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O novo restaurante junto ao Mercado de Arroios é uma casa de pasto com comida tradicional feita com ingredientes locais.
Já havia FOME em Arroios e quem conhecia o restaurante não vai, na verdade, notar muitas diferenças na decoração – mantém-se o mural com a pintura do mercado de rua da Madeira e da levada, as redes de pesca e as mesas e cadeiras toscas de madeira. Mas são os pormenores que avisam que este é um restaurante novo: a marca Acepipe está logo à entrada, numa parede, com letras brancas em relevo. O anterior FOME fechou no final de 2019 e o novo tem a mão de Nuno Nobre, consultor de comunicação e curador gastronómico, e de Luís Miguel Rodrigues, chef.
“O Luís nasceu numa tasca. Os pais dele são os donos da Tasquinha do Lagarto, em Campolide. Ele queria ter uma tasca e eu sempre quis ter uma tasca do mar. Juntámos aqui as duas coisas”, resume Nuno Nobre, que debaixo da marca Acepipe tem também alicerçado o pop-up Ouriçaria, no Mercado da Ericeira ou a Bisca dos 3, por altura dos Santos Populares.
O FOME apresenta-se agora como uma casa de pasto, com comida e bebida sem pretensiosismos. “As casas de pasto têm sido algo desprezadas. O trabalho que nós temos é de pesquisar, recuperar os produtos, tradições, mas também conceitos alimentares”, diz o consultor e curador, numa das mesas do restaurante onde em vez de jarras com flores há jarros com brócolos, pés de grelos ou favas. E é precisamente por esse motivo que no que toca a bebidas há vinho, cerveja e “cheirinhos”, e nada de “cocktails, que na altura havia só o gin tónico, com gasosa, e pouco mais”.
Fábio Abreu, madeirense, é o chef de serviço e já conhece os cantos à casa, afinal era ele o cozinheiro do antigo restaurante. A carta aqui foi trabalhada em conjunto com o chef executivo, Luís Miguel Rodrigues, e será dinâmica, com atenção à sazonalidade de todos os ingredientes. Vai sempre começar com dentinhos, a expressão madeirense para couvert ou amuse-bouche, onde estão as azeitonas e tremoços temperados à maneira da casa, o torresmo puro e duro, à fatia ou às tiras (1,50€), e o pão de Mafra torrado com manteiga de algas (4€). Seguem-se os caldinhos, como a canja de galinha (3,50€) e a sopa à pescador (6€), feita com as cabeças dos camarões, mexilhão e peixe da costa. “Sempre peixe sazonal, porque o robalo há todo o ano mas nem todo o ano está bom, nem mesmo o de mar”, reforça Nuno.
O terceiro capítulo deste menu são os acepipes, onde se regressa à nobre arte de fazer pastéis de massa tenra, bem recheados (5€) e há uns croquetes de atum, com uma tomatada e picante (6€). “Queremos criar uns fritos com um produto local diferente”, diz, elencando que o rissol de burrié ou de conquilha deverão ser os próximos. Há também um torricado de bacalhau assado (7€), escabeches de peixe ou de coelho à caçador (8€), salada de polvo “sem mariquices” (9€) e uma revolta dos vinagres (8€). “O vinagre, os picles, são sempre acessórios dos pratos e normalmente acabam por ser desperdício. Num bitoque com picles, voltam sempre para atrás. Decidimos valorizar os vinagres e este prato traz picles caseiros, mexilhão, bacalhau ou fígado de bacalhau, tudo em vinagre”, conta. As propostas crescem com duas sandes, o prego à casa, típico de casa de pasto e de cervejaria (8€), e o espada, homenagem à ilha, servido em bola de Mafra com espada preto panado e o molho grego tzatziki, aqui com funcho em vez de pepino, a envolver tudo (7€).
Apesar de ser tudo partilhável e perfeito ora para aquele final de tarde que junta a cerveja ao petisco ou um jantar com amigos, há também três pratos de tacho para consolar o estômago: o arroz de frango na púcara (12€), o xarém com berbigão (13€) e a massada de peixe, por agora com abrótea (14€). Tachinhos perfeitos para dois.
As guloseimas também são das tradicionais e por isso não estranhe o tabuleiro com maçãs assadas na vitrine, terminadas com moscatel e tomilho (3€), o leite creme e abóbora (4€) ou o bolo de chocolate com cheirinho, seja medronho ou bagaço (5€).
O nome FOME pode ser polémico, mas não lhe mudaram o nome propositadamente. “É um tema que pode ser delicado. É verdade, mas estamos a explorá-lo e a criar valor”, diz Nuno, ressalvando que é afiliado, membro e consultor da Organização Mundial do Turismo. "Trabalho muito o turismo sustentável. Um dos objectivos da agenda 20-30 é combater a fome.” Tudo isto entronca na actividade da empresa-chapéu, Nuno Nobre Consultoria. A ideia será, também, desenvolver algum projecto de impacto social com este restaurante. “O Fábio, que é especialista em fermentação, é muito bom na gestão de desperdícios. Nós facilmente pegamos em restos, aquilo que ninguém come, naquela percentagem de comida que se produz na restauração e vai toda para o lixo, e transformamos. Conseguimos criar comida e eventualmente atribuir nesse projecto de impacto”, acrescenta. Uma coisa é certa: aqui não vai passar fome e uma semana não será igual à outra.
Rua Ângela Pinto, 4 (Arroios). Qua-Dom 16.00-23.00.