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Na ‘Urgência Climática’, “os maus da fita não são os activistas”

A peça estreia esta terça-feira no São Luiz. Encenada por André Amálio e Tereza Havlíčková, leva ao palco a experiência do que é ser activista, por verdadeiros activistas.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
Urgência Climática
© João MarianoUrgência Climática
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Um palco de um teatro serve para dar voz às histórias que conhecemos muito bem e também àquelas que conhecemos, pela primeira vez, sentados na plateia. Há histórias com muito para contar, protagonizadas por personagens complexas e que nos são apresentadas de tal forma que podíamos jurar já tê-las conhecido. E há outras em que não se diz muito, ou nada até, e em que o corpo faz a maior parte do trabalho. A música de fundo e a cenografia, vasta e colorida, dão uma ajuda. Por vezes, basta o silêncio, um palco vazio e um fundo preto. A partir desta terça-feira, o palco do São Luiz não recebe personagens inventadas, mas acolhe um grupo de cinco pessoas que se dão a conhecer pelos seus nomes reais. Junta-os o facto de serem activistas e a vontade de lutar contra as alterações climáticas que, por sua vez, os junta a outras pessoas no mundo. Desta vez, não vão bloquear a entrada de uma multinacional que lucra a partir do negócio do petróleo, nem vão atirar tinta a um monumento histórico, vão apenas contar a sua história.

Urgência Climática
© João MarianoUrgência Climática

Já não é a primeira vez que a Hotel Europa se debruça sobre temas ligados ao meio ambiente. Em 2022, Mina centrava-se na luta dos mineiros em São Pedro da Cova contra crimes ambientais. No ano seguinte, Tribunal da Mina seguia a mesma linha e montava um tribunal para analisar estes mesmos crimes ambientais. Em 2024, chega-nos Urgência Climática que torna a pôr o foco num problema que não parece ter fim à vista. “Nós estamos um pouco perplexos com aquilo que está a acontecer no mundo. Os cientistas já estão a falar disto há muito tempo, esta questão não é nova e nada está a acontecer e, por isso mesmo, achámos que também tínhamos de falar sobre isto”, começa por dizer André Amálio, que co-encena a peça e co-dirige a Hotel Europa com Tereza Havlíčková.

Urgência Climática
© João MarianoUrgência Climática

Mas André e Tereza não quiseram apenas falar sobre as alterações climáticas, quiseram antes pôr os activistas climáticos a falar, tanto desta problemática, como das suas vidas pessoais e do trabalho que desenvolvem no campo do activismo. Ao longo de cerca de ano e meio, a dupla conduziu audições, dentro e fora de Portugal, para encontrar músicos, bailarinos e actores que, nas horas vagas, também fossem activistas. Encontraram-nos em Andreia Galvão, João Oliveira, Matilde Graça, Yolanda Santos e Vicente Silveste, que também se encarrega da parte musical. “A partir daí, começamos a construir o espectáculo – a partir das experiências deles, a partir de como é que se tinham tornado activistas e porquê, qual tinha sido o percurso que tinham feito no activismo até hoje, e a partir de momentos de dúvida, de fraqueza e esgotamento.” 

Urgência Climática
© João MarianoUrgência Climática

Depois de o grupo se dar a conhecer, a experiência como activista toma conta da narrativa. Falam-nos sobre protestos e bloqueios dos quais fizeram parte, explicam-nos como planeiam as acções, mostram-nos diferentes formas de resistir a um polícia, e até reencenam as primeiras vezes em que foram detidos. Com isto, a ideia é dar a oportunidade ao público de entender o trabalho que está por detrás de uma acção e também de olhar para os activistas com novos olhos. “Os maus da fita não são os activistas, os maus da fita são outros. E nós, muitas vezes, olhamos para a comunicação social e parece que se põe muito ênfase em algum tipo de acções, em olhar para as acções e como elas são mal vistas, mas não olham para o porquê de aquilo estar a ser feito. Não vão a fundo na questão”, considera o encenador.

Urgência Climática
© João MarianoUrgência Climática

Para o elenco, além do espectáculo propor uma forma diferente de encarar o activismo e o papel dos activistas, também se torna um espaço importante para se fazerem ouvir, longe dos agentes mediáticos. “É importante haver veículos em que os activistas podem falar na primeira pessoa, tanto na comunicação social, que raramente acontece, mas como noutros espaços, porque há uma disputa do que é sensível. Não é só retórica, não é só discurso, é o que as pessoas sentem, da consciência que têm do mundo. E acho que pintar os activistas como terroristas é uma forma de que não sejam ouvidos, ou que todas as notícias sobre eles tenham uma certa narrativa. É uma forma de desqualificarmos qualquer tipo de opinião, qualquer tipo de dissidência e, democraticamente, é perigoso”, pensa Andreia Galvão.

Por seu lado, Yolanda Santos sente que subir ao palco do São Luiz pode ser uma forma de humanizar os próprios activistas. “Falamos do activismo, mas falamos também da vida pessoal que todas e todos nós temos, dos medos, das alegrias, das dificuldades, etc. Então acho que isso, de alguma forma, também é uma oportunidade de mostrarmos às pessoas que somos pessoas normais.” Ao contrário de outro sítio qualquer, “este é o espaço ideal para fazer isso, porque as pessoas que vêm aqui estão mais disponíveis do que muitas vezes quando estão em casa, a ver televisão, ou dentro de um carro, com o trânsito parado”, acredita.

Urgência Climática
© João MarianoUrgência Climática

Durante a peça, o grupo vai interagindo com o público e chega a haver um momento em que cartazes são distribuídos pela plateia, como se de um protesto se tratasse. Nos pedaços de cartão, pode ler-se “O planeta tem urgência, já não temos paciência”, “Pelo clima, justiça e emprego” e “Não há planeta B”. É uma acção que toma forma dentro da sala Luis Miguel Cintra mas que André e Tereza esperam que vá para lá da plateia. “Nós esperamos que todas as pessoas se juntem à Climáximo, à Greve Climática Estudantil, que entrem em contacto com os Red Rebels, que falem com a Extinction Rebellion, que contactem todas estas pessoas no Instagram e lhes perguntem como é que elas também se podem tornar activistas. Esperamos que as pessoas percebam que isto está nas nossas mãos e que é preciso fazer alguma coisa”, remata André. 

São Luiz Teatro Municipal. 22-27 Out. Ter-Sáb 20.00, Dom 17.30. 12€-15€

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