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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 670 — Verão de 2024
Não há falta de espaço para crescer na Quinta das Conchas e dos Lilases. São cerca de 24,6 hectares de recreio. Mas é longe da azáfama da Nave Central, onde é comum haver jogos de bola e piqueniques na relva, e perto da Mata, uma zona florestal mais densa e com natureza mais intacta, que floresce a Escola Lá Fora. Se nunca ouviu falar, nós explicamos: é uma das muitas escolas na floresta que, em Portugal e em muitos outros cantos do mundo, procuram promover os benefícios de uma educação ao ar livre, sobretudo na idade em que brincar é uma coisa muito séria.
“Recebemos miúdos todos os dias, das oito e meia da manhã às seis e meia da tarde, faça chuva ou faça sol, e há luz verde para se sujarem, que ninguém ralha”, diz-nos a directora executiva e pedagógica, Ana Galvão, que nos guia por entre cedros-dos-Himalaias, cedros-do-Buçaco e uma cobertura densa de arbustos, como adernos, sanguinhos, sabugueiros e pilriteiros. À nossa frente, um adulto segue acompanhado de uma criança, que pedala um triciclo com a energia própria da idade.
“Eu e a [directora executiva] Ana Passos e Sousa trabalhávamos juntas numa creche e jardim de infância convencional e fomos percebendo que as quatro paredes condicionavam a liberdade da criança e, consequentemente, a nossa resposta à sua individualidade”, lamenta. “Não é possível, numa sala de aula, tê-las a correr, saltar, pular, gritar – e isso são tudo actividades fundamentais para o seu desenvolvimento até aos cinco anos.”
Quando chegamos, já há miúdos por todo o lado. Gabriela, Júlia, António Maria, Rui e Constança têm entre três e cinco anos e, apesar das diferenças, na estatura e no vocabulário, partilham o mesmo interesse. Gostam de desenhar e de pintar – a cor preferida de Constança, que responde por Cuca, é o verde. Como o verde da copa da árvore onde Maria Francisca, de quatro anos, se encontra empoleirada, e Helena, de cinco, faz acrobacias com a confiança de uma futura ginasta. “Vê só isto”, diz-nos, os olhos a brilhar.
“Na Escola Lá Fora, todos os dias fazemos o reconhecimento e a limpeza do espaço, que é público, e avaliamos os riscos. Antigamente esta zona da Mata não era sequer segura e a nossa intervenção também prova que, quanto mais vivido é um lugar, mais seguro ele se torna, porque a comunidade reconhece-o como seu e esforça-se para cuidar dele”, conta-nos Ana, crente da importância de uma consciência ambiental cada vez mais profunda. Os materiais de trabalho são, aliás, quase todos naturais. À excepção de um pequeno número de equipamentos transportados diariamente para a mata, como uma reluzente retrete portátil. “Depois procuramos aproveitar os interesses de cada um e o que lhes acontece no dia-a-dia, fora da escola, como motor de aprendizagem.”
A abordagem – que encoraja a aquisição de competências práticas e procura educar as crianças para serem mais empáticas e resilientes – não é, claro, imune a resistências. Salvador, por exemplo, faz beicinho e, ainda agarrado ao pescoço da mãe, ameaça não a largar. No dia anterior foi feriado e há famílias a fazer ponte: hoje, os seus melhores amigos não vieram. Mal desconfia que, daí a umas horas – passada a tristeza e a vontade de estar sozinho, sentado num tronco, de lancheira na mão –, estará ocupado a construir um esconderijo com outros dois companheiros. “Consegues ajudar-nos a prender este lençol?”, pergunta então, enquanto pratica os seus nós.
As primeiras horas da manhã são serenas, com as crianças a criarem grupos de forma livre. Já por volta das 10.00, as educadoras dividem-nas em duas turmas e dão início a mais um dia, com as boas-vindas à floresta em círculos de dança e canto. Segue-se o lanche da manhã, durante o qual conversam sobre as actividades planeadas para o dia, que variam entre a brincadeira livre e momentos mais estruturados acordados entre todos. Esta tarde, por exemplo, vão aproveitar para aprender a reciclar, com recurso ao lixo que apanharam na semana passada.
“Há um ano, abriram dois novos pólos, um na Ericeira e outro em Almada, e houve necessidade de expandir a equipa, à qual me juntei, no pólo do Lumiar. Não me vejo a voltar ao modelo tradicional”, partilha Simone Rodrigues, que é licenciada em Educação Básica e mestre em Educação Pré-Escolar e Educação de Infância. “Na semana passada, visitámos o Centro Social da Musgueira e aproveitámos para fazer uma acção de limpeza. Hoje, vamos pô-los a separar o lixo e a seguir vamos aos contentores para lhes mostrar como descartar correctamente os resíduos.”
Bem estar para bem aprender
O movimento surgiu nos anos 50, quando a dinamarquesa Ella Flatau decidiu criar um “Jardim de Infância Ambulante”. Os passeios na floresta, a par de outras actividades ao ar livre, faziam parte do currículo. Mas, em Portugal, apesar da tradição septuagenária e de o projecto contemplar as orientações curriculares do Ministério da Educação, as escolas na floresta não são consideradas um pré-escolar formal, o que as impede de se constituírem como uma Instituição Particular de Solidariedade Social e praticarem descontos de acordo com o escalão de rendimentos dos pais.
“Há cada vez mais pais a desistirem das creches e dos jardins de infância convencionais, porque percebem que as suas crianças não estão completas nem felizes. Não são só os estrangeiros. Há esse estigma, mas não é verdade. Temos cada vez mais famílias portuguesas informadas e com vontade de mudar”, esclarece Ana Galvão, que tem aproveitado para desarmar o receio dos pais com os campos de Férias Lá Fora, para crianças dos três aos doze anos. “Estar na natureza traz-nos maior bem estar e uma criança com maior bem estar, tanto emocional como físico, é uma criança que aprende melhor.”
O Movimento Aprendizagem ao Ar Livre, que a equipa da Escola Lá Fora assina, juntamente com a Associação Escola da Floresta, outros profissionais de educação e especialistas em desenvolvimento na infância, nasceu precisamente para exigir uma revisão da legislação que permita, por um lado, a existência de estabelecimentos de educação pré-escolar que funcionem maioritariamente ao ar livre; e que promova, por outro, um número mínimo de horas de aprendizagem ao ar livre no 1.º Ciclo do Ensino Básico. “Nós acreditamos que estas escolas têm de ter um enquadramento legal e há vários exemplos noutros países de como poderia vir a funcionar.”
Uma, duas, três, tantas escolas na floresta
Fique a conhecer algumas escolas na floresta em Lisboa e nos arredores.
- Escola da Floresta Bloom, São Pedro do Estoril
- Projecto na Terra, Mafra
- Patas Tenras, Monsanto
- Projecto Cá Fora, vários locais em Lisboa e Vale do Tejo
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