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A música não nos entra só pelos ouvidos. Ao absorver os impactos sonoros, o corpo também escuta. É por isso que, apesar de não serem capazes de interpretar sons, as pessoas surdas ou com perda auditiva sentem as diferentes vibrações através do tacto. É exactamente esse o convite de Francesco Spaggiari. O director da Eufonia – uma plataforma e festival interdisciplinar que explora a relação entre som, arte e ciência – desafiou vários artistas, ouvintes e não-ouvintes, a criar obras originais utilizando apenas sub-frequências, a espinha dorsal da música electrónica. Agora, prepara-se para as apresentar no Sub_Bar, uma experiência imersiva e inclusiva que se estreia em Portugal este mês.
“Existem baixas, médias e altas frequências. Quando são altas, o som é mais agudo e percebe-se sobretudo através do ouvido. Quando são mais baixas, entre os 30 e os 150 hertz, por exemplo, o som é mais grave e percebe-se também ou apenas com o corpo”, desvenda Francesco, que também é DJ e produtor musical. “No Sub_Bar, que estreámos em Berlim [em Dezembro de 2021], usamos um sistema de subwoofer quadrifónico, que reproduz essas frequências de áudio conhecidas como bass and sub-bass [graves e sub-graves]. Vamos fazer o mesmo em Lisboa: criar uma sala de pressão musical para uma experiência sónica imersiva.” O primeiro evento está marcado para 26 de Maio, a partir das 19.00, no Útero, em Lisboa.
É numa cave, com escuridão suficiente para não nos sentirmos tentados a focar-nos em mais do que o nosso sentido táctil, que quase tudo vai acontecer. Será possível circular, mas a ideia é ficar confortável, sentado ou deitado. Quanto mais perto do solo, mais intensas as vibrações – nas palmas das mãos, claro, mas também no torso, como se tivéssemos um tambor no estômago ou uma bateria no peito. “As sub-frequências podem incomodar”, avisa Francesco. “Se ouvirmos bem, convém usar protectores, para abafar o som. Dessa maneira aproximamos também a nossa experiência da de quem não ouve ou ouve muito mal.”
Da playlist fazem parte composições de artistas como a especialista em sub-frequências Stefanie Egedy, o DJ Troi Lee, criador da Deaf Rave, e Myles de Bastion, que se dedica a desenvolver tecnologia e instalações artísticas que permitem experienciar o som como luz e vibração. “Ao romper com o paradigma da música como composição para agradar aos ouvidos, está-se a ampliar o universo das nossas experiências sónicas. É uma nova linguagem, mais primitiva, que queremos dar a conhecer, sobretudo às gerações mais novas, que podem crescer com isto”, diz. “Mas notam-se diferenças entre as faixas produzidas por ouvintes ou por surdos. As segundas ressoam pelo corpo com mais intensidade e durante mais tempo.”
Na quinta-feira, a programação também inclui instalações de arte táctil, um workshop sobre como criar música usando sub-frequências e três palestras acessíveis, com António Duarte, professor na Universidade de Lisboa e especialista em psicologia da arte; Kornelia Bloch, investigadora multissensorial da Universidade SWPS, em Varsóvia; e Tony Weaver, actor e director surdo responsável pelo projecto europeu Beyond Signs. No dia seguinte, 27 de Maio, a festa repete-se, sem workshops ou palestras, mas com três performances ao vivo: Carincur e João Pedro Fonseca, o próprio Francesco e a Cigarra. “Pouco depois, em Junho, o Sub_Bar ruma até ao Porto. Vamos ter um evento no M.Ou.Co, no dia 5.”
Útero. Rua da Bempostinha, 64. Qui-Sex 19.00-00.00. 3€-7€
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