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Há uma nova fase a iniciar-se na carreira de Kiko Martins e o restaurante que acaba de abrir em Campo de Ourique é disso prova. No LeBleu, o chef mostra-se de forma mais depurada. A carne não entra e não há um prato que seja óbvio, nem mesmo para quem tenha seguido as pisadas de Kiko.
“Isto não é um restaurante democrático nem consensual, não tens aqui uma arrozada de camarão, um peixe grelhado ou um bife com batatas fritas, mas eu acho que vai conseguir conquistar muita gente”, antecipa. “É um projecto que é consequência da versão 2.0 do Kiko, falando à jogador de futebol”, brinca Kiko Martins. E que versão é essa? “É uma tentativa de não adormecer, de não cruzar os braços e de não me agarrar às bengalas do passado. [Quero] tentar mostrar outra vez que ainda tenho muito para dar ao mercado em Portugal”, atira, com a certeza de que “as pessoas que vierem aqui vão sentir a mesma paixão pela cozinha, mas vão sentir uma evolução gastronómica”. “Evolução a nível de técnica e um desejo de querer surpreender as pessoas com coisas diferentes”, elabora.
Focada no Atlântico, e no que de melhor este tem para nos dar, a carta divide-se entre entradas e principais, e são poucos os pratos que não brincam com os sentidos de quem se senta à mesa. Nunca a vontade de arriscar foi tão notória da parte de Kiko, bem como o desejo de arriscar. O niguiri de lírio (7,60€/dois) onde o habitual arroz é substituído por um marshmallow feito com o caldo do peixe e por isso carregado de sabor, é um bom espelho disso, tal como o pastel de nata com enguia (5,70€) ou o crème brûlée com mexilhão fumado (11,70€).
“Vivemos uma era da simplicidade e da simplificação e não acho que este restaurante seja espelho da época, acho que é um restaurante que tenta mostrar produto, tenta mostrar técnica, mas acima de tudo tenta brincar um bocadinho com a tua maneira de ver as coisas”, explica Kiko Martins, destacando a “originalidade do espaço”. “Não é uma tentativa de andar a ver o que os outros fazem. Eu prezo muito a originalidade na cozinha”, garante, não conseguindo, ainda assim, ver este novo restaurante como o mais autoral dos que abriu até agora – O Talho, a Cevicheria, O Poke, O Boteco e Las Dos Manos. “Vais à Cevicheria e diria que 80% dos pratos são autorais.”
Ainda assim, conta, há um trabalho “de alguma limpeza de algum excesso, de muitos ingredientes”. No fundo, mais elegância. “Por exemplo, eu sinto que o bacalhau à Brás é uma evolução. No Surf & Turf, que fechou no Time Out Market, nós tínhamos um bacalhau à Brás e eu achava aquele prato uma coisa super-evoluída, achava que podia estar em muitos fine dinings. Agora, há uma evolução de lá para cá? Há. E essa evolução está em tentar purificar, ser mais puro, mais elegante, menos complicado”, reflecte. No caso, o bacalhau à Brás (8,40€/dois) é um bonito snack que se come em duas dentadas.
Já nos principais, que podem perfeitamente ser partilhados, há um polvo com enguia no carvão e pastinaca (27,90€), ou um surpreendente Wellington de pregado e camarão (78,90€), mas também um risotto de aipo e bacalhau negro (26,90€), que não é realmente um risotto, e um lagostim com tagliatelle nero (38,70€), que de pasta não tem nada e é, sim, feito de lula.
Nas sobremesas, a dinâmica mantém-se. Veja-se a mousse de crème fraîche e granizado de romã (7,40€). “É uma sobremesa que parece simples, mas que é feita com um véu de espargos brancos, creme fraîche, uma salada de espargos brancos e um granizado de romã”, aponta o chef. O mesmo acontece com o cremoso de pistáchio e goma de maracujá (8,90€), cujo empratamento (uns lábios vermelhos) promete fazer furor nas redes sociais.
E, pela primeira vez, o chef apresenta uma carta de cocktails de assinatura, criados de raiz para o LeBleu.
Apesar de todo o trabalho, Kiko Martins faz questão de dizer que o LeBleu “não é um fine dining”. “É um espaço divertido, é um espaço descontraído”, defende, admitindo, porém, que este é um passo importante para o que se segue na sua carreira e que promete dar que falar. Há um novo restaurante a ser preparado, cuja abertura está prevista para 2025. Embora diga que não gosta da expressão “fine dining” é isso mesmo que vai ter – na zona do Rato. “Nada do que está aqui estará no outro restaurante, mas isto é uma mudança.”
Foi no LeBleu que o chef se sentou com a Time Out para uma longa conversa onde reflecte sobre este momento na sua vida e antecipa o que aí vem. O resultado pode ser lido na revista na banca.
Rua Saraiva de Carvalho 131 (Campo de Ourique). Ter-Qui 19.00-23.00, Sex-Sáb 12.00-16.00/19.00-23.00