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Nesta Casa de Bonecas, a boneca quer sair – e não é só teatro

Em 1879, o texto de Henrik Ibsen causou controvérsia por ter como figura central uma mulher que ousa abandonar o lar. Em 2022, ‘Uma Casa de Bonecas’ continua a denunciar a violência do patriarcado. Chega esta quinta-feira ao Teatro Villaret.

Joana Moreira
Escrito por
Joana Moreira
Jornalista
Uma Casa de Bonecas
Filipe Ferreira
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Já vinha de longe a vontade de João de Brito em levar à cena Uma Casa de Bonecas, de Ibsen. “A forma como está construída a história, a temática, este grito do Ipiranga da mulher, esta Nora representa isso, fazer coisas que até à data eram impensáveis”, diz o encenador sobre a protagonista desta peça, que mostrou no Teatro da Trindade no ano passado e à qual regressa agora para uma temporada de Verão no Teatro Villaret. 

No palco, Nora é liberdade e revolução. Uma mulher que escolhe deixar para trás o marido, a casa, os filhos, para se descobrir. “Obviamente, a questão do feminismo é muito importante aqui, mas também [há] esta questão existencialista de se encontrar primeiro. Esta saída de casa é para tentar descobrir o porquê de estar aqui, de estar viva, de existir”, explica Madalena Almeida, a actriz que dá corpo à personagem que escandalizou a sociedade em 1879 e que promete continuar a fazê-lo hoje. 

Objectivamente, Nora e Torvald Helmer são um casal perfeito. Jovens burgueses que aparentam amar-se. Mas quando ela desafia a clausura do estereótipo de mulher frívola e inocente, recatada e do lar, o que estava encoberto torna-se evidente. Não tarda para que o público consiga ler além do sorriso de Torvald (interpretado por José Mata) e nele descubra um homem sem margem para redenção, um marido que objectifica a mulher e a infantiliza, que a violenta com um discurso profundamente machista. “Vamos vendo pelos comentários que ele diz, mas são coisas que não saltam logo à vista. É importante que vamos ganhando consciência que não é preciso existir violência física”, alerta a actriz, que quando a peça esteve em cena no Teatro da Trindade recebeu dezenas de mensagens de jovens que se sentiram “marcadas” pelo que viram em palco.

“Se retirássemos deste texto as convenções e algumas coisas próprias daquela época, isto ainda acontece hoje, na fachada das redes sociais, quando mostramos a vida perfeita, de repente temos de manter esta ideia de relação… Há uma vontade de mudar as coisas e que as mentalidades sejam alteradas, mas ao mesmo tempo, as pessoas também não querem destruir. E é o que se passa com ela”. Só que, quando o momento chega, Nora destrói. “Eu passei das mãos do meu pai para as tuas”, diz a personagem a dada altura, enfrentando o marido. “Como é que é possível seres feliz numa coisa que nem sequer escolheste, sobre a qual não tens domínio?”, questiona a actriz. Madalena Almeida lembra outras encenações do texto do dramaturgo norueguês, pelo mundo fora, que colocaram a heroína a abandonar a cena “entrando para dentro” do espaço cénico, evitando a saída tão literal quanto a que acontece no Teatro Villaret, em que uma empoderada Nora sai fisicamente (e sem eufemismos) do palco.

“Hoje é muito difícil fazermos uma reflexão para nós próprios sobre as escolhas que fazemos. Estamos mesmo a fazer escolhas na nossa vida ou estamos só de passagem?”, interroga-se. “Estamos a não incomodar ninguém e a fazer aquilo que as pessoas esperam que façamos. Para mim esse é o grande acto de coragem. De dizer: eu vou pôr-me em primeiro lugar.”

A quem incomodará o ruidoso bater de porta que encerra esta Casa de Bonecas

Teatro Villaret (Lisboa). 28 Jul-17 Set. Qui-Sáb 21.00. 15€

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