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No Verão, há Ciência Viva de norte a sul, por trilhos, rios e até grutas

Em Lisboa, o arranque fez-se com uma viagem à ilha do Rato, no estuário do Tejo, mas o programa inclui mais de 400 acções em todo o país, e prolonga-se até 15 de Setembro.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
falua Esperança
© Ciência VivaA bordo da falua Esperança, no âmbito do programa Ciência Viva no Verão
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São quase dez da manhã quando chegamos ao cais de embarque, na Doca de Santo Amaro, junto ao campo de padel. Gentil Rocha e a sua equipa estão prontos para nos receber a bordo da Esperança, uma canoa inscrita como falua na Marinha do Tejo. Construída de raiz em 2006 nos Estaleiros Jaime Costa, em Sarilhos Pequenos, encontra-se sob a alçada directa da Direcção Municipal de Ambiente, Energia e Alterações Climáticas, e é utilizada sobretudo para acções de sensibilização como esta. A ideia, explicam-nos, é inaugurar a Ciência Viva no Verão com um passeio pela zona do mouchão da Póvoa, no Estuário do Tejo, e conversar sobre a importância de promover a aproximação do público à ciência. “Há 28 anos que organizamos esta iniciativa, sempre em colaboração com outras instituições e a comunidade científica”, diz a presidente da Ciência Viva, Rosalia Vargas.

A bordo da falua Esperança
© Ciência Viva

Irmos para a rua e aproveitarmos parte do Verão, nas férias ou nos tempos livres, para nos rodearmos de ciência e de natureza. É este o convite da Rede de Centros de Ciência Viva, que todos os anos promove actividades guiadas por investigadores e especialistas, de Julho a Setembro, num ambiente informal e descontraído. Só no distrito de Lisboa, por exemplo, contam-se cerca de 30 propostas, incluindo uma visita ao Laboratório de Preparação e Conservação de Fósseis do Museu da Lourinhã, nos dias 6 e 14 de Agosto. Ao todo, são mais de 400 acções de norte a sul do país, disponíveis em cerca de 650 datas e organizadas em colaboração com 90 entidades parceiras. Nem todas são gratuitas, mas há muito por onde escolher. Só não convém encostar-se à sombra da bananeira, porque as inscrições esgotam rapidamente e, na melhor das hipóteses, terá de ficar em lista de espera. É o que já está a acontecer com os passeios no estuário do Tejo, mais concretamente no Mar da Palha, uma grande bacia próxima da foz, que pertence à União das Freguesias de Barreiro e Lavradio.

mão a mostrar uma ostra
© Ciência Viva

“Antes de entrar para o barco, é preciso colocar os coletes salva-vidas”, avisa Gentil Rocha, do departamento de Ambiente da autarquia, que trata de nos ceder o material e falar sobre a ilha do Rato, onde a embarcação fará uma breve paragem. “Também é conhecida por Mouchão das Ostras, porque durante muitos anos foi utilizada para criação de ostras portuguesas”, revela, lamentando de seguida o seu estado. “Agora o que está a dar é a amêijoa-japonesa.” Conhecida como “um filtrador de alta eficiência”, como indica o guia pedagógico Comunidades Aquáticas, a Ruditapes philippinarum, assim se identifica a espécie, foi introduzida em Portugal para despoluir os rios Tejo e Sado, que estavam contaminados com mercúrio, chumbo, cádmio e biotoxinas. O problema, revelam-nos, é que todos os dias são recolhidas ilegalmente toneladas de amêijoa. Muita espalha-se pelo mercado nacional, o que representa uma grave ameaça à saúde pública. Mas não só. “A captura também tem impactos ambientais, sobretudo quando usam técnicas de arrasto, como ganchorras atreladas a barcos, que revolvem os sedimentos.”

a bordo da falua Esperança
© Ciência Viva

Com uma área aproximada de 320 quilómetros quadrados, o estuário do Tejo é o maior da Europa Ocidental, mas encontra-se sujeito a várias pressões resultantes da actividade humana, como a exploração dos seus recursos naturais, a sua utilização como porto de mar, as actividades de recreio, a crescente urbanização das suas margens e a instalação de várias indústrias. “É por isso que é tão importante darmos a conhecer o estuário, a sua importância para as comunidades biológicas, para as populações e para o próprio ambiente como regulador climático, como abrigo de biodiversidade e como local de importância internacional”, partilha Gentil, que desta vez se faz acompanhar também pelos investigadores Maria José Costa e João Paulo Medeiros, do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, que destacam as pradarias marinhas e os sapais (ou “rins da Terra”, porque funcionam como depuradores dos estuários ou baías onde se encontram), e nos falam das espécies mais comuns na zona ribeirinha de Lisboa, como as macroalgas.

Ciência Viva no Verão
© Ciência VivaA investigadora Maria José Costa, do MARE

Passado cerca de uma hora a bordo, já longe da paisagem inicial e fora da área protegida da Reserva Natural do Estuário do Tejo, atracamos num banco de areia. É a tal ilha do Rato, a sul do Canal do Montijo e da Esquadrilha de Helicópteros da Marinha. Aí, à excepção de três ou quatro guarda-sóis e de uma tenda improvisada, que desconfiamos pertencerem às dezenas de pessoas que se vêem frequentemente a apanhar amêijoa-japonesa nas imediações, não se avista mais nada a não ser vegetação rasteira e detritos marinhos. Além das alterações climáticas e da sobrepesca, o lixo marinho é outra problemática dos meios aquáticos. Aliás, nós temos aqui golfinhos que, durante a Primavera e o Verão, entram no estuário à caça, à procura de cardumes, e que acabam a comer plástico inadvertidamente”, lamenta Gentil. “Normalmente, esta paragem inclui recolha de resíduos.” Mas esta visita é uma versão resumida da acção gratuita, que procura “dar a conhecer para proteger”.

João Paulo Medeiros, do MARE
© Ciência Viva no VerãoO investigador João Paulo Medeiros, do MARE

“Neste momento, trabalho maioritariamente em estudos e programas de monitorização ambiental, sobretudo no que diz respeito à qualidade ecológica da água”, diz o investigador João Paulo Medeiros. “No estuário do Tejo, sabemos que tem vindo a melhorar nos últimos anos, mas é uma luta contínua. Felizmente há uma maior consciência dos municípios e das populações, e cada vez mais parte ou tem partido dos jovens. Nós, por exemplo, temos um programa, O MARE vai à Escola, onde desenvolvemos actividades desde o pré-escolar até ao 12.º ano, o que nos permite também consciencializar para esta temática. E acredito que, de alguma forma, através dessas e de outras iniciativas, como esta da Ciência Viva, é possível chegar à família inteira. E isso é importante porque a literacia dos oceanos começa em casa. Por exemplo, aquilo que se põe na sanita, porque a verdade é que nem sempre vai parar ou fica retido na ETAR [estação de tratamento de águas residuais], ou o cuidado que se tem com o descarte de lixo quando estamos a passear junto ao estuário, porque o nosso comportamento individual, ao contrário do que possamos imaginar, tem uma grande consequência.”

Ciência Viva no Verão: Vários locais, de norte a sul e ilhas. Até 15 Set, vários horários e preços

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