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Em Lisboa, a temperatura pode enganar. Apesar de os termómetros andarem a registar valores mais altos do que o normal, a principal fonte de calor da cidade vem dos assadores de castanhas assadas espalhados pelas ruas, tal como em qualquer outro Outono. Os vendedores ambulantes têm ignorado o clima, que fez deste Novembro o mais quente desde que há registos, e têm mantido a tradição nos timings que se repetem ano após ano, continuando a seduzir lisboetas e turistas, atraídos pelo inconfundível aroma da época.
Olinda Sereno já o faz há 41 anos. “Tenho que vir trabalhar para comer”, diz. Há quem não faça vida das castanhas e, por isso, não seja tão assíduo como ela, que se encontra na Praça Duque de Saldanha todos os dias das 11.00 às 20.00. Mas é também por ser uma presença constante naquele sítio que tem uma relação mais próxima com os clientes. Tanto assim é que estes, mesmo quando passam ao largo do assador, para evitarem a tentação de levar uma dúzia de castanhas num pacotinho, não deixam de a cumprimentar. E Olinda não hesita em interromper a sua análise longitudinal à qualidade do fruto para responder aos bons-dias de quem a interpela de longe. “No ano passado a castanha era muito podre, muito estragada. Agora este ano a castanha começou – olá, bom dia! – a castanha começou muito pequenina.” Apesar de se referir a 2023 como um mau ano, em que os próprios clientes acabaram por desistir de comprar, agora vê melhorias – nas castanhas e no negócio. O S. Martinho foi disso exemplo. Com a época natalícia e o Inverno à porta, Olinda prevê um rumo diferente em relação ao ano anterior.
Como Olinda, há muitos outros vendedores de castanhas pela cidade, que há 30 ou até 40 anos ocupam os seus lugares desde a Baixa até ao Marquês de Pombal, da Praça de Londres a Benfica. “Nós conhecemo-nos todos uns aos outros”, diz-nos. Nas zonas mais turísticas, os estrangeiros encaram a castanha como uma novidade, ou até mesmo, como refere Maria Irene, uma espécie de “atracção”, acabando por comprar “muito”. Vendedora na Praça dos Restauradores, junto ao Mundo Fantástico da Sardinha Portuguesa, Maria conta já com alguns clientes da casa, que sabem que só não a encontram nos dias de chuva.
O preço da dúzia que percorre a cidade varia entre os 3€ e os 3,50€ mas, por vezes, “depende da cara do cliente”, como revela Carla Valente. Instalada à saída do metro do Cais do Sodré, faz a dúzia a 3€ a quem conhece. Como começou a esse preço, continua a praticá-lo aos que, de alguma forma, se mantêm clientes ao longo dos anos (é uma espécie de campanha de fidelização permanente). Os restantes pagam 3,50€. E para quem vão as castanhas guardadas na famosa gaveta dos assadores? Carla reconhece que muitos clientes optam por esperar por fornadas acabadinhas de fazer, mas assegura que quem não o faz continua a ser bem servido: as gavetas, diz, mantêm as castanhas quentinhas.
Entre os vendedores de castanhas, muitos são os que se adaptam à estação do ano, para manterem o negócio ambulante. Olinda, Maria e Carla são três exemplos: durante o Verão, vendem gelados. “Não nos dão emprego só por seis meses. Temos de nos orientar aqui”, refere Carla. Ao contrário das castanhas, que por vezes podem chegar podres, algo que Olinda garante ser “impossível de controlar”, com os gelados isso já não acontece. Até porque o produto é amiúde de grandes marcas, como a Olá ou a Nestlé. Embora nem todos.
Olinda, precisamente, vende gelados caseiros feitos pelo marido. Juntos, apostaram em máquinas próprias e em montar uma espécie de gelataria na garagem. Um pequeno armazém. “Os meus gelados não têm reclamações”, refere, enquanto atende um cliente que lhe pede cuidado na escolha das castanhas: “Veja lá, escolha bem”. Produzem cinco sabores de gelados – chocolate, baunilha, morango, ananás e limão. Olinda Sereno recorda que a certa altura mandaram fazer t-shirts com a frase “É para o grande e para o pequeno, é o gelado sereno”. Apesar de já ter feito algumas latas de gelado, numa época em que o marido se encontrava doente, os louros vão todos para ele. “Ele faz melhor do que eu”, concede, em tom de risada. “Dedicou-se tão bem àquilo que ainda hoje é o máximo.” Olinda usa o exemplo do marido para sublinhar que “nunca é tarde para aprendermos”.
Maria Irene tem igualmente um contributo só seu para dar às ruas da cidade: além das castanhas e dos gelados, quando chega o tempo delas, vende também cerejas que chegam de uma quinta sua no norte do país. Não é agora. Agora, é tempo de voltar a agitar o assador, que está a crepitar. Lá dentro, mais do que um simples fruto seco, está, para muitos, um sabor de infância associado à chegada do frio, está uma certa nostalgia e está um momento de partilha entre gerações. O Outono não seria o mesmo sem castanhas assadas.
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