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Começou com poucas palavras. Aliás, com palavra nenhuma. Quando Ana Lúcia Palminha e Gonçalo Botelho se juntaram para criar uma peça para o LU.CA, a primeira coisa que decidiram foi que montariam um espectáculo sem texto e em que o corpo é que fala. Vuuute! dá-nos a conhecer a história de dois irmãos que todos os dias têm de acordar cedo para ir para a escola. O irmão é mais preguiçoso. E bem diz a irmã que, se chegar atrasada, a culpa é dele. É que em vez de estar aqui e ter de fazer as mesmas coisas todos os dias, por ele, estava do outro lado do mundo. A brincar, a explorar, a fazer aquilo que lhe apetece. Um dia, quando acorda, não está no seu quarto e parece que aquilo que ele sempre desejou está prestes a acontecer.
“Tanto eu como o Gonçalo temos a peculiaridade de sermos mais físicos, de gostarmos de usar o corpo em cena e, por isso, propusemos fazer um espectáculo que não tivesse texto”, começa por dizer ao telefone com a Time Out Ana Lúcia Palminha, criadora e intérprete de Vuuute! juntamente com Gonçalo Botelho, lembrando que é costume os espectáculos partirem de uma história ou texto. Neste, não é esse o caso. “Desafiámo-nos a contar uma história que ainda não sabíamos qual era, mas sem palavras. Só com o corpo e com a linguagem visual”, explica.
Os dois artistas já se conheciam de outras andanças. Tinham trabalhado juntos no Teatro da Comuna e também tinham participado em espectáculos de outras companhias e em criações próprias para crianças e jovens. Mas nem um, nem outro tinham alguma vez explorado a ideia do corpo e do movimento em palco e, em especial, para um público desta faixa etária. Montar este espectáculo, que está em cena entre 6 e 22 de Dezembro, foi a oportunidade certa para isso. E apesar do que se possa pensar, o facto de na plateia se sentarem crianças não o torna um desafio maior, é antes uma mais-valia. “Elas absorvem a narrativa que está a ser passada em cena, tendo ela palavras ou não, de uma forma muito generosa. E, por isso, fazer espectáculos para esta faixa etária é uma grande responsabilidade. Um público jovem tem um grau de imprevisibilidade e criatividade incríveis e, portanto, temos que pensar bem como o fazer”, continua Ana Lúcia, que realça ainda a importância de existir química entre quem está em cena e o público.
Gonçalo, por outro lado, acredita que a falta de texto pode ser uma maneira de tornar universal a história dos irmãos. “Ao fazermos o espectáculo mais físico, ele torna-se mais perceptível em qualquer lado do país ou do mundo e até para miúdos surdos, eventualmente. A imagem e a ação contam a história por si e não é preciso a palavra para sustentar nenhuma narrativa. Isso é uma vantagem.” E também permite que quem assiste tenha, de certa forma, um papel mais activo. “O público acaba por levar as suas histórias. Às vezes, a palavra pode ser limitadora, porque explica uma ideia de uma determinada maneira. Aqui, há uma história que está a ser contada, mas não é tudo explicado. Dentro desta dimensão mais vasta e visual, eles podem criar as suas interpretações”, crê Ana Lúcia.
A criação foi-se fazendo, passo a passo. Ana Lúcia e Gonçalo fizeram uma residência artística de cinco dias com Tomás Porto, actor de teatro físico, de forma a familiarizarem-se com este tipo de linguagem. “Os artesãos pensam um bocado com as mãos, nós estávamos a pensar com o corpo”, compara Gonçalo. Depois, à medida que iam avançando, também iam improvisando e, aos poucos, chegaram ao resultado pretendido.
Em palco, a coreografia dos dois actores é complementada pelas composições originais de Sérgio Nascimento e Vicente Santos e pela cenografia de Carla Martinez, que também ajudam a desenrolar a narrativa. É num dia, que poderia ser como todos os outros antes desse, que um dos irmãos acorda e não está na sua cama. Vê-se sozinho num deserto, num lugar bem distante do seu quarto, onde conhece uma rapariga com quem vive algumas aventuras.
Quando regressa, já não é o mesmo rapaz que acordava com os pés de fora todas as manhãs. “Fala sobre encontros, de estar aberto a coisas que acontecem de repente e que são diferentes daquilo que podemos encontrar dentro da nossa zona de conforto. E também leva a pensar sobre o que é que nos pode acontecer sem estarmos à espera e de como é que acolhemos essas mudanças”, descreve a criadora. Mas, acrescenta Gonçalo, a ideia não é “impor nenhuma moral”: é, acima de tudo, divertir as crianças.
Depois de estrear no LU.CA, a dupla pretende apresentar Vuuute! no resto do país – e até além-fronteiras. Ana Lúcia e Gonçalo falam em festivais em Espanha e na América Latina. Assim que a carreira em Lisboa termine, esse será o próximo desafio.
LU.CA – Teatro Luís de Camões. 6-22 Dez. 6 e 18 Dez 14.30, 10-13 e 19-20 Dez 10.30 e 14.30, 7-8 14-15 e 21-22 Dez 11.30 e 16.30. 3€-7€
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