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No MAAT, Vivian Suter dialoga com a natureza, McCall cria espaços com o desenho

"Disco" e "Rooms" podem ser vistas a partir desta quarta-feira. Duas exposições parecem estar nos antípodas uma da outra. Mas não é bem assim.

Helena Galvão Soares
Jornalista
Split Second Mirror I, "Rooms", Anthony McCall
Daniel BradicaSplit Second Mirror I, "Rooms", Anthony McCall
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São duas as grandes exposições que completam o ciclo de inaugurações de 2024 no Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) – "Disco", de Vivian Suter, na Galeria Oval, e "Rooms" de Anthony McCall, na Galeria 2, podem ser visitadas a partir desta quarta-feira e até dia 17 de Março do próximo ano. A hiperabundância de peças, cores e ocupação do espaço de "Disco" contrastam com a penumbra onde tomam forma as quatro instalações de linhas e formas geométricas de "luz sólida", duas delas com banda sonora, de "Rooms".

As exposições estão em preparação há cerca de ano e meio, afirma o curador de ambas, Sérgio Mah, durante a visita de imprensa. A inauguração simultânea não é um acaso, já que os dois artistas iniciam a sua actividade na mesma época. "Os anos 70 são um período de corte com o modernismo", diz o curador, "um período de miscigenação e hibridismo, e também de desmaterialização do objecto artístico, de artistas que exploram os limites. Os conceitos já não descrevem as suas obras."

Arte colaborativa – com a natureza

"A obra de Vivian Suter é um bom mote de reflexão para os artistas mais novos", acrescenta Mah. Não interessa a exuberância dos meios mas sim "o comprometimento em relação ao mundo, à vida, ao meio ambiente". Suter nasceu na Argentina, mas estudou pintura em Basileia, Suíça, a partir dos 12 anos. Em 1983, um ano após a sua bem-sucedida participação numa exposição colectiva na Kuntshalle Basel, conheceu, numa viagem pela América Central, o local onde vive até hoje: uma antiga plantação de café perto de Panajachel, uma povoação maioritariamente habitada por indígenas de ascendência maia, junto a um lago e três vulcões, na Guatemala.

"Descobriu um cenário estimulante onde se entregou a uma prática experimental, solitária e obsessiva, através da qual foi constituindo uma linguagem plástica única com as formas vivas deste lugar", escreve o curador na folha de sala da exposição. A pintura de Suter é predominantemente abstracta e executada no exterior, onde fica sujeita à acção dos elementos, dos insectos e dos três cães – as obras resultam de uma prática colaborativa com a natureza. As telas não são assinadas nem datadas e, nas exposições, são tratadas de forma flexível: montadas nas paredes, suspensas, expostas na horizontal ou vertical, por vezes com frente e verso igualmente à vista, individualmente ou como parte de conjuntos. Tudo isto é uma ruptura em relação à forma tradicional de ver a pintura.

"Disco", de Vivian Suter
Pedro Pina"Disco", de Vivian Suter

Depois de um hiato de cerca de 20 anos, em que continuou a sua prática artística mas longe dos circuitos expositivos, Vivian Suter foi redescoberta e a sua obra está agora ser exibida em circuitos internacionais. Parte das telas de "Disco" vem de museus europeus onde expôs recentemente, como o Centro de Arte Reina Sofia, em Madrid, em 2021, e o Secession de Viena, em 2023. A presente exposição, de 500 pinturas dos últimos dez anos, tem um número significativo de obras inéditas e é uma co-produção do MAAT com o Palais Tokyo, em Paris, instituição para onde seguirá, com inauguração marcada para o Verão de 2025.

Luz e névoa: obras intrigantes, lúdicas, sensoriais e belas

Anthony McCall marcou o início dos anos 70 com a singularidade e inovação das suas instalações de "luz sólida", mas, tal como Vivian, desapareceu para só regressar nos anos 2000. Em 1973, o artista cobriu uma janela do estúdio com cartolina preta, onde cortou uma estreita fenda. Com a incidência da luz do sol, uma lâmina de luz projectou-se na sala, ganhando densidade ao atravessar o fumo de um cigarro no ar. A experiência, intitulada Room with Altered Window, foi documentada em fotografia e pode ser vista na exposição do MAAT. Daqui, Anthony McCall partiu para a tridimensionalidade, criando a mais célebre das suas obras, Line Describing a Cone, em que a projecção de um filme com linhas de luz cria um espaço tridimensional, com interior e exterior, qualquer coisa entre o desenho, o cinema, a escultura e a instalação.

A história que se conta é que ao sair do ambiente artístico boémio e fumarento que frequentava em Nova Iorque, apresentando uma obra sua num museu europeu, sem fumo, McCall percebeu que a peça não funcionava. Abandonou a ideia e dedicou-se ao design gráfico. Em 2003, munido de projectores de nevoeiro de palco e usando agora processos e dispositivos digitais, regressa à produção artística.

Nesta primeira exposição individual em Portugal, no MAAT, além da fotografia Room with Altered Window, podem ver-se quatro obras que McCall denomina de “Solid Light Works”, produzidas entre 2007 e 2020. São instalações fílmicas que criam objectos de superfícies foscas que se movem lentamente no espaço. As peças Skylight e Rooms, ambas de 2020 e com banda sonora de David Grubs, são as que nos mostram o fluir do desenho projectado, esculturas de luz e fumo imateriais mas que parecem tridimensionais. Nas outras duas podemos conhecer o interior, que só se vê depois de cruzada a barreira de luz e névoa. A ideia de projecção cinematográfica fica para trás. Não interessa tanto o que está projectado no ecrã, mas sim o que existe e se vai construindo entre o projector e o ecrã. Mais: cada ponto dentro da peça tem uma perspectiva única do interior do objecto.

"Rooms", de Anthony McCall
Pedro Pina"Rooms", de Anthony McCall

Na projecção Split Second Mirror I, de 2018, tudo isto é potenciado pelo facto de o ecrã ser um espelho, que devolve a imagem recebida – vemos agora um projector de cada lado. Os sentidos são ludibriados e há quem se sinta até fisicamente desconfortável pela incapacidade de perceber o que vê. A outra peça de grandes dimensões, You and I Horizontal III, de 2007, apresenta uma imagem panorâmica que surge da combinação de duas projecções e cria espaços côncavos e suaves intersectados por planos no espaço, como se nos encontrássemos envolvidos por um espaço em lenta evolução. São obras intrigantes, lúdicas, sensoriais e belas. Faça a sua visita fora das horas de ponta para poder ver as obras em pleno, com poucas pessoas.

Esta quinta-feira, 30 de Outubro, às 18.00, decorre uma conversa com Vivian Suter e Sérgio Mah na Galeria Oval. No sábado, 23 de Novembro, às 17.00, há um concerto de David Grubbs, autor das bandas sonoras de duas peças de Anthony McCall, na Galeria 2.

Avenida de Brasília (Belém). Qua-Seg 10.00-19.00. Até 17 de Março. 11€ (entrada livre no 1.º domingo do mês, até às 13.00)

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