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“Só tivemos de tirar o texto todo, a estrutura e as personagens, o fim e o início. De resto, o Molière não envelheceu um dia, continua a ser muito engraçado”, diz Hugo van der Ding, depois de um ensaio d’ O Misantropo, de Molière. A ironia deve-se ao facto de a peça que se apresenta no Centro Olga Cadaval, em Sintra, a 3 de Março, não ser uma adaptação fiel do texto do famoso dramaturgo francês. Aliás, é de tal forma sui generis a forma como van der Ding e Martim Sousa Tavares trabalharam sobre o texto do autor de outras obras-primas como Tartufo que o título do espectáculo é O Misantropo – por Hugo van der Ding e Martim Sousa Tavares a partir Molière.
Foi Pedro Penim, director do Teatro Nacional D. Maria II, que desafiou a dupla a traduzir livremente a comédia de Molière publicada em 1666. "Percebemos que a tradução ia ser uma seca porque o original é muito chato", admite Martim Sousa Tavares. "Achámos que podia ser muito mais interessante manter a estrutura tal como ela está, os ossos da peça, mas dando-lhe uma veste nova". Nessa abordagem, o palco enche-se de personagens para retratar a noite em que O Misantropo se apresenta pela primeira vez em Portugal. Perante o rei e toda a corte, actores e aspirantes a tal, pelam-se por um papel, mesmo antes de se ouvirem as pancadas de Molière. “Se mudar o texto, a personagem e a história, continua como se tivesse estreado ontem", continua van der Ding, para quem a “graça” de adaptar um clássico é “fazer o teste do tempo e ver se isto ainda tem graça”, mantendo a estrutura e adicionando-lhe referências contemporâneas. Van der Ding assume a “provocação”.
Ana Guiomar, David Esteves, Inês Vaz, Joana Bernardo, João Vicente, José Neves, Manuel Coelho e Manuel Moreira compõem o elenco que busca por um lugar ao sol – ou antes, na corte. Talvez por isso nenhum deles arrede pé do palco. "Sabia que me interessava trabalhar uma ideia de bastidores versus peça e também esta vontade de ter as pessoas sempre em cena, de trabalhar essa exaustão", explica Mónica Garnel, que assina a encenação. A peça passa-se a uma hora de uma estreia, com toda "essa energia, essa loucura", descreve a encenadora, para quem o grande desafio foi "organizar o que se passa lá atrás". Segundo Martim Sousa Tavares, "foi um desafio da Mónica que os actores estivessem todos em palco durante todo o tempo”. “Transformámos isto nesta espécie de meta-misantropo. A verdade é que continuamos a achar que é O Misantropo. Quem lê, se vier com ele fresco na cabeça, encontra aqui a mesma trama. Mudámos os nomes e as situações", explica.
No centro da trama não estão dois amantes, como na versão original, estão dois irmãos. Os nomes baralham-se. O texto é multirreferencial. No final, “é uma crítica de costumes, é a realidade portuguesa aqui espelhada", assegura Hugo van der Ding. "Fomos criando uma história alternativa onde todo O Misantropo está lá dentro. Todas as personagens estão lá. O plot está lá. Todas as relações entre as personagens se mantêm. São é outras personagens também ao mesmo tempo”, elucida. "Molière não está no texto, mas está nesta própria ideia do tipo de comédia que ele fazia. Isto é tudo uma loucura. É quase como estar a assistir a uma peça numa montanha russa."
O Misantropo tem uma ante estreia na próxima sexta-feira, 3 de Março, no Centro Olga Cadaval, em Sintra. A entrada é livre, mediante levantamento de bilhete. Depois, estreia-se no dia 11, no Teatro Municipal de Bragança, e segue num périplo pelo país, no âmbito da Odisseia Nacional do Teatro Nacional D. Maria II, com uma digressão que culmina a 9 de Dezembro, no Teatro Joaquim Benite, em Almada.
Centro Cultural Olga Cadaval (Sintra). 3 Mar. Sex. Entrada livre mediante levantamento de bilhete na bilheteira