[title]
Há cerca de um ano, Rui Ribeiro e Mariana Pinto dos Santos mudaram-se para Alvalade. Numa zona residencial, onde pela manhã é costume ver-se quem ande a passear os seus cães, abriram as portas da sua editora independente – as Edições do Saguão. Quer dizer, abrir como quem diz. As portas costumam estar fechadas, mas desde que aqui estão não recusam entrada a quem quiser dar uma espreitadela nas estantes. E quem tiver vontade de comprar também pode. Mas desengane-se, isto não é uma livraria. É a casa de uma pequena editora, onde, ocasionalmente, acontecem sessões de apresentação de livros e conversas, e onde se pode comprar livros quando alguém está.
Antes de chegar ao bairro, as Edições do Saguão tiveram morada em Arroios, num espaço que servia de armazém e escritório. Em Outubro de 2022, as inundações em Lisboa provocaram grandes estragos que impossibilitaram a permanência naquele sítio. E foi no ano passado que os sócios, Rui e Mariana, vieram parar ao número 9 da Rua António Patrício, em Alvalade, onde antes habitava uma loja de tecnologia e de videojogos. Hoje, o preto das paredes e dos tectos transformou-se em branco e, além de uma zona com duas secretárias onde os proprietários trabalham, há espaço para um pequeno armazém, e uma outra zona, quase vazia, que pode acolher até 60 pessoas e onde a editora dinamiza eventos em torno da literatura.
A grande vontade é criar um ponto de encontro entre leitores, editores, tradutores, escritores, no fundo, todos os que se interessem por livros. “Criar um convívio e uma entreajuda é o que procuramos. Aliás, a relação que temos com pequenas editoras ou com livrarias independentes tem sido uma coisa que temos querido promover, que valorizamos e que não nos cansamos de dizer a quem nos ouve”, começa por explicar Rui Ribeiro. E até porque esta entreajuda chegou a ser, a dada altura, fundamental para as operações da editora. “Antes do armazém em Arroios, nós usámos um espaço que pertencia à Letra Livre. Quando tivemos o desastre da inundação, foi a Snob que nos cedeu um bocadinho de espaço do armazém deles para nos albergar enquanto estávamos sem poiso. Há este lado de comunidade que se estabelece, porque, no fundo, estamos todos dependentes uns dos outros.”
Nas estantes, logo à entrada, destacam-se as obras publicadas pelas Edições do Saguão e outras de editoras independentes, apresentadas em catálogos. Encontra livros da Maldoror (da Letra Livre), VS, Cutelo, a colecção dos Livrinhos de Teatro dos Artistas Unidos (da Snob), e também títulos do projecto Imago, em que se destaca uma colecção que aborda o conflito entre Israel e a Palestina. E há ainda obras editadas pela Fenda ou pela Vendaval, que já não estão em funcionamento. Os temas são variados – tanto se podem folhear ensaios sobre a dança ou sobre a guerra, como obras de ficção ou poesia. No que toca à editora que dá nome à casa, o catálogo desenvolve-se em torno da literatura e da poesia estrangeiras e portuguesas, com destaque para Alberto Pimenta e Rui Pires Cabral, e também de duas colecções de ensaios, uma sobre História da Arte, a outra Ciências Sociais e Filosofia, que contam com autores como Maria Filomena Molder, João Barrento e Nélio Conceição.
Mariana e Rui trabalharam juntos na associação Homem do Saco, dedicada à serigrafia e tipografia de caracteres móveis, e nessa altura criaram, juntamente com mais três pessoas, a editora Pianola. Esta deixou de funcionar em 2017, no mesmo ano em que os dois decidiram fundar as Edições do Saguão. Ao contrário de outras editoras independentes, que possam estar mais interessadas em publicar autores emergentes, o trabalho das Edições do Saguão passa por construir um catálogo que dialoga com todas as editoras com as quais trabalha e por dar a conhecer obras que são, de certa maneira, intemporais. “Isto são autores e autoras que têm um legado mais profundo. São livros que fazem sempre sentido em qualquer momento, farão sempre sentido e, por isso, não precisam de estar sujeitos a uma ditadura da novidade, em que se acha que um livro tem a existência de apenas 90 dias. A existência destes livros vai perdurar”, acredita.
Nas livrarias independentes, procura manter-se uma relação próxima com todo e qualquer tipo de leitor. Ora aquele que vem perdido e à procura de recomendações, ora o que vem directo ao assunto. Entra aí a importância de estar aqui e estabelecer esse contacto com quem entra. “Há um vínculo entre o pequeno livreiro, uma pessoa que sabe de livros, e o leitor interessado, e esse vínculo é uma coisa muito forte. Em geral, os grandes grupos editoriais chegam ao leitor, mas não conseguem quebrar esse laço.” Mas, apesar disto, quando se fala em grandes editoras, fica sempre um sentimento agridoce. “Não existe um espaço de competição, existe um lugar de existência e o que sentimos é que, muitas vezes, esse lugar de existência para as pequenas editoras tende a ser abafado”, lamenta Rui.
Contudo, o trabalho continua a ser feito e, por aqui, mesmo que esteja fechada, a porta está sempre pronta a abrir. Quem quiser pode encomendar os livros no site das Edições do Saguão e depois vir levantá-los. Nunca esquecendo que não estamos numa livraria, por isso, não há um horário fixo. “Geralmente de manhã está sempre cá alguém e, alguns dias, ao início da tarde, mas não existe uma certeza.” É uma questão de bater à porta e ver se alguém abre.
Rua António Patrício 9 (Alvalade)
📯Não foi por falta de aviso. Subscreva a newsletter
⚡️Prefere receber as novidades sem filtros? Siga-nos no Instagram