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A história começa na Ericeira, onde o sonho de Alex Horbenko de chefiar um restaurante ucraniano de fine dining foi ganhando forma. Dois anos depois, a ambição do chef ucraniano está mais perto de se cumprir com a abertura em Lisboa do Capsule Neo-Bistro. Em plena Baixa, o restaurante não tem só melhores condições e tamanho, como chega a um público mais diverso, que faltava na Ericeira. Na cozinha aberta para a sala, Horbenko ganhou um novo fôlego para as suas “experiências loucas”, muito à volta das fermentações, mas conseguiu sobretudo um espaço para dar palco à gastronomia do seu país, numa fusão com o produto e os sabores portugueses.
“Quando abrimos na Ericeira, se calhar não estávamos preparados e não tínhamos noção das dificuldades. As pessoas não nos entendiam”, recorda Alex Horbenko, que abriu o Capsule com o casal Tetiana Pidgurchenko e Oleksandr Kukhtenko, e que acabou por adaptar a ideia de um fine dining a um conceito mais descontraído, sem que se perdesse a assinatura, a técnica e as fermentações – e nascia assim o “neo bistro”. “Com um segundo espaço, pensámos em fazer uma coisa mais simples na Ericeira e Lisboa seria a grande oportunidade para mostrarmos o que podemos fazer”, explica, dando conta de que a morada do Oeste é agora casa de café de especialidade, servido também na capital.
À semelhança do que acontecia na Ericeira, e já com provas dadas, são duas as cartas, a de pequeno-almoço e brunch, disponível entre as 10.00 e as 14.00, e a de almoço, servida das 12.00 às 17.00. “É por isso que é um neo bistro, é um misto de conceitos, entre um bistrô e um restaurante Michelin”, defende o chef. “Imagina, como a batata e a trufa, em que se mistura um produto simples com um produto caro. É o mesmo que fazemos. Nós usamos algo simples com algo incrível e louco”, ri-se Horbenko. “Para mim, é muito interessante, e a verdade é que aqui temos uma parte de clientes que são turistas ou passantes e que querem mais do que a simples tosta de abacate, querem boa comida, sem que seja muito caro”, acrescenta. “À noite, o cliente é outro. [É alguém que] quer mesmo alguma coisa nova, que ainda não provou. Para nós, é a forma de mostrarmos mais criatividade e realmente tentar entrar no mercado da Michelin”, continua.
Referindo-se à noite, Alex Horbenko fala, na verdade, do almoço e da tarde, porque jantares ainda não servem, apesar de o chef ter já ideias para um menu de degustação. “Temos algumas ideias criativas loucas”, diz, não escondendo a ambição de entrar para o Guia Michelin. “Para mim, como para qualquer jovem chef, isso é importante.” Horbenko deseja, acima de tudo, a possibilidade de conseguir mostrar que “a gastronomia na Ucrânia não se resume a cinco pratos, como geralmente acontece”. “Para mim, isso é muito triste”, continua. “Muitos restaurantes que abriram aqui com empresários ucranianos têm comida muito simples. A verdade é que podemos escolher dizer algo sobre o nosso país agora.”
Mesmo assim, o chef não arrisca dizer que serve comida ucraniana. “Não é possível, não temos o produto ucraniano”, justifica. “Para nós, o que é muito interessante é misturar alguma espécie do sabor ucraniano com sabor português. Existem alguns produtos, outros muito similares. É muito interessante mostrar isso às pessoas”, afirma, com a confiança de trazer diferença a Lisboa. “Haver muitos restaurantes é uma grande motivação para fazermos mais e mostrarmos mais.”
Mesmo que um menu possa ser mais criativo do que outro, nada é descurado, nem foge à filosofia do espaço. “Cultivamos sabor através da fermentação e filosofia de desperdício zero”, lê-se no site do Capsule e nas portas do restaurante, aberto onde antes viveu o histórico A Palmeira, que fechou em 2015. “Eu quero ser muito claro: nós não queremos dizer que queremos ser 100% zero waste. Os restaurantes que dizem algo assim estão a mentir”, defende-se o chef, tomando como melhor exemplo o Silo, o restaurante de Douglas McMaster em Londres que é uma referência mundial no que ao desperdício zero diz respeito. “Primeiro, o que tentamos fazer é usar a totalidade do produto. Isso é o que nós realmente podemos fazer. Usamos todos os tipos de casca, pele, ossos, quase nada vai para o lixo. Usamos para molhos, farinhas... Não temos muito espaço, mas a fermentação salva-nos”, diz. “É um passo muito lógico.”
Ao longo da cozinha, são muitos os frascos, de várias formas e cores – nem tudo é comida, também pode ser bebida. “Por exemplo, hoje temos uma maçã verde óptima. Podemos fazer uma kombucha”, exemplifica. Na carta de pequeno-almoço e brunch, há até um doce de casca de melancia (2,50€), perfeito para acompanhar o pão de massa mãe (2€). Em Portugal, Alex Horbenko não encontra melancias como as do seu país, mas por ser um produto em comum, fez questão de as ter. “A nossa solução foi usar o interior para alguma bebida e com a casca fazer um doce com habanero do Lugar da Terra”, conta. O mesmo doce é usado na carta de almoço com língua de vaca, cogumelos corais e puré de cogumelos (19€).
Ainda na carta matutina, fugindo ao óbvio e procurando ir buscar os sabores ucranianos, há uma omelete com nduja artesanal, molho holandês de sriracha e chips de inhame (12,50€). O produto português destaca-se na torrada de sardinha com alga marinha, pickles e maionese de pele de frango (9€) ou no brioche doce com gelado de pão, ananás dos Açores e caramelo de pão (11,50€). O tártaro de carne maturada, com maionese de kimchi servido numa french toast (14€) é já um dos mais pedidos.
Na carta de almoço, notam-se, porém, os sabores mais complexos, como no prato inspirado no tradicional (e de conforto) kasha, aqui servido com enguia fumada, frutas, limão salgado e trigo sarraceno (17€). Já o peixe branco confitado, com vegetais lacto-fermentados, batatas fritas e mousse de batata (16€) partiu da receita do bacalhau à Brás – “Não me batam”, brinca o chef – e é mais um exemplo do casamento entre a cozinha do Leste e a portuguesa.
Nas sobremesas, aplica-se o mesmo preceito e, também por isso, podem ser consideradas igualmente fora da caixa, ou loucas, na definição do chef. “Se pensarmos em sangue de galinha na sobremesa, é de loucos.” É verdade e acontece no gelado de couve-flor com caramelo de miso e crocante de brownie (6€). “Funciona e é muito bom”, orgulha-se. A regra é não ter regras, de tal forma que a carta está em constante mudança. “O primeiro menu que criámos foi há cerca de meio ano. Já o mudámos sete vezes”, revela. “Quando provamos alguma coisa incrível, à segunda, quando repetimos, já não parece tão incrível. A sensação não é a mesma. Quando mudamos algumas coisas, às vezes só um ou outro apontamento, é uma óptima forma de surpreender o cliente que volta. Brincamos com as emoções.”
Quanto às bebidas, a carta de vinhos está assente em referências de baixa intervenção. As surpresas, ou o trabalho caseiro, descobre-se nas infusões, na soda caseira e demais opções, como a tónica de hibisco e mirtilo (6€) ou na de jasmim e sabugueiro (6€).
Rua do Crucifixo 71 (Baixa). Qua-Dom 10.00-17.00
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