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Se há coisa que Habner Gomes não tem é rodeios, também por saber o que faz e acreditar ainda mais no que pode fazer. Ao balcão do Mattë, restaurante em Santos entretanto fechado, quis mostrar o que valia sem medos e nunca escondeu o objectivo: uma estrela Michelin. Não aconteceu, também pelas características do restaurante, mas ei-lo agora num projecto próprio, o YŌSO, com todas as condições.
O restaurante, pequeno com um balcão com nove lugares apenas e três mesas atrás, foi pensado e desenhado pelo chef brasileiro. Não há ruído, nem excesso. “É um sonho de há muitos anos”, diz Habner, orgulhoso por poder finalmente partilhar o espaço com clientes. Ouvindo-o, percebe-se facilmente como o YŌSO já existia na sua cabeça, Habner só não sabia que poderia acontecer tão rápido, fruto de uma proposta de uns clientes antigos, pais de José Balau, hoje seu sócio, chefe de sala e sommelier.
“Eu conheço o Zé há uns dez anos. Os pais dele eram meus clientes no Hikidashi e ele gostou tanto daquilo que um dia a mãe pediu para ele fazer um estágio de dois dias comigo e esses dias viraram meses”, recorda. “Depois, eu segui a minha trajectória, fui trabalhar no Mattë e em 2021 recebi uma proposta para ir para Nova Iorque. Aceitei e estava decidido a ir, até que o pai do Zé perguntou se eu queria ser sócio do Zé, que tinha ido estudar gestão hoteleira para Marselha, na Les Roches. E eu pensei: conheço o Zé e tenho uma boa relação com ele, porque não?”
Enquanto nos bastidores o YŌSO ganhava forma, Habner Gomes procurava afinar a sua experiência no Mattë, que começou por servir carne maturada e sushi para, por fim, se focar apenas na gastronomia japonesa. O chef criou um menu kaiseki, focou-se na qualidade do produto, e foi ganhando destaque. A ambicionada estrela, porém, não chegou. “O Zé acabou o curso, veio e foi adiantando a obra enquanto eu estive a tentar entrar para o Guia Michelin. Não conseguimos e eu finalizei o meu percurso no Mattë”, continua. “Segundo o Guia, era discrepante o nível da comida com o nível de sala”, revela ainda. “O feedback que eu recebi era que no Mattë não tinha sala. Aqui, eu corrigi.”
Apesar de existirem mesas, que Habner diz manter para que os clientes habituais nunca fiquem sem lugar, é no balcão que tudo acontece. À semelhança do que vinha a fazer, o chef cruza a cozinha kaiseki com o estilo omakase. “Omakase significa confiança. E eu faço questão de tranquilizar o cliente, dizendo-lhe que não vai precisar escolher nada porque eu vou dar o meu melhor ao cliente”, explica. “E juntei esse termo à cozinha kaiseki. Não conheço no mundo quem tenha feito. Fui criticado e pressionado por alguns chefs de fora, que me seguem no Instagram, e que diziam que omakase e kaiseki não existe. Claro que existe. [Isto] é um omakase em que o cliente confia em mim e que ao invés de usar técnicas de Tóquio, uso técnicas de Quioto e de Osaka”, contextualiza, indiferente a julgamentos que considera precoces. “Eu tenho muito respeito pelo conceito”, faz questão de frisar.
“Estou a apostar tudo”, atira, confessando ter hoje mais liberdade para se mostrar por estar num projecto que é realmente seu. “A minha visão foi sempre elevar ao máximo a gastronomia japonesa em Portugal. Se Portugal tem dos melhores peixes do mundo, por que não ser uma referência da gastronomia japonesa na Europa?” Habner não ambiciona menos do que isso. E elabora: “[Quero] aplicar o excelente peixe que temos a uma excelente técnica e em breve eu acredito que Portugal será uma referência na gastronomia japonesa”.
É, precisamente, pelas técnicas que o chef identifica o menu. Não há descrição de pratos ou ingredientes, apenas técnicas listadas: sakizuke, hassun, otsukuri, yakimono, suimono, niguirizushi, makimono, agemono, yogashi. “Eu quis colocar o nome das técnicas para não estar preso a uma carta porque o que é prazeroso na nossa profissão é poder ser livre e poder usar a matéria-prima do dia, que é muito oscilante também. Basta haver mau tempo e eu deixo de ter ouriço, por exemplo”, justifica. “São técnicas de cozinha kaiseki, que são técnicas mais elaboradas e que permitem ao cliente conhecer o outro lado da gastronomia japonesa, que é a parte dos quentes, dos caldos e dos grelhados, e não só arroz e peixe cru. O sushi, o arroz e o peixe cru representam 20% da gastronomia japonesa e as pessoas pensam que representam 90%”, conta Habner, não negando, ainda assim, que o momento alto, como geralmente acontece neste tipo de restaurantes, seja o dos niguiris, que se faz numa sucessão ritmada em que ninguém espera por ninguém para comer para que as temperaturas não variem.
Também por isso, no YŌSO, cujo nome é uma referência aos quatro elementos (fogo, terra, ar e água), só se faz um turno ao jantar. “A minha ideia é que o cliente chegue no máximo às 20.15 para começar tudo ao mesmo tempo. Porque eu ainda quero elevar mais o nível e quero temperar o arroz à frente do cliente. Quero que o cliente sinta o cheiro da fumaça do arroz quando recebe o vinagre porque isso activa as papilas gustativas da pessoa. Eu quero que o cliente sinta isso”, almeja. “Quero cortar os peixes todos à frente do cliente. Só que para isso acontecer, todos os clientes têm que chegar ao mesmo tempo.”
Tudo isto é explicado no momento da reserva. “E o cliente percebe que vai ser bom para ele”, atesta. Da mesma forma que é importante para Habner que nada seja apressado. “A nossa ideia nunca foi o cliente comer rápido e ir-se embora rápido.” Embora ao almoço, a experiência possa ser mais curta. Se ao jantar, é pedida alguma disponibilidade para o menu (95€), ao almoço é possível fazê-lo sem estar tanto tempo à mesa. O serviço é outro, mas nem por isso descurado – o menu é composto por uma sopa miso e uma bento box (35€). “São as mesmas técnicas”, garante.
Do lado de José Balau, fica a harmonização (45€). “Quebramos esse paradigma que existe que o sushi não combina com o vinho tinto. Combina, tem é que se saber harmonizar e nós fazemos isso”, explica Habner. “Começamos com um saké, passamos pelo espumante, pelo branco, pelo tinto e acabamos com uma cerveja japonesa feita em Portugal.” E nem o café foi resumido ao seu lugar habitual de pouco destaque. “Isso também faz parte da experiência. Eu acho que um café de cápsula deita toda a experiência abaixo”, argumenta. “Antes de abrir o YŌSO, fomos a vários restaurantes e nenhum tem um café à altura do menu”, acrescenta o chef, que aqui trabalha com a Asante Boutique Coffee Roasters, da Costa da Caparica. “É uma empresa portuguesa, que começou do zero e que tem feito um enorme sucesso. Todo o processo de café torrado e maturado é feito em Portugal e nós queremos que as pessoas conheçam mais esse tipo de café”, conclui, seguro de que por mais restaurantes omakase que possam existir, o YŌSO é diferente.
Rampa das Necessidades 6 (Alcântara). 21 397 0705. Ter-Sáb 12.30-15.00/20.00-23.30
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