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Foram meses de antecipação, com promessas de novidades para breve sem que isso se pudesse cumprir, até que Abril trouxe a notícia: o Anfíbio de Miguel Rocha Vieira abriria finalmente portas. Aconteceu devagar, no final desse mês, e foi acelerando. Não se pode dizer que já esteja em velocidade de cruzeiro, mas para lá caminha. Depois da espera, em busca da perfeição, o chef não quer dar um passo em falso. Segue firme com uma carta curta, mas diferente, e um restaurante todo envidraçado mesmo em cima do rio, com 130 lugares, que já começa a dar que falar.
“Cheguei à conclusão de que nunca vai ser como idealizamos e como queremos, se estivéssemos nessa espiral não estávamos abertos hoje”, diz Miguel Rocha Vieira, sentado num dos três quiosques que, a par do Anfíbio, constituem a Doca da Marinha, entre o Terreiro do Paço e Santa Apolónia. “Foi muito importante abrir. Não está perfeito, longe disso, também não sei se algum dia estará, nem sei se existe a perfeição, mas está a correr bem. Temos feito progressos, vemos a malta a trabalhar contente e com orgulho do que faz e o mais importante tem sido o feedback bastante positivo dos clientes”, resume o chef, dias depois de termos almoçado no Anfíbio (o nome deve-se ao facto de o edifício, projectado por Carrilho da Graça, ficar em parte dentro de água).
Miguel Rocha Vieira não faz por menos. Quem o conhece e acompanha sabe que é ali, junto ao Tejo, que tem passado os dias, sempre de forma intensa. Com a Time Out quis falar fora do horário da refeição porque quando entra na cozinha fica difícil sair. “É tudo um processo. Tenho noção de que, às vezes, há pessoas que me querem ver e querem falar comigo e eu como entro em espiral lá dentro falta um bocadinho essa parte”, admite. “Há pessoas que vêm porque têm essa curiosidade, mas não consigo chegar a todo o lado. A prioridade agora é fazer bem, garantir que o que sai, sai bem”, continua, lembrando que mesmo agora, com o Anfíbio a funcionar, ainda controlam as mesas para evitar enchentes que possam pôr em causa o trabalho na cozinha.
Nem toda a gente entende que do lado do restaurante lhes digam que não há mesas, quando visto de fora ainda há espaço. Tem acontecido e têm surgido críticas, mas Miguel Rocha Vieira não vacila: “Estamos a pensar num negócio a dez ou 15 anos. Se vou encher aquilo e não estou preparado, a experiência não vai ser boa, não vai ser o que estão à espera depois de terem criado expectativas”. O objectivo, explica, é que “as pessoas sintam que tiveram uma boa experiência”. “E que estamos a ser justos tanto na oferta como no preço.”
Isso consegue-se com calma. Miguel sabe-o, embora nem sempre transpareça essa serenidade. Pelo contrário, é acelerado. Tem ânsias por ver as coisas acontecer. Mostra as marcas que esta abertura lhe tem deixado, queimaduras num braço, numa mão… Ossos do ofício. “É muito gratificante voltar a cozinhar, era isso que eu queria, sentir-me mais um da equipa, estar ali com eles no forno a cozinhar. Por uma razão ou outra ia fazendo menos.”
É por isso na cozinha, cuja acção tanto pode ser vista da rua como da sala, que o chef passa agora os seus dias, fazendo questão de lembrar que este não é “o restaurante do Miguel, mas de todos”. A carta foi mesmo pensada para que a equipa da sala pudesse também ganhar um papel de destaque, como Miguel fez questão de antecipar tantas vezes. Porém, essa tem sido a parte mais difícil de descolar. “Tentei e vi que não dava. É um processo, preciso de ter tempo com eles e de lhes mostrar como fazer. Não posso estar a exigir se não lhes mostro”, justifica, referindo-se à necessidade de formar a equipa de sala para servir os pratos que se finalizam na mesa, como é o caso do Brás do mar com camarão da costa e molho de crustáceos (17€), envolvido no momento à frente do cliente e que se faz acompanhar também das cabeças de camarão, servidas qual snack, ou com a cavala em escabeche como "lá em casa" (12€), acompanhada de pão alentejano molhadinho (é dizer, servido com os sucos da própria cavala).
Nas entradas, destaca-se ainda o tártaro de novilho (15€), servido em finas fatias de cecina, com batatas soufflé, e o tutano na brasa (15€), com salsa, alcaparras e limão, servido com mandioca em carvão.
Nos pratos principais, divididos entre carne e peixe – nos próximos dias aparecerá também a opção vegetariana –, têm sido mais pedidos a bochecha de atum ao sal, com cebolo, cebolas e chalotas (28€), e a costela de novilho (25€), cozinhada primeiro ao longo de 20 horas a baixa temperatura e depois finalizada no barbecue, que acompanha com legumes assados e batatinha frita. Mas há mais, de uma pescada de anzol em papelote (22€), com funcho, cenouras e citrinos, a um "tomahawk" de porco milanesa (22€), com salada de batatas e feijão verde salteado.
Nas sobremesas, está lá a tarte de queijo (8€) que se tem vindo a destacar nos quiosques, mas é para a pavlova com doce de leite, goiaba e amendoins (10€) que se têm virado as atenções – o nome, aliás, é bastante sugestivo: "Bora lá” Partir a Pavlova, Toda!. Também há uma volta às ilhas com a sobremesa que ali vai buscar os sabores: ananás, maracujá, poncha e mel (8€).
“O que me chamou à atenção deste projecto foi a possibilidade de fazer uma coisa um bocadinho diferente. Esta é uma primeira carta feita para sentir um bocadinho o que as pessoas, os portugueses, gostam”, aponta Miguel Rocha Vieira, que depois de 13 anos decidiu abandonar Budapeste, despojar-se das estrelas Michelin (tinha duas, no Costes e no Costes Downtown) para se atirar de cabeça a este projecto, muito longe da alta-cozinha que lhe deu a fama. “Obviamente tudo o que fazemos, o savoir faire, a preparação, tem a minha cara porque é o que sei fazer, mas aqui é uma coisa mais descontraída. Budapeste era um relógio suíço.”
E ainda há o lado da noite e dos copos que Miguel deseja que comece a vingar em breve. Já há DJs programados, mas falta ainda criar a dinâmica. O Anfíbio foi pensado para fechar tarde, para se entrar e ficar, entre um copo e um cocktail de assinatura, ouvindo a música e entregando o corpo à dança. É tudo uma questão de tempo, acredita. “À medida que vai avançando, vai-se vendo a personalidade deste Anfíbio.”
Av. Infante Dom Henrique A (Doca da Marinha). 21 052 9565. Seg-Sex 12.00-15.00, 19.00-23.00. Sáb-Dom 12.00-00.00
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