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O sol anuncia uma tarde de calor. No Espaço Evoé, o teatro começa na rua, onde se vão realizando várias mostras e onde o colectivo de criação Algures tem descansado entre ensaios. “A Susana Cecílio [directora do Algures] abriu este espaço comigo e esteve cá durante nove anos, antes de seguir com o seu próprio projecto artístico”, diz-nos Pablo Fernando, actual coordenador pedagógico e director artístico da escola e da companhia Evoé, onde actores de todo o mundo fazem teatro em português. Brasileiro de Florianópolis, Pablo mudou-se para Portugal em 1996, para prosseguir os seus estudos superiores em Teatro, no Conservatório de Lisboa. Entre fazer teatro e investigação, deu aulas e criou aquilo a que então chamou Teatro de Bolso da Voz do Operário, uma espécie de protótipo do que viria a ser o trabalho da sua vida. “Tínhamos lá uma sala, quatro dias por semana. Mas crescemos e fomos à procura de uma casa a sério, só para nós. Demorámos 27 dias a abrir estas portas”, confidencia, orgulhoso. Entretanto já lá vão duas décadas.
É como se tivesse sido ontem. Pablo recorda-se com surpreendente vividez. Andavam à procura de um lugar para dar aulas e apresentar espectáculos. Ao cruzarem-se com o número 36-40 da Rua das Canastras, entre a Rua dos Bacalhoeiros e o Beco do Arco Escuro, não resistiram. “Já tínhamos quase dois mil cartazes nas ruas e o contrato de aluguer ainda só estava apalavrado”, revela, por entre risos. “Tivemos inclusive de fazer umas pequenas obras. Os alunos vinham matricular-se, porque precisávamos de ter pelo menos 50 no primeiro mês para pagar a renda e outras despesas, e nós estávamos sentados em cima de um tijolinho, pintando, fazendo coisas”, evoca, com nostalgia, antes de puxar pela memória mais uma vez e dar conta do início do ano lectivo, em 2002. “Tivemos de telefonar a vários alunos, que não apareceram. Perguntámos ‘porque não vieste?’ e respondiam ‘ah, pensei que as obras não iam estar prontas’. Estão, estão. Me lembro de estar acabando de arrumar as coisas, trocar de roupa, os alunos aqui na frente, e acabar o dia dando aulas.”
A oferta era diversificada – mais de uma dúzia de cursos –, e incluía desde teatro até dança contemporânea, passando pelo circo, a música e até diferentes práticas de meditação. Agora, como há mais ou menos dez anos, a escola aposta apenas na formação de actores, o nicho profissional em que decidiram especializar-se, sobretudo graças à procura, sempre significativa, por parte de alunos estrangeiros. Foi também isso que o levou a co-criar a RIEA – Rede Ibero-americana de Escolas de Actores, que integra um conjunto de estabelecimentos de nove países, entre os quais Espanha, Itália, Argentina e EUA. É nesse âmbito que costumam fazer intercâmbios internacionais, que podem durar entre uma semana e dois meses. Dentro do país, Pablo também tenta descentralizar, mas não é tão fácil como gostaria. “Fora de Lisboa, no interior, por exemplo, compram-se muito poucos espectáculos”, lamenta. “Temos investido mais em ir ao Brasil, por questões afectivas e culturais e porque temos muitos alunos que vêm de lá para fazer formação na escola.”
Um espaço para todos
Felipe Toledo é o exemplo perfeito de um dos muitos actores do outro lado do Atlântico que vieram a Portugal especializar-se na Evoé e ainda cá estão. Tem 26 anos, é de São Paulo e descobriu a escola de Pablo através de uma pesquisa na internet. Chamou-lhe a atenção o curso de Formação de Actores e Teatro Físico, que segue a metodologia do francês Jacques Lecoq, reconhecido pelo seu trabalho na decomposição do movimento e no ensino da mímica. E correu tão bem que, para sua felicidade, foi convidado a fazer um estágio pedagógico. “Eu faço teatro desde os nove anos e a Evoé foi muito importante para me afirmar tecnicamente e num ponto mais maduro da minha vida”, partilha. “É muito gostoso esse processo de chegar como aluno, ir amadurecendo e se tornar professor.” O português Martim Sena, 22 anos, na Evoé há sete, concorda. “Nunca tinha feito teatro. Tinha 15 anos e a escola não fazia muito sentido para mim. Quando fiz o primeiro ano na turma de jovens, achei engraçado. No segundo, percebi ‘ok [é isto]’”, confessa. “Sinto-me uma pessoa completamente diferente. Mais confiante.”
A Evoé é, sobretudo, um espaço de felicidade, onde não se separa a vida da arte. Quem o diz é Pablo, que se sente orgulhoso por reunir na sua escola pessoas de todas as idades, nacionalidades e contextos sócio-económicos. “No teatro físico, trabalha-se mais com o corpo e improvisações. Esse risco de se expor não só é assustador como atraente, porque entramos em contacto com coisas que não imaginávamos dentro de nós”, assevera, antes de se confessar ansioso por estar, por um lado, a construir uma equipa de professores formados na própria escola; e, por outro, a investir novamente na criação artística. O espectáculo mais recente da Evoé, por exemplo, foi criado a propósito da comemoração dos vinte anos do projecto e celebra também o bicentenário da independência do Brasil. Com encenação de John Mowat, 1808 – A história de um Rei Fujão, uma Rainha Louca e uma Princesa Espanhola à frente do seu tempo revela-se uma comédia visual sobre o período histórico que vai de 1807 a 1822, quando a família real atravessou o Atlântico para fugir de Napoleão e acabou a mudar a história de dois países. Depois da estreia em Setembro e de uma temporada no Brasil, com paragens em São Paulo e Brasília, a peça está de volta à Evoé, com apresentações entre 14 de Outubro e 12 de Novembro.
Espaço Evoé (Lisboa). 96 252 5866. 1808 – A história de um Rei Fujão, uma Rainha Louca e uma Princesa Espanhola à frente do seu tempo: 14 Out-12 Nov, Sex-Sáb 19.30. 7,50€-10€
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