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Em Setembro de 1979, o Estado português criou o Serviço Nacional de Saúde (SNS), de forma a tornar o acesso aos cuidados de saúde gratuito e universal. Hoje, 45 anos depois, ouvimos falar sobre as longas horas de espera nas urgências, a falta de médicos ou de enfermeiros, as más condições, ouvimos falar sobretudo sobre as falhas do SNS e desafios que enfrenta. Mas também continua a ser importante realçar aquilo que este sistema representa e celebrar estas quase cinco décadas de existência. Daí, surge “Cura”, uma mostra que reúne um conjunto de obras de 15 artistas, que, tendo o SNS como elemento central, se debruçam sobre quem cuida e quem é tratado.
Foi a convite do Ministério da Saúde, e no âmbito das comemorações dos 45 anos do Serviço Nacional de Saúde, que a P28 – Associação de Desenvolvimento Criativo e Artístico decidiu juntar os trabalhos de 15 fotógrafos portugueses – António Júlio Duarte, Augusto Brázio, Catarina Botelho, Duarte Amaral Netto, Inês d’Orey, João Mota da Costa, João Paulo Serafim, José Maçãs de Carvalho, Luísa Ferreira, Luís Campos, Manuela Marques, Pedro Ventura, Rita Robalo, São Trindade e Valter Vinagre – que reflectem sobre os momentos em que todos nós podemos precisar de aceder aos serviços do SNS e de ser "curados".
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“O direito à saúde é fundamental para nós. Como país democrático, o direito à saúde deve ser para toda a gente, independentemente de raças ou em que país é que se vive. É um elogio, porque numa época em que está tão complicado ter o direito à democracia, nós estamos aqui a reforçar, cada vez mais, esse direito democrático e cívico”, sublinha o curador Sandro Resende, enquanto nos guia numa visita à exposição, que inaugura esta terça-feira, 25 de Fevereiro, no Hospital Júlio de Matos, na galeria do Pavilhão 31. Ao seu lado, está Nuno Figueiredo que, tal como Resende, faz parte da direcção da P28, associação que há mais de 20 anos desenvolve projectos de arte contemporânea, ligados à doença mental e não só, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa (CHPL), de que é exemplo o Pavilhão 31.
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Das 15 obras fotográficas, a que mais se destaca talvez seja o retrato de Marta Azinhaga, da autoria de Valter Vinagre. A fotografia, de grandes dimensões, tirada a preto e branco, é a única que é acompanhada de legenda. Aliás, esta acaba por fazer parte da obra. Nela, pode ler-se “Marta Azinhaga, viúva de Nuno Santos, colhido mortalmente pela viatura do ex-ministro Eduardo Cabrita na A6 a 18 de Junho de 2021”. Não serve como “uma provocação”, serve sim, e apenas, para descrever um facto, aquilo que é e aquilo que nos é posto à nossa frente, afirma o curador. A imagem faz parte de uma série de Valter Vinagre sobre o luto, que aqui pode ser o luto de várias coisas, até do SNS, atira Nuno Figueiredo.
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Tal como Pedro Ventura, Inês d’Orey recorre a um objecto directamente ligado aos serviços clínicos, neste caso o negatoscópio, para apresentar a sua obra. Numa das paredes, d’Orey utiliza um destes instrumentos médicos, do século XX e recuperado, para nos dar conta da sub-cave do Hospital São João. Por outro lado, há quem faça uso do vídeo, como João Paulo Serafim, que numa televisão nos mostra uma sequência de fotografias e imagens que relatam uma cirurgia ao coração à qual foi sujeito.
Rita Robalo também recorre ao vídeo para fazer Fade into you. “Tem uma relação directa com o tema da exposição, dado o objecto em si, mas, na realidade, quando pensei nisto, não pensei exactamente no tema ‘cura’”, conta-nos a artista. Filmado em casa dos avós, num processo que demorou cerca de três dias, a proposta de Rita é um vídeo do momento em que um comprimido efervescente entra em contacto com a água. “A ideia foi tentar representar o estado de paixão, na medida em que há quase uma confusão entre a entidade que deseja e o objecto desejado. Neste caso, o comprimido efervescente seria a entidade que deseja e a água gaseificada o objecto desejado. Então, há uma fusão dos dois elementos”, explica.
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As propostas artísticas tratam-se tanto de retratos, de fotografias de espaços vazios ou mais abstractas, de instalações de luz e vídeo, para assim abordar diferentes visões. Documentam aquilo que é o SNS, no que toca ao nível espacial, como a obra de Inês d'Orey, retratam tanto o ponto de vista dos utentes, como as de António Júlio Duarte, Augusto Brázio e Duarte Amaral Netto, que aqui se podem ver sujeitos a procedimentos clínicos, por exemplo, como dos técnicos que trabalham nestes serviços, como é o caso das de José Maçãs de Carvalho, Luís Campos e João Mota da Costa. Estes dois últimos além de fotógrafos, também são médicos. O primeiro apresenta duas partes da série Healing Environment e que mostram espaços do Hospital São Francisco Xavier e do Hospital de Vila Franca de Xira, o segundo mostra-nos um tríptico de imagens com embalagens de comprimidos, seringas e outros objectos metálicos.
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A exposição está patente até 5 de Abril, de quarta-feira a sábado, mas às quintas-feiras, entre as 13.00 e as 14.00, há visitas guiadas, em que se procura criar um espaço em que o público possa dialogar dialecticamente com cada uma das obras e fazer questões.
Galeria do Pavilhão 31, Hospital Júlio de Matos (Alvalade). 25 Fev- 5 Abr. Qua-Sáb 14.00-19.00 (encerra aos feriados). Entrada gratuita
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