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A uma terça-feira, pouco depois das 19.00, não há grande agitação no Bairro Alto. Passando por restaurantes (alguns autênticas armadilhas para turistas), não se sente movimentação, um contraste absoluto com o que acontece no Karater, o restaurante do chef georgiano de alma lusa Guram Baghdoshvili. Tem sido assim desde que abriu há cerca de dois meses, um entra e sai constante para provar (e repetir) a comida da Geórgia com um twist português, sempre com atenção ao produto e cuidado na cozinha.
“Eu abri a casa e no mesmo dia caiu uma chuva de pessoas”, orgulha-se Guram, que depois de vinte anos em Portugal optou por voltar para o seu país de origem, onde criou restaurantes de sucesso, como o Chevni, e por mero acaso, conta, se tornou também numa figura televisiva. Cerca de dez anos depois, o chef está de regresso. “Triste é o passarinho que não volta ao mesmo ninho”, diz, num português com sotaque, mas facilmente compreensível. “Eu sou fruto de outra terra, mas tenho alma portuguesa e quero retribuir o que Portugal me ofereceu”, acrescenta.
E isso começa logo com a escolha do local para abrir o restaurante. Desde o início que Guram Baghdoshvili e Pedro Carvalho, sócio em todos os projectos, sabiam o que procuravam: um espaço com história. “Tínhamos visto um espaço ali perto do Príncipe Real e vínhamos para o Bairro Alto, estávamos a passar e vimos este sítio, tinha a porta entreaberta e não resistimos”, recorda Pedro. “Vimos logo o potencial.”
O espaço, na Rua Diário de Notícias, era uma antiga leitaria, fechada há 30 anos. O seu antigo proprietário nunca quis vender o espaço, até que depois da sua morte, a filha tomou uma decisão diferente, embora com a condição de que a sua história não se perdesse. “A Letícia escolheu a pessoa certa”, defende Guram. “Cada vez que a senhora vem com as amigas, enche-se de orgulho.” A razão é muito simples: “Mantivemos 95% do espaço”. “Até nos custou mais tempo, mas a opção foi sempre restaurar e não oferecer modernismo ou traços novos. Quisemos conservar o que a leitaria tinha.”
O chão, as vitrinas e até os avisos de “Reservado o direito de admissão” e “Despesa obrigatória” mantêm-se e o que não existia ou precisava de substituição foi comprado em antiquários. “Acho péssimo quando nos bairros históricos se destrói a história. É uma descaracterização”, afirma o chef, para quem é impossível olhar para o futuro sem ter em conta a história. Prova disso é que na Geórgia ganhou o título de “guardião da cozinha georgiana”. “Quando voltei para a Geórgia, comecei a recriar a cozinha georgiana e a recuperar alguns produtos que, à época, a União Soviética destruiu. Ia às aldeias, fazia entrevista com pessoas idosas, tentava recuperar e fiz um restaurante de renome”, destaca, falando sempre numa cozinha de conforto com assinatura. “Na minha terra, fiz uma grande revolução. O meu nome está bem escrito, com letras gordas e douradas, na história da gastronomia da Geórgia”, diz, sem arrogância. Pelo contrário, no Karater, Guram ora está na cozinha, ora está no balcão, este propositadamente mais sofisticado, ora está nas mesas, sempre bem disposta. “Não gosto de chatear as pessoas, mas gosto sempre de estar presente, dar as boas-vindas, sugerir alguma coisas, nem que seja um pratinho e ver a felicidade das pessoas”, ri-se.
Se tivesse que definir o Karater, diria que “é um restaurante georgiano com alma portuguesa” e por isso mesmo diferente daqueles que tem no seu país. “É uma alternativa diferente para as lisboetas e para os portugueses que visitam Lisboa”, resume. O menu é extenso q.b, bastante representativo da cozinha tradicional georgiana, mesmo que inclua vários pratos de autor. Já o produto, explica o chef, é “99% português”. “Baseamo-nos nos produtos portugueses e nos produtos nobres”, adianta, contando que também por cá tem ido atrás de produtores. “Estamos a fazê-lo devagar. Não tive praticamente tempo para nada. Eu abri a casa e foi uma enchente. É todos os dias assim”, aponta.
Guram destaca, por exemplo, a beringela, tão pouco explorada por cá. E no Karater, tanto é servida como chips com sal de Svaneti, mel de castanha, romã e vinagre (7€), como com uma emulsão de nozes (10€). Também há a salada de beringela crocante com fermentado de iogurte, tomate e vinagrete de mel de castanhas (10€) e ainda o tradicional adjapsandali (13€) em que a beringela é estufada com tomate, pimentão e ervas. Para acompanhar, não deixe de espreitar a carta de vinhos onde é dada obviamente uma atenção especial aos vinhos da Geórgia.
Na carta, destacam-se os khinkali, símbolo da cozinha georgiana, podem ser servidos na sua versão tradicional (10€/três), que o chef aconselha a comer-se com a mão, mas não deixe de arriscar nos bolinhos mais criativos que juntam, por exemplo, queijo à receita (10€/três). E o guloso khachapuri (12€), que à primeira vista podem fazer lembrar uma pizza, em que a massa de pão tem a forma de um barco e é coberta com uma mistura de queijos, manteiga e um ovo cru por cima, também não foi deixado de fora. E estão disponíveis ainda mais duas versões.
“Dentro do menu há uma grande variedade de enchidos, fritos, assados, grelhados, ensopados, leguminosos, vegetarianos, veganos e eu tenho extremamente alto feedback das pessoas de várias idades. Esta comida é para as pessoas, é para agradar”, acrescenta o chef, confessando que ao fim de tanto tempo fora ainda temeu que as pessoas não se lembrassem de si ou não lhe reconhecessem valor. “Não só eu amo Portugal, Portugal me adora”, brinca, sem deixar de parte a “ideia louca” de abrir mais algum restaurante por cá.
Rua do Diário de Notícias 63 (Bairro Alto). 965 744 899. Seg-Qui 16.00-02.00, Sex-Dom 13.00-02.00
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