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Na segunda metade dos anos zero, o Cabaret Maxime de Manuel João Vieira e companhia era uma das melhores casas para descobrir música nova em Lisboa, para acompanhar as bandas e artistas que faziam correr tinta na imprensa. O Titanic Sur Mer, aberto por Manuel João Vieira e os seus sócios no Cais do Gás em meados da década passada, nunca conseguiu recuperar a atenção mediática que o velho Maxime tinha, mas isso parece estar prestes a mudar. Pedro Gomes, que entre 2007 e 2010, organizou com Nelson Gomes, então o seu parceiro na Filho Único, uma dezena de concertos memoráveis no Maxime – Beach House, Bonnie “Prince” Billy, Sic Alps, Sir Richard Bishop e mais nomes preciosos, portugueses e estrangeiros – está desde o final do ano passado a trabalhar no Titanic Sur Mer e esta quinta-feira, 12, começa a partilhar connosco a sua visão para o presente e o futuro da sala do Cais do Gás. O alinhamento desta primeira noite cobre um espectro vasto de sons e ideias (maioritariamente electrónicas), juntando USOF, Nayela, Nazar e DJ Nervoso.
Unitedstates (ou apenas USOF), a abrir a noite, é um dos nomes mais entusiasmantes da música ambiental feita hoje em Portugal – ainda em Novembro o vimos dar um belíssimo concerto na Rua das Gaivotas 6. De seu nome João Rochinha, faz música instrumental da boa, da que fala e mexe com quem a ouve, e tem editado pela Rotten \ Fresh. Depois do seu ruído beatífico, vamos conhecer a pop afro-portuguesa de Nayela, cantora e modelo que tem estado a trabalhar com Dino d'Santiago (e escutámos há ano e meio na “Nha Kodê” de BADIU). Logo a seguir, Lisboa vai sentir pela primeira vez a batida africana e marcial do seu irmão Nazar, produtor angolano radicado na Holanda, que editou o primeiro álbum, Guerrilla, pela venerável editora de electrónica londrina Hyperdub em 2020. A sua música, moldada pelo techno e o grime, apropria-se do passado e da tradição angolana para construir algo novo e urgente. A fechar a noite com chave de ouro, surge DJ Nervoso, figura heróica da batida de Lisboa, que cresceu com DJ Marfox e restantes Dj's di Guetto na Quinta do Mocho.
Isto é só o princípio. No sábado, 21, inaugura a ASSEMBLEIA, nova mensalidade do Titanic Sur Mer, inteiramente dedicada ao rap crioulo. Na primeira noite vão actuar Landim, Mynda Guevara, Ghoya, Di Tchaps e Nex Supremo, que vão ajudar a programar este ciclo com Pedro Gomes. É possível que, na noite de estreia, acabem por subir ao palco, sem aviso, alguns dos rappers que estarão na plateia e a rimar em ASSEMBLEIAS vindouras. Já no sábado, 28, o programador destaca a actuação de Van Der, primo de Marfox e um DJ de “techno mesmo do futuro”, num concerto a solo com sintetizadores modulares. Polido e o duo de Adriana João e Pedro Tavares (ou funcionário, metade do Império Pacífico) também se apresentam ao vivo, e falta confirmar um DJ para arredondar o alinhamento. A ideia é “misturar vocabulários e públicos”, descreve Pedro Gomes. “O meu objectivo, há já alguns anos, é fazer que pessoas que de outra forma não se conheceriam falem umas com as outras.” Isso nunca fez tanta falta como agora que a tecnologia nos deixa cada vez mais atomizados. E isolados.
Mas nem tudo está diferente no Titanic Sur Mer. Continua a haver uma roda de samba ao domingo, jam sessions à segunda-feira e forró nas quartas. Os projectos de Manuel João Vieira também vão continuar a ter palco e a arrastar para o Cais do Gás um público fiel e sedento. E não deixam, por agora, de realizar-se festas temáticas, como as nostálgicas Remember 90’s vs 00s e outras, que têm feito sucesso. As noites Rampa, com a chancela da webzine Punch, também se mantêm no programa – a próxima está agendada para sexta-feira, 20 de Janeiro. E ainda bem. O Maxime também tinha noites que não eram programadas para agradar a críticos de música e aos restantes utilizadores do Fórum Sons. Por isso é que deixou saudades em corações tão diferentes, em tantos.
Cais da Ribeira Nova, Armazém B (Cais do Sodré). Seg 15.00-02.00, Ter 11.00-20.00, Qua-Qui 11.00-02.00, Sex-Sáb 11.00-06.00, Dom 15.00-04.00
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