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O dia do Odi e do Kasi, os únicos mamíferos do Oceanário de Lisboa, começou há poucas horas. Tomaram o pequeno-almoço por volta das 08.00 e agora, ainda não são 10.00, já estão a comer novamente. Quando as duas lontras-marinhas chegaram aqui pela primeira vez, em 2018, Micas e Maré – as filhas dos lendários Eusébio e Amália – ainda estavam vivas. Agora, só restam os machos, a partir ameijolas nas pedras do seu habitat e a dar cambalhotas recreativas. Não fazem ideia, mas este aquário, que os adoptou depois de terem sido resgatados pelo Alaska Sealife Center, completa este ano um quarto de século. São mais de 9131 dias a promover a conservação dos oceanos e dos seus habitantes. E há muito a fazer, inclusive nos bastidores, para que isso aconteça.
“Em geral, temos a primeira reunião às 07.30, para garantir que está tudo ok antes da abertura ao público, às 10.00”, diz o assistente curador Hugo Batista, que gere as equipas responsáveis pela exposição permanente, que contém 7 milhões de litros de água salgada e 8 mil criaturas marinhas. “Planeio todas as actividades a realizar para manter e garantir o bem-estar da colecção [é o que se chama ao conjunto de organismos que fazem do Oceanário a sua casa]”, esclarece, em conversa junto ao habitat do Pacífico, antes de vermos aquaristas a alimentar as lontras-marinhas com lingueirão e choco. Pelos vistos, as ameijolas não estavam previstas no menu: a espécie costuma guardar restos de comida e até as suas pedras favoritas entre as pregas da pele, junto à axila.
A seguir a cuidar do pêlo, para o manter impermeável, a actividade favorita do Odi e do Kasi é mesmo comer. Como têm um metabolismo muito acelerado, precisam diariamente do equivalente a mais ou menos 30% do seu peso. “Se tivessem acesso às estrelas-do-mar-morcego, é provável que as comessem todas numa só manhã”, brinca alguém. “A primeira refeição acontece fora de água [que está a uns gelados 13 graus], para os podermos ver mais de perto e verificar se estão saudáveis, se não. Depois, o resto é preparar refeições, porque estes meninos comem muito”, confirma a bióloga marinha Ana Teresa Nunes, que aproveita para alertar para o facto de a espécie continuar “em perigo de extinção” na lista da União Internacional para a Conservação da Natureza. Sensibilizar é missão de todos os dias.
4 habitats + 2 níveis = 1 oceano
Cheira cada vez mais a mar, o clima é quente, a vegetação tropical. De repente, estamos no Índico e ouvem-se os risinhos das crianças que, todos os anos, têm “Férias Debaixo de Água”. É a altura perfeita para viajar no tempo. Foi em 1998, a 22 de Maio, que se inaugurou o Pavilhão dos Oceanos, no Parque das Nações. Era a jóia da coroa da mítica Expo’98, que abordou precisamente “Os oceanos: um património para o futuro”. Projectado pelo arquitecto Peter Chermayeff, o agora Oceanário de Lisboa – que em 2011 se viu ampliado, com uma área dedicada a exposições temporárias, no Edifício do Mar, assinado por Pedro Campos Costa – foi aberto oficialmente em Outubro. Até hoje, recebeu 28 milhões de visitantes de todo o mundo. No ano passado atingiu inclusive o maior número de portugueses de sempre: 587 mil, 288. São mais de mil por dia, e muitos têm até 12 anos.
A principal atracção é o aquário central. No nível subaquático, a circulação torna-se difícil, com as famílias a tropeçarem na escuridão e a espalmarem-se contra o vidro que, sem parecer, chega a ter até 27 centímetros de espessura. Mas a verdade é que o mais impressionante não se vê. Desde intervenções mais circunstanciais, como a renovação da sala de controle e operação dos sistemas de suporte de vida, até ao que se faz 24/7. “Há duas espécies que têm de ser alimentadas todos os dias do ano, sem excepção e várias vezes ao dia: o peixe-lua e o diabo-do-mar”, desvenda Simão Santos, no topo do chamado “Open Ocean”, pelo qual é responsável. “É uma dinâmica complexa”, admite, já depois de dar de comer aos tubarões, a partir da superfície. “Atiramos [três vezes por semana] vários itens e eles escolhem, só temos de registar quem comeu o quê e quantas vezes.”
Na quarta-feira em que visitamos o Oceanário não temos oportunidade de ver, mas também há mergulhadores dedicados à manutenção e limpeza dos tanques. As tarefas a cumprir vão desde escovar a decoração até sifonar a areia. Fazem-no de forma faseada e, no aquário central, do início ao fim, se for preciso passa-se um mês e meio. Depois recomeça-se. Não é uma actividade tão divertida como dar de comer aos peixes, mesmo àqueles que só comem se lhes derem à boca – essa é, aliás, outra das razões porque Simão e os colegas mergulham, e é sempre uma festa para quem assiste. Todos ficam com ar de espanto, apontam e sacam dos telemóveis. Acontece o mesmo quando Pedro Pais, que esteve para ser designer e é aquarista há 24 anos, satisfaz os apetites da colónia de pinguins-de-Magalhães, onde se encontram dois dos primeiros residentes do Oceanário, a Bowser e o Marcelo. Quem se destaca é, contudo, a Joy.
“[Com 32 anos] está no Inverno da vida dela, como se costuma dizer”, conta entre risos o responsável pelo habitat do Antárctico, depois de lhe perguntarmos pelo pinguim que não mexeu uma asa nem à hora da refeição. Espadilha, capelim ou arenque só mesmo servidos à mesa. Não fomos os únicos a reparar: um grupo de séniores da Penha de França também esteve atento. E, por terem escolhido bem o dia para a visita, tiveram direito a espiar um segredo. “Há muitos anos tivemos três exemplares de pinguim-de-humboldt e o macho, apesar de ter uma fêmea, metia-se com a outra. Por ironia do destino, elas nidificaram em ninhos opostos. Todos os dias ele ia ao tanque, tomava uma banhoca e fazia uma visitazinha à amante. Muitas vezes a fêmea oficial fazia vocalizos, procurava-o e havia sempre dinâmicas muito engraçadas. Como casal, às vezes até se vingavam na solitária que, coitada, não tinha culpa nenhuma.”
Artigo publicado originalmente na edição de Outono de 2023 da Time Out Lisboa.
Oceanário de Lisboa. Seg-Dom 10.00-20.00 (última entrada às 19.00). 15€-25€ (grátis até aos 2 anos)
+ Atenção, atenção: o Pavilhão do Conhecimento quer levar-nos ao espaço