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No Alentejo com os olhos no mundo, David Jesus está feliz

Depois de 12 anos como chef executivo do Belcanto, David Jesus ganhou um palco à sua altura. Em Montemor-o-Novo, o chef mostra-se em dois restaurantes distintos, um mais gastronómico e outro mais descontraído.

Cláudia Lima Carvalho
Editora de Comer & Beber, Time Out Lisboa
David Jesus
Luis Ferraz
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Se o nome de David Jesus pode ainda ser desconhecido para alguns, o mais provável é que deixe de o ser em breve. O chef, que nos últimos 12 anos chefiava a cozinha do Belcanto, o restaurante com duas estrelas de José Avillez, está hoje no L'And Vineyards, em Montemor-o-Novo. Depois de um pequeno afastamento da cozinha, quando se decidiu dedicar à consolidação da padaria The Millstone Sourdough, David Jesus está de volta, agora com os holofotes apontados a si.

Quando no final do ano passado o nome de David Jesus foi anunciado para a chefia do novo restaurante de fine dining do hotel de luxo no Alentejo, a comoção entre os pares e no meio gastronómico fez-se sentir. Mais do que isso até, despertava a curiosidade por saber o que dali viria. O chef pode ter sido uma presença silenciosa ao longo dos anos, mas não há quem não lhe reconheça o valor, a começar desde logo pelo próprio José Avillez, com quem trabalhou tanto tempo. “Acho que sempre fui acarinhado pelas pessoas, pelo menos sempre me senti assim. Não sendo uma expectativa minha acho que é natural e é bom sentir isso também”, diz-nos, quando questionado sobre as reacções que se foram sentindo sobre esta sua nova fase, admitindo as saudades que tinha de vestir a jaleca.

L'And Vineyards
Luis Ferraz

“Eu acho que precisava disto”, reconhece. “Tinha cozinhado cá em 2017 numa Rota das Estrelas [um festival gastronómico] e tinha gostado imenso do sítio e do projecto. E depois a Marta [Passarinho, directora] e o José [Cunhal Sendim, fundador e CEO do L'And Vineyards] convidaram-me e eu achei que era uma oportunidade óptima”, acrescenta. 

No resort alentejano, David Jesus está responsável pelo restaurante Mapa e pelo Café da Viagem, o primeiro um espaço mais exclusivo, de fine dining, e o segundo com um menu mais a pensar na partilha e numa experiência menos formal. “É incrível ter um projecto novo para redesenhar e poder fazer tudo desde o princípio”, aponta, destacando o facto de estar a trabalhar com uma equipa toda da casa. “Senti uma motivação grande neles com a chegada de alguém. Sinto, e continuo a sentir, que ficaram muito contentes com o investimento da Marta e do José em querer renovar o projecto e em dar-lhe uma cara nova. Isso deixou-os bastante entusiasmados, e eu sinto isso na cozinha todos os dias, o que é óptimo. Agora, é uma mudança radical, é uma forma de trabalhar diferente, uma organização diferente”, explica o chef, ciente do desafio em mãos, mas nem por isso intimidado. 

Mapa
Luis FerrazA sala do Mapa

Foi com Miguel Laffan que o restaurante do hotel conquistou em 2015 uma estrela Michelin, num percurso que se revelaria sinuoso. No ano seguinte, o L’And perdeu a estrela para a voltar a conquistar em 2017 e perdê-la de novo em 2019, já depois da saída do chef. Uma pandemia e uma pequena revolução depois, David Jesus relativiza. “Até nisso me sinto muito tranquilo. Acho que é inegável que se um dia acontecer toda a gente vai ficar feliz. Agora, se é essa a ambição? Não pode ser. Eu quero é chegar ao fim dos jantares e sentir que a equipa está cansada, mas está feliz, e que eu estou feliz por considerar que demos um óptimo serviço e que tudo o que veio para as mesas estava dentro daquilo que eu quero. Isso e os clientes passarem ali, a dizer adeus, contentes e felizes. Essa a ambição”, defende David Jesus. “A construção é essa e demora tempo.”

Os clientes poderem acenar para a cozinha, como menciona o chef, é uma das novidades. Na vida anterior do restaurante, a cozinha estava longe da vista. Hoje, é por ela que se passa quando se entra no Mapa. “Eles assustaram-se imenso quando eu disse que ia propor abrir uma janela”, recorda. “‘Ah, e depois?’ Depois vamos ter uma cozinha limpa, organizada. Temos de ter o cuidado em passar o paninho – se calhar também o faziam, mas não tinham que ter essa preocupação. No caso, um dia vão perceber que isso foi um crescimento profissional. Para mim é natural, para eles é uma novidade, e há muitas novidades. Eu não posso esperar que assimilem tudo do dia para a noite”, acrescenta ainda David Jesus, elogiando a entrega da equipa, de um lado e do outro. 

Mapa
Luis FerrazMapa

Na sala, por exemplo, o chef conta com Luís Mira, chefe de sala e coordenador de Food&Beverage, com quem trabalhou no passado em restaurantes como o Belcanto, o Mini Bar ou o Beco. “É uma pessoa que eu gosto muito, pessoal e profissionalmente. Era essencial conseguir alguém que eu conhecesse e que eu admirasse para me poder ajudar e, da mesma forma que lá dentro eu tenho que formar, o Luís cá fora tem que formar também. Queremos um serviço simpático, nada pesado, leve… A dinâmica tem que ser um bocadinho parecida lá dentro e cá fora.” Nos vinhos, Pedro Durand, é o head sommelier.

Mas foquemo-nos na cozinha, centro nevrálgico de tudo. David Jesus foi atrás das “influências que levámos e trouxemos das viagens antigas”, fazendo uso do produto local. O ponto de partida pode estar em casa, não fosse o pai de Damão, mas o chef faz várias paragens no mapa – e assim se percebe o nome do restaurante. “É uma cozinha contemporânea onde procuro tentar trabalhar o melhor possível os produtos portugueses e alguns pratos de cariz mais português e viver um bocadinho destas influências”, especifica, enumerando o uso de especiarias e o recurso a diferentes técnicas de cozinha. 

Mapa
Luis Ferraz

São dois os menus de degustação: o mais curto tem por nome Alentejo (90€) por olhar para a região onde fica o restaurante – arranca com uns pezinhos com gamba do Algarve e acaba com uma encharcada e citrinos –; enquanto o maior, Caminhos (140€), explora precisamente a herança gastronómica das viagens marítimas sem qualquer peso ou marca saudosista. A gamba da costa que é servida com pezinhos no primeiro, no segundo é servida numa matapa, um prato moçambicano. “A matapa, normalmente, é feita com folhas tenras de mandioca, mas nós estamos a usar catacuzes, que são uns espinafres selvagens que há aqui. Tentamos fazer esse cruzamento. Não vamos trazer folhas de mandioca para aqui, não faz sentido. Fazer a ligação com os produtos que há aqui, que são muito bons, é que faz sentido”, acredita. 

Mapa
Luis FerrazMatapa

O menu segue com um atum dos Açores com miso, tempura e algas, inspirado na gastronomia japonesa e um muito goês xeq xeq com carabineiro, maçã verde e salicórnia. O Brasil serve-se num salmonete com xerém, que vai buscar os sabores de uma moqueca à base de tomate e marisco. Por fim, do Norte de África, chega um pombo assado com cevadinha, amêndoas e canela e molho de menta. Nas sobremesas, um tailandês mango sticky rice, numa versão 2.0, e uma bebinca. 

Mapa
Luis FerrazOs pratos têm vindo a evoluir

 “Começámos assim, mas eu acho que até pela versatilidade e pela quantidade de coisas que há para fazer, é um menu que vai mudar muito mais frequentemente porque há muitos países, há muitos produtos”, antevê o chef, confidenciando que o feedback recebido tem sido, até agora, “bastante positivo”. “É bom sentir esse feedback por parte dos clientes porque isso dá-nos segurança, obviamente. Estou num momento tranquilo, não tenho muitas dúvidas do caminho que quero fazer, mas sabe sempre bem”, atesta. E conclui: “Estou numa fase da minha vida muito boa e muito tranquila. Sinto que me dão liberdade para me sentir à vontade. Tenho uma equipa que sinto que tem motivação e que quer correr comigo”.

L’And Vineyards, Herdade Das Valadas. Estrada Nacional 4, Montemor-O-Novo. 266 242 400. Ter-Sáb 13.00-15.00/19.00-22.00

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