[title]
O despertar solarengo de Lisboa não deixava antever o céu meio encoberto que encontrámos em Setúbal no dia em que fomos visitar o Peixoco — um novo restaurante na antiga rua da Saúde, agora avenida José Mourinho, chamada assim em homenagem ao treinador português do Roma. O almoço engendrado para a esplanada passou para o interior, mas nem por isso ficámos mal servidos. A decoração, simples e elegante, com mesas em mármore e apontamentos marinhos, acomoda-nos, assim como a descontração do casal luso-francês André Lucas e Constance Bauer, que se senta connosco à mesa.
Começaram por mandar vir uns petiscos. Primeiro chegou o couvert, composto por umas manteigas caseiras de flor de sal, algas e carabineiro para pôr no pão. Seguimos para umas ostras do Sado (2€, uma unidade), uns croquetes de choco com maionese fumada e paprika (3,50€, duas unidades), e umas fatias de espadarte fumado, com blinis (um género de panquecas), crème fraîche e cebolinho (8,50€). Entre dentadas, o montemorense André e a parisiense Constance contam-nos a sua história. "Procurávamos um sítio para abrirmos um restaurante em Lisboa, mas os preços são um bocadinho desajustados da realidade portuguesa", diz André. Foi então que decidiram alargar o perímetro, até que encontraram este espaço em Setúbal que já teve várias vidas, tendo sido, inclusive, “um bordel”.
O restaurante só abriu portas em Outubro, mas a história deste casal é bem mais antiga. Apaixonaram-se em 2016, depois de se terem conhecido na Coimbra nocturna, quando André, de 27 anos, estudava economia, e Constance, 31, de pai parisiense e mãe lisboeta, estava a aprender português. Antes de tudo isto, a francesa formou-se em jornalismo, enquanto trabalhava como empregada de mesa em Paris. “Chegou a um ponto em que queria mais trabalhar na restauração do que como jornalista”, revela Constance. Com o apoio do irmão, que detém vários restaurantes em França, foi possível fazer nascer o Peixoco. O interesse pelo peixe vem da estadia de Constance no Pesca, o restaurante de Diogo Noronha, em Lisboa, que acabou por fechar durante a pandemia.
Neste restaurante, onde Constance assume o papel de chef, mostram-se devotos aos sabores do mar e à identidade setubalense, região que faz do choco frito um culto, mas querem ser diferentes dos vizinhos. “Fazemos choco frito, trabalhamos peixe grelhado, mas há muito mais cuidado com pequenas coisas. Tentamos ter acompanhamentos de muita qualidade, que é uma coisa que é muitas vezes descurada. Além disso, somos um restaurante de petiscos do mar e trabalhamos muito produtos locais e vinhos diferentes porque tentamos fugir a referências massivas”, detalha o responsável. A acrescentar, atentam à sustentabilidade. “Nós com um choco de dois quilos fazemos arroz de choco, fazemos croquetes e choco frito. Aproveitamos todas as partes do choco e direccionamos cada parte para um tipo de prato diferente.”
Chegam mais petiscos à mesa. Desta vez, uma surpreendente alface grelhada com ovos de truta (7,30€), umas tostas de carapau com pesto de coentros (6,10€), um ceviche de peixe branco com leite de tigre caseiro (11,90€) e uns mexilhões com manteiga de chouriço (11,80€). “Uso muito a manteiga no azeite, o crème fraîche…”, identifica Constance quando lhe perguntamos se a confecção dos pratos tinha toque francês. “É a influência cosmopolita. É mais por aí. Não ter medo do ingrediente”, continua. Sem medo, mas com alguma cautela. “Começámos com uma carta muito mais simples e estamos calmamente a seguir um caminho que não cause demasiado impacto. Fora de Lisboa e do Porto, a aceitação a coisas mais complexas demora”, admite André.
Atacamos, agora, os pratos principais. Vem para a mesa um arroz de choco com tinta (27€ para dois), um dos favoritos dos clientes a seguir ao choco frito; um arroz de peixe (27,90€) e uma salsicha de carapau e dourada (15€). Não comemos choco frito (11,50€ para um/20€ para dois), mas provámos o fish and chips (12,50€). A refeição foi acompanhada com um Serra Oca, um vinho branco natural de Lisboa (26,90€), e um Regueiro, um alvarinho (22,10€). Também há referências de Setúbal. Terminámos com um pijaminha de sobremesas, entre as quais uma tarte de limão (5€) e um pudim de pão (3,90€).
Para já, a carta é esta, mas esperam-se mudanças ao longo do ano.
Av. José Mourinho 28 (Setúbal). Qua-Sáb 12.00-15.30/19.00-22.00. Dom 12-00-15.30.