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Assim que entramos no Kappo, o novo e surpreendente restaurante japonês que abriu em Julho em Cascais, pelas mãos de Tiago Penão, dizem-nos que a música não está naquele momento a funcionar. Um detalhe sem importância, pensamos, até ao momento em que, mais à frente na refeição, damos por ela numa coreografia perfeita entre a cozinha e o nosso prato, sentindo-nos também nós parte essencial daquela experiência. Não há detalhes sem importância. Pelo menos neste restaurante, feito por gente que sabe o que está a fazer, ou não viesse esta equipa do estrelado Midori, o japonês do Penha Longa, em Sintra.
O nome escolhido é o mesmo do estilo de cozinha japonesa que numa tradução literal significa “cortar e cozinhar”, mas que vai muito para além disso, focando-se na proximidade entre chef e quem à sua frente se senta – e escrevemos à frente porque é à volta de um balcão onde se sentam pouco mais de dez pessoas que tudo acontece. Mas ninguém melhor do que o chef para explicar: “O kappo é um estilo de cozinha japonesa que tem como premissas um balcão e onde a comida é sempre explicada pelos cozinheiros; existe aqui uma interacção muito grande entre o cliente e a parte da cozinha”. Além disso, os menus são divididos por métodos de confecção. “Imaginemos: coisas fritas, coisas grelhadas, coisas cruas, coisas cozidas a vapor. Existe uma ordem, uma metodologia que tem de ser respeitada nesse sentido”, conta Tiago Penão, explicando que habitualmente os restaurantes kappo no Japão não têm sushi. “Mas aqui quisemos inserir essa parte, que não é tão típica, porque é uma vertente da cozinha japonesa que nós gostamos muito e achámos que fazia sentido. Está no menu de uma maneira diferente daquelas a que as pessoas estão habituadas”, garante.
Apesar de ser possível escolher à carta, para quem tem menos apetite ou pouco tempo para a refeição, o ideal é entregar-se a um dos dois menus de degustação, Saikai (50€), o mais pequeno e que significa união, e Danketsu (85€), reencontro em português. “Porque esta equipa que está aqui – o André [Pereira], o Bruno [Prazeres], o Fábio [Ruela] e a Andrea [Smith], que é a sommelier – foi a equipa que ganhou a estrela no restaurante Midori. Trabalhámos muito tempo juntos e separámo-nos depois, cada um foi para seu lado e agora conseguimos juntar-nos todos outra vez”, diz o chef, que conta ainda com Tomás Campos e Kayla Kingston atrás do balcão. “Os menus são, um bocado, sobre o facto de nos termos voltado a juntar.”
E para Tiago Penão, são estes dois menus a melhor forma de se explicar e de se entender este restaurante. “Isto é uma coisa muito japonesa que se chama Omakase e que significa estar nas mãos do chef.” A ideia é que quem aqui se senta não tenha de pensar no que vai comer, estabelecendo imediatamente uma relação de confiança com o chef, que não se limita a explicar cada prato que apresenta, mas também tudo o que vai fazendo, bem como cada ingrediente, num ambiente informal e criativo, que parece quase não ter regras, apesar de estar tão bem regrado. É nos detalhes, mais uma vez, que se nota como Tiago Penão cruza todos os ensinamentos da cozinha japonesa com as técnicas da cozinha francesa.
O menu mais composto, Danketsu, arranca com um chawanmushi de milho, que é uma espécie de pudim salgado; um tártaro de toro (a parte mais gorda da barriga do atum) numa crocante alga nori e caviar; um ankimo, que é fígado de tamboril cozinhado com saké; e um sunomono (caldo) de sapateira de Cascais.
A viagem continua por caminhos que, mesmo seguindo a mestria da gastronomia japonesa, conseguem saber a casa, como é o caso do suimono, um caldo suave com amêijoas à Bulhão Pato abertas com saké; o mukozuke, pensado para dar a provar o sashimi sazonal e que agora serve lula gigante dos Açores com beurre blanc de ouriço do mar; ou o dashi com percebes do Guincho.
Um dos momentos mais marcantes da refeição acontece precisamente no sushi: são oito niguiris ao estilo edomae, uma técnica anciã onde todo o peixe passa por uma cura, em sal ou em algas, com um arroz sem adição de açúcar e trabalhado com três vinagres, um branco e dois feitos com o mosto do saké. Ao ritmo da música – lá está, o detalhe –, o chef prepara cada peça para se comer com as mãos e sem esperar a próxima. Há carapau com gengibre e cebolinho, cavala curada em sal e em vinagre de arroz e sardinha que passou por vinagre de vinho branco e água do mar. “A ideia é que isto seja, além de uma refeição, uma experiência. Com esta cozinha aberta, o que quisemos fazer é quase como se fosse uma peça de teatro”, diz Penão.
Antes de chegar aos doces, acontecem ainda três momentos, com destaque para o salmonete, servido com arroz gohan, ouriço do mar e gema de ovo e pickles de daikon e yuzu. A despedida faz-se da mesma forma que o início da refeição, com um pudim, agora doce, com caramelo e mirin (vinho de arroz) de 20 anos e um pickle de ameixa negra com vinagre de umeboshi. Antes, há um fresco doce com morangos e um chantilly de soja.
Para a experiência completa, o nosso conselho é que se entregue também a Andrea Smith e peça a harmonização de vinhos e saké (60€): vai acabar a descobrir um mundo novo. É possível também fazer uma harmonização com sete vinhos (50€) ou ficar-se apenas pelos sakés, com a premium sake (75€). Independentemente do que escolher, vá sem pressas e aprenda com quem sabe – e reserve com antecedência que o passa-palavra tem sido muito.
Avenida Emídio Navarro, 23 A (Cascais). Ter-Sáb 12.30-15.30/ 19.30-22.30
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