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Idealizada antes da pandemia, a Praça acabou por nascer ao contrário do que seria suposto: primeiro veio a venda online de produtos de pequenos produtores; e só depois abriu um espaço ao público, no Hub Criativo do Beato, que tem vindo a crescer ao seu ritmo. Agora, quase três anos depois, ganhou um restaurante, onde em breve será possível comprar tudo o que vem para o prato. Chama-se Refeitório, numa referência à vida passada daquele lugar, de quando ali se fez a cantina dos trabalhadores da manutenção militar.

À primeira vista, é isso mesmo que faz lembrar (embora não haja tabuleiros em parte alguma). Mas é só aparência. O que aqui se encontra é uma vida e um restaurante como há poucos na cidade. “O Refeitório é um pouco a alma da Praça”, afirma a responsável por este mega projecto, Cláudia Almeida e Silva. Apesar de estarem umbilicalmente ligados e de ficarem um à frente do outro, o Refeitório e a Praça estão geograficamente separados por uma esplanada e um espaço amplo, perfeito até para se largarem os miúdos à vontade.
Depois de anos a trabalhar na área do retalho e da distribuição, Cláudia percebeu que havia uma lacuna, ou uma cadeia logística que acabava muitas vezes por afastar o consumidor dos produtores com menos possibilidades de chegarem às grandes superfícies. “Eu achei que o consumidor iria, cada vez mais, querer saber de onde é que vem o produto, preocupando-se mais com o que come, ficando mais selectivo”, explica. “Tendo nós produto tão bom no país, ele tem de chegar a Lisboa, mas a verdade é que não chegava, ou chegava pouco. Então, surgiu a ideia de criar um mercado em que o foco fosse o produto português, feito ainda de forma artesanal e tradicional, com qualidade, num espaço onde se pudesse comprar e comer ao mesmo tempo”, continua.
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Um mercado, como chegaram a acontecer alguns, não era, porém, suficiente. “Não basta dizer que este azeite de Trás-os-Montes é fantástico e está ali na prateleira. Os produtos nas prateleiras não falam. E esses pequenos produtores não têm investimentos gigantes para comunicarem. As pessoas têm de provar para comprar”, acredita Cláudia Almeida e Silva. “Por isso isto começou por ser uma ideia mais focada na parte de mercado alimentar, de venda de produto, mas rapidamente chegámos à conclusão de que tínhamos de aliar isso à parte da restauração”, conta ainda a responsável, visivelmente orgulhosa por poder proporcionar “uma boa descoberta às pessoas”. “No menu, tentamos logo explicar a quem é que estamos a comprar os ingredientes. Um arroz de míscaros não é um arroz de míscaros qualquer. O prato que está a comer está a contribuir para aquela cooperativa de arroz continuar a produzir um bom arroz. Está a contribuir para o produtor, não é só mais um prato.”
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Também por isso, cada entrada no menu surge com uma explicação não apenas do prato, mas dos próprios ingredientes. Veja-se o exemplo do arroz de míscaros (16€): “Os míscaros são cogumelos selvagens, de temporada, que crescem nos pinhais das Beiras e da região Norte de Lisboa. Embora possam ser servidos em migas ou estufados, achamos que nada suplanta o sabor aveludado de um bom arroz cremoso de míscaros. Fazemos aqui um tributo ao melhor arroz produzido em Portugal no Vale do Sado desde 1760 pelo agrupamento de produtores APARROZ”.
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“Falamos sempre de uma cozinha de produto, seguindo uma matriz muito portuguesa, que possa surpreender o cliente. Não é preciso fazer muito porque se o ingrediente for bom, o sabor está lá. Mas queremos surpreender na maneira como o apresentamos”, aponta, exemplificando com a barriga de porco bísaro (18€) cozinhada lentamente. E lê-se no menu: “O resultado? Uma carne gulosa que se desfaz na boca. Porco BÍSARO de Trás-os-Montes. Acompanha com o nosso arroz cremoso de abóbora biológica do BIO AGOSTINHO”. Há também uma couve lombarda e rabo de boi (17€), um bacalhau com broa (19€) ou uma cataplana de peixe e marisco (42€). Ao almoço, de segunda a sexta-feira, há ainda um menu de almoço mais em conta que, por 15€, inclui prato, sumo, sopa, sobremesa e café.
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“Com o Refeitório conseguimos expressar e fincar muito mais o nosso propósito. É uma cozinha também aberta, muito transparente. Queremos mesmo que as pessoas, caso tenham alguma dúvida, possam ir lá falar com o próprio cozinheiro”, diz Cláudia, revelando que o projecto ainda não está finalizado. “Está previsto ter no mesmo espaço a parte do talho, do mar e do vegetal para que tudo o que vem para o prato possa ser comprado, seja carne, marisco ou vegetais”, explica, com a esperança de que tudo possa estar a funcionar em pleno até ao Verão. “Até lá, a ideia é ir tendo chefs convidados para fazer uns pop-ups e eles próprios também poderem trazer um bocadinho da sua gastronomia”, conclui, com vontade também de ter uma programação cultural que case ali, como já aconteceu, por exemplo, com a Lisboa Criola.
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Fora o Refeitório, na Praça, a qualquer hora, continuam a servir-se bons vinhos, que podem ser acompanhados com tábuas de enchidos e queijos, todos eles escolhidos a dedo.
Hub Criativo do Beato. Travessa do Grilo (Beato). 210 507 569. Seg-Ter 09.00-18.00, Qua-Sex 09.00-23.00, Sáb 10.00-23.00, Dom 10.00-18.00