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Da solidão nasce o culto. Ou assim crê AkaCorleone, alter ego de Pedro Campiche, que celebra 11 anos de carreira com uma nova exposição a solo. Com inauguração prevista para 18 de Junho, na galeria Underdogs, “Temple of Light” convida-nos a reflectir sobre uma nova religião, que desperta depois do ultra-positivismo, da perda de liberdades e da instauração de novas regras. “A pandemia influenciou dramaticamente o meu trabalho. Tenho uns oito projectos, incluindo este, inspirados neste período em que vivemos”, conta o artista multidisciplinar, prestes a abrir as portas a uma experiência visual e auditiva, que promete desafiar não só os sentidos, mas também o pensamento crítico e a espiritualidade de cada um.
Fazendo uso da dualidade entre luz e escuridão, a proposta imersiva junta o conceito de uma nova filosofia ao trabalho com vitral e à colaboração entre várias mentes criativas. Apesar de se tratar de uma exposição a solo, criada a partir de uma perspectiva muito pessoal, Campiche convidou outros profissionais para pôr algumas das suas ideias em prática. “Não só por trabalharem com os materiais e técnicas que procurava, mas porque podiam enriquecer a história que quero contar através do seu know-how e visão”, explica, após uma sessão de montagens. Do livro com impressão em risografia, que acompanha a exposição, com design gráfico e produção do estúdio lisboeta DESISTO, até à banda sonora com assinatura do colectivo Monster Jinx, desafiado a criar duas faixas de contraste entre caos e contemplação, “Temple of Light” é reflexo de um percurso artístico que tem vindo a ser cimentado desde 2010, ano em que se realizaram as primeiras apresentações em galerias.
Transitando entre os mundos do graffiti, da ilustração e do muralismo, o artista tem apostado cada vez mais em peças com uma qualidade permanente, capazes de resistir ao teste do tempo. O ponto de viragem surgiu com a exposição “Find Yourself in Chaos”, pautada pela novidade de uma espaçosa galeria na cidade de Lisboa, que permitiu ir ao encontro de um público maior. “Já faço muralismo há muitos anos e o street art, ou o que lhe quiserem chamar, cresceu muito. Sinto que é o momento para dar espaço a uma nova geração de artistas emergentes, mas também estou mais motivado para produzir peças com materiais mais nobres, com mais resistência, que permitam maior ambição e possam fazer parte do local”, explica, enumerando a pintura, a instalação e a escultura como as correntes que nos últimos anos mais tem vindo a experimentar.
Neste novo projecto, que é absolutamente site specific, destaca-se a criação de peças LED, o vídeo que acompanhará o universo visual imaginado, concretizado em parceria com a Crack Kids e o fotógrafo Pluma, e o uso de realidade aumentada. “A ideia é o meu trabalho ganhar volume e uma dimensão que até agora não tinha conseguido explorar. Mas mesmo os materiais que já conhecia estão a ser usados com novas técnicas”, assegura, recusando-se a revelar demasiado. Para Campiche, a surpresa é fundamental na vivência do templo que está agora a montar. A estética colorida e metamórfica até pode continuar presente, mas o artista é um inconformado com a ideia de repetição e garante não ter parado de se reinventar. “Este período tem sido muito fértil em ideias”, partilha. “Acredito que estamos a viver um momento realmente singular, que deve ficar na memória das pessoas como uma lição para o futuro.”
O que é que, potencialmente, temos aprendido com tudo isto? O que é que nasceu disto? Como é que as pessoas estão a lidar com o desemprego, o desespero, a paranóia? Quem é que, perante essa fragilidade, se aproveita? AkaCorleone não promete respostas a estas perguntas, mas propõe-se a fazê-las e a reflecti-las. “Estamos mais próximos, porque no fundo estamos todos no mesmo barco, mas a preocupação não é tão comunitária como queríamos acreditar no início. Este templo, esta nova religião, filosofia, de que falo, parte daí. De como, em momentos como este, nos procuramos aliar a movimentos que nos tragam algum tipo de conforto e de como há sempre alguém que encontra uma forma de proteger ou pelo menos de criar a ilusão de protecção, levando as pessoas a exporem-se demasiado.”
Galeria Underdogs. Rua Fernando Palha, Armazém 56 – Lisboa. Ter-Sáb 14.00-17.00 (de 18 a 31 de Junho). Entrada livre, sujeita à lotação.
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