[title]
Sentido de humor e fantasia – João Magalhães é o primeiro a revelar os ingredientes com que tem temperado o trabalho dos últimos anos. Estreou-se na passerelle da ModaLisboa em Outubro de 2016, na altura sob a identidade criativa da Morecco, marca que acabaria por substituir pelo próprio nome. Hoje, este arquitecto convertido em designer é o mais recente inquilino da Rua das Trinas (presumivelmente, dado o frenesim imobiliário que se vive na cidade). Nos últimos dias – e com a apresentação da próxima colecção marcada para este domingo –, a vida acontece, praticamente em exclusivo, no novo atelier e showroom.
"Ontem já saí daqui atrasado para a ópera. Agarrei num casaco e ainda peguei no tricórnio cor-de-rosa da outra colecção e levei-o. Estava claramente muito exagerado. A ópera em si já é tão teatral e aquele sítio é tão over the top que roça o mau gosto, então acho que posso brincar com isso", conta à Time Out, em jeito de curiosidade.
A exuberância de Magalhães não deve ser confundida com um esforço para dar nas vistas. A filosofia por trás da roupa (da que cria e da que veste) é algo de mais íntimo e nasce de uma ideia lúdica e recreativa, além de bastante pessoal, do que deve ser um guarda-roupa. "Sempre gostei de brincar com a roupa. Hoje, é-nos muito menos exigido que sejamos sérios do que há 50 anos. E todos nós somos uma multiplicidade de coisas – ponderados infantis, divertidos, pais, mães, amantes. Mas acho que a maioria das pessoas ainda vê a roupa como uma forma de pertencer a algo, ou de se sentirem atraentes, mas sempre numa versão copiada de alguém. Por isso é que, para mim, sempre foi importante esta ideia de brincar e ser irónico, porque as peças que vestimos são quase sempre referências de outras coisas."
No limite, nem a moda deve ser levada demasiado a sério. "Não estou a operar corações nem cérebros, estou a fazer roupa. É suposto ser divertido. Sei que a moda pode ser uma coisa mais séria e menos frívola, mas também acho que, quando se tenta que seja demasiado política, cai no ridículo. No fundo, todos queremos vender carteiras de 3000€ e isso não resolve problema nenhum. Não gosto dessa hipocrisia."
No novo espaço, destacam-se as duas últimas colecções. Peças singulares que combinam materiais e técnicas e que servem de pista para antever o que virá a seguir. "Foi o Verão em que ouvi mais música em toda a minha vida", declara o designer de 34 anos. "Acho que se vai sentir uma musicalidade [na colecção]. A roupa está muito pensada para o movimento e voltei muito ao universo das discotecas, a referências de uma moda mais asiática, mas também ligada à disco dos anos 70. Tudo isto com materiais e cortes que já tinha. Acho que as pessoas vão reconhecer coisas que já fiz anteriormente, mas sob uma nova forma."
O que João nunca perdeu de vista foi o espírito colaborativo que, desde o primeiro dia, marca as suas criações em nome próprio. A joalheira Beatriz Jardinha ou o artista visual Guilherme Curado, entre outros, voltam a estar envolvidos. "Ando a falar deste espaço há quase dez anos. E pus as mãos na massa – escolhi materiais e revestimentos, desenhei os charriots. Foi engraçado transpor o meu trabalho no vestuário para o espaço. E isso deixa-me com mais espaço, físico e mental, para pensar em colaborações e lançamentos que não fazem tanto sentido numa colecção, mas que sempre quis fazer, como fatos de banho."
Atelier e showroom (por enquanto, não terá horário fixo, mas o objectivo é abrir como loja a partir de Dezembro) alargam os horizontes do designer, ao mesmo tempo que o empurram para uma fase criativa mais madura. Alfaiataria e corseterie são técnicas que está disposto a explorar nos próximos tempos. Simultaneamente, um espaço físico exige um novo compromisso – depois de ter vivido em Londres e viajado pelos vários continentes, Magalhães está disposto a assentar. "Algumas das minhas colecções nasceram de viagens geograficamente próximas, como foi o meu confinamento no Minho, ou mesmo de referências pessoais. Além disso, o meu trabalho é fantasioso, vai ser sempre uma viagem, e há muita coisa por explorar aqui à porta de casa."
Sobre o espaço que uma linguagem como a sua foi encontrando em Lisboa, reconhece a bolha que o rodeia, mas também a evolução de uma cidade cada vez mais cosmopolita. "Lembro-me de sair à rua, há uns anos, com coisas mais malucas e receber comentários. Alguns até pareciam elogios, mas eram altamente irritantes. Mas acredito que vivo numa bolha e que apanhar um autocarro para o subúrbio com um tricórnio cor-de-rosa não seria a mesma coisa do que apanhar um Uber da Lapa para o São Carlos."
O mesmo privilégio levou a pisar uma plataforma como a ModaLisboa, traçando um caminho menos "protocolar", como explica. "Não estudei moda, fiz sempre tudo à minha maneira. Saltei algumas etapas e isso foi notório, porque depois tive de andar para trás e desenvolver capacidades técnicas. Todos temos boas ideias, mas é preciso saber concretizá-las e ter os contactos da indústria e quem tem know-how. E essas pessoas não estão sempre numa festa do Lux." A confiança foi sendo conquistada, à medida que enriqueceu o currículo, que ganhou o respeito dos pares e que as vendas começaram a ir além do grupo de amigos.
O futuro a curto prazo passa por outras novidades, como é o caso da loja online, prestes a ser lançada. Com ela, uma nova projecção da marca João Magalhães, um ligeiro aumento das quantidades produzidas e a perspectiva de, pela primeira vez, começar a constituir uma equipa a tempo inteiro. "Vai ser um processo menos solitário, que me vai permitir bater mais bolas, ganhar uma estrutura e ter mais ritmo de trabalho. Este espaço também me vai permitir ter mais proximidade com o público, mais meios para stock e mais entrada de cash. Acho que é desta."
Rua das Trinas, 102 (Lapa). Marcações: joaomglhs@gmail.com
+ Compras, arte e street food: tudo o que pode fazer na ModaLisboa
+ Num antigo laboratório, nasceu uma das lojas mais bonitas de Lisboa