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No sismo de 1969 os lisboetas passaram a noite na rua em pijama, aterrorizados e enregelados

O sismo de há 55 anos só não teve consequências mais calamitosas porque o seu hipocentro se localizou a 22 quilómetros de profundidade e a 200 de distância de Sagres.

Helena Galvão Soares
Jornalista
Em 1969 um grande sismo abalou Lisboa
Hemeroteca/ divulgaçãoPrimeira página da terceira edição do dia 28 de Fevereiro de 'A Capital'
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O sismo desta madrugada, de 26 de Agosto, teve em Lisboa uma intensidade V na Escala de Mercalli Modificada, que o IPMA classifica como Forte e capaz de acordar alguém que esteja a dormir.

Mas há 55 anos, em 1969, os lisboetas não se limitaram a acordar: saíram pelas 03.41 para a rua em pijama e trajes menores, suportaram novo sismo pelas 05.28, e na rua se mantiveram, aterrorizados e enregelados (era Fevereiro e chuviscava), até de manhã, quando as réplicas abrandaram. No artigo “45 anos do sismo de 28 de Fevereiro de 1969”, do IPMA, pode ler-se que o sismo de 1969 foi classificado como de 7,3 na escala de Richter, tendo sido sentido em Lisboa com o grau VI-VII (de XII) da Escala de Mercalli Modificada, ou seja, de intensidade Bastante Forte a Muito Forte. Uma intensidade sísmica VI, descreve o IPMA, significa que, dentro de casa, louças, copos e vidros das janelas partem-se. Livros saltam das prateleiras e quadros caem das paredes. O mobiliário move-se e tomba. Naturalmente, perante este quadro, em 1969, as pessoas entraram em pânico e correram para a rua, onde o panorama não era mais animador. Nas ruas de Lisboa, como relata o IPMA, “caíram inúmeras chaminés de edifícios e paredes pouco consolidadas, gerando a destruição de veículos estacionados; parte da cidade ficou sem energia [para evitar curtos-circuitos], nem comunicações telefónicas. Reportados 58 feridos ligeiros”. No saldo final houve a lamentar dois mortos directos e 11 indirectos, e cerca de 200 feridos.

“Ronda dramática em plena madrugada pelas ruas da cidade povoadas subitamente por milhares de pessoas”, titula A Capital, na reportagem que fez no terreno, onde dá conta de “gente desvairada em trajos menores”, “algumas evidenciando sintomas de manifesta crise nervosa, percorrendo sem tino as artérias nas imediações das suas casas”, “cães [que] latiam agoirentos, em muitos pontos da cidade” e de “milhares de pessoas e de veículos que, transportando famílias completas, demandavam os largos e descampados”.

A Capital dedica um artigo à grande afluência de 700 doentes e feridos ao Hospital de São José, “sofrendo a maior parte dos assistidos de crises nervosas ou de contusões provocadas por quedas” devido ao pânico causado pelo “abalo telúrico”. Foi o que levou a que um homem na Brandoa “saltasse de um 2.º andar, partindo uma perna”, o mesmo que aconteceu a “Manuel Agenciano Morais Afonso, de 22 anos, estudante (...), que, tomado de pânico, se lançou de uma janela de sua casa”. No Barreiro, um morador, “no momento de aflição, atirou-se da janela do primeiro andar, sofrendo fractura dos ossos da bacia”.

O Século relata até o caso do sr. Manuel António Lopes, que, apesar de se atirar da janela do rés-do-chão do 71 da Rua Pascoal de Melo, “se estatelou na rua”, e teve de receber tratamento em São José. No artigo de capa de 1 de Março, sob o subtítulo “Nas ‘boîtes’ houve quem fugisse sem pagar”, refere-se que “outras cenas houve, que, passados os primeiros momentos de alarme (...) vieram dar cor menos sombria à aventura de todos. De facto, casos houve idênticos ao do motorista de táxi que, encontrando-se na Avenida Fontes Pereira de Melo, dentro do carro, viu entrar neste um indivíduo completamente nu a gritar-lhe: ‘Fuja! Fuja! É um terramoto!’”.

Sob o título “Animais nossos amigos”, o Diário de Lisboa relata que “[o]utras pessoas abalaram em trajes sumários pelas escadas abaixo, mas ainda tiveram tempo de ir procurar os seus animaizinhos domésticos, como cães, gatos, papagaios, periquitos, galos, macacos, porquinhos da índia, canários e até leitõezinhos. E vieram com eles para a rua, agasalhados com mil cautelas.”

Cabe ao vespertino A Capital na sua terceira edição de 28 de Fevereiro, a melhor notícia do dia, que destaca na última página com o título “Deu à luz durante o sismo”, e em que noticia: “Na precipitação da fuga, Inácia Guerreiro da Silva, 20 anos, residente na Baixa da Serra, deu à luz uma robusta menina. Mãe e filha encontram-se bem.”

A imprensa desses dias foi unânime em considerar que o sismo de grande magnitude de 1969 só não teve consequências mais calamitosas porque o seu hipocentro se localizou a 22 quilómetros de profundidade e a 200 de distância de Sagres e que o pânico das pessoas foi a principal causa de danos físicos. Na dúvida, grande parte dos lisboetas ainda passaram a noite seguinte na rua.

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