

O Contador da História
© Pedro Soares

O elenco é da casa. Alguns dos actores estão na Comuna há mais de dez anos, ou até há trinta. Juntos, João Mota e Carlos Paulo fizeram parte da fundação da companhia, em 1972. Volvidos 52 anos, a Comuna “continua para aquilo que nasceu”, apesar de, à sua volta, o cenário não ser muito risonho, palavra do encenador. “A cultura é sempre posta um pouco de lado, infelizmente. Se for a França, Inglaterra, Alemanha, cada província tem um teatro e companhia oficial paga pelo Estado. Nós não temos um teatro nacional com actores, temos um director que depois contrata actores ou companhias para lá irem.” E, depois, há as curtas carreiras. “O Teatro Nacional tem peças que ficam uma semana, o Centro Cultural [de Belém], três dias. Devia ser proibido. Até para o trabalho do actor, que esteve a trabalhar mês, mês e meio, e de repente, em três, quatro dias, acabou.” Mas, para João Mota, os problemas começam mesmo no ensino, em que áreas como o teatro, o cinema, a literatura e a poesia portuguesa não são devidamente impostas nos currículos escolares. 

O Contador da História
© Pedro Soares

Assim, em O Contador da História, é fácil de entender a vontade de incluir autores e historiadores portugueses. Aliás, o fim da peça chega-nos com a Revolução dos Cravos, talvez o acontecimento mais impactante do século XX em Portugal. E chega-nos pelas palavras de Fernando Pessoa e Sophia de Mello Breyner, e pelas letras de José Afonso e José Mário Branco. “Somos um país com poetas extraordinários e os teatros nacionais, os teatros oficiais, fazem pouco teatro português. Os autores portugueses são raramente representados e os novos, quase que não os conhecemos. E os autores fazem-se fazendo-os”, defende. 

É uma escolha que, tal como a falta de grandes artifícios em palco, é mais do que uma preferência teatral, procura antes definir e assegurar o legado da Comuna e do trabalho que a companhia se propõe a fazer. “Quando concorremos, temos de escrever as peças para os próximos quatro anos. Eu recuso-me. Depende de como é que estamos, como é que estão os países, como é que está o mundo. Daqui a três anos, eu não sei como é que está Portugal, nem o mundo. Nem para o ano. E que actores é que temos? Quando penso numa peça, penso nisso tudo: como estamos, o que é que podemos dizer e com que actores”.

O Contador da História
© Pedro SoaresMargarida Cardeal em 'O Contador da História'

Mas, por muito que o futuro seja incerto, há coisas que já estão assentes. Uma delas é ensinar e trabalhar com os jovens. “A aprendizagem é feita com os mais novos e com os mais velhos. Essa mistura, essa salada entre o novo e o velho, é assim que a comunidade continua a crescer. Há saberes adquiridos, mas há saberes por descobrir que estão neles, que são maravilhosos. É um trabalho que é importante que seja feito.” A outra são os planos para os próximos tempos, que neste caso passam pela próxima peça de João Mota, que será apresentada pelo quinquagésimo terceiro aniversário da Comuna. Não fará parte do elenco, garante. Quando encena, não gosta de subir ao palco. No fim, a Comuna continuará. Aliás, “a Comuna continua. Já está tudo tratado para isso, mesmo que eu esteja doente, ou que vá embora, ou que morra.”

Avenida Calouste Gulbenkian (Praça de Espanha). 7 Nov-7 Dez. Qua-Qui 19.00, Sex-Sáb 21.00, Dom 16.00. 12,50€-15€

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