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O cenário é digno de filme, o que tem alguma graça quando se descobre que ali já foi um armazém da Tobis, a mais antiga produtora do cinema português. Os tons dourados, que reluzem, a sereia que, quando se entra, parece esconder um aquário enorme, sofás de veludo espaçosos, frisos e colunas, candeeiros únicos… Podíamos continuar a enumerar, mas o melhor é dizer que a Nunes Real Marisqueira sofreu uma revolução. Não foi só uma mudança de sítio, para umas portas ao lado. Foi um investimento de “quatro e muitos milhões” que fez renascer uma casa – não que alguma vez tivesse morrido, mas há um antes e um depois desta transformação. A essência, essa, não mudou, tal como grande parte das caras que nos recebem ali, agora com novas fardas (calçado incluído) e tudo. A carta subiu de nível, mas não deixou de fora os clássicos. O marisco nacional continua a ser a aposta central.
Não há quem reconheça a marisqueira, que abriu portas pela primeira vez em 2001. Acabaram-se as paredes brancas, as cadeiras pretas, as mesas apertadas, a cozinha escondida. Nem será exagero dizer que agora tudo é grandioso. O balcão cheio de luz onde também é possível comer, as mesas com espaço entre si, o aquário que agora tem quase nove metros e a cozinha aberta para a sala. “Isto começou há uns aninhos. O primeiro passo foi a necessidade de mudar. O outro restaurante já era pequeno, a cozinha era demasiado pequena, a sala estava demasiado ocupada”, diz à mesa Miguel Nunes, o proprietário. “Depois pensámos: o que é que gostamos? Art déco. Então vamos começar a partir daqui”, continua, revelando que foi com a mulher, Vanda, que desenhou o que seria hoje a Nunes Real Marisqueira.
O aquário, peça central da sala, saiu das suas cabeças. “Foi o ponto de partida”, garante Miguel, que chamou para a direcção criativa do projecto Paulo Duque, arquitecto de formação, aqui responsável pela decoração de interiores. “Aumentámos de 100 lugares para cerca de 200. Ali, tínhamos 200 metros quadrados, 270 com a cave, e aqui temos à volta de mil metros quadrados com a cave.”
Os números impressionam. Até Miguel parece vacilar quando faz as contas, não especificando o valor do investimento, “quatro e muitos milhões”. O número de funcionários, por exemplo, praticamente duplicou. Em 2001, quando tudo começou, nunca se imaginou aqui. “Inicialmente até foi complicado porque esta era uma zona que não tinha restaurantes, não havia tradição. A primeira vez que alguém falou de nós foi na segunda edição da Time Out [em 2007]. Aí, já estávamos a começar a crescer um bocadinho. Não foi fácil, também nos posicionámos logo com um produto bom, portanto não era barato”, recorda. “Se me perguntarem quantas refeições servimos, eu não faço ideia. Mas, ali, eu sei que no primeiro domingo que trabalhei servi três pessoas o dia inteiro. Foi duro.”
Duas décadas depois, serão poucos os que não conhecem esta marisqueira de Belém, considerada por tantos como uma das melhores da cidade. Há um mês nesta nova morada, os clientes são os de sempre – e não se coíbem de parabenizar Miguel –, mas não se esconde também a vontade de chegar a novos públicos. “Naturalmente vai acontecer. O fundamental é mantermos a nossa essência e arrojar um bocadinho, porque faz falta”, atira. Inevitável, mais à frente, será a subida de alguns preços. “Neste momento, [não aumentámos] quase nada, mas naturalmente vai ter de acontecer. Estamos a comprar o carabineiro a preços acima do que eu vendia há uns anos”, exemplifica.
O arrojo, de que fala, está na carta. Estão lá os pratos de peixe que se esperam de um restaurante do género, da cabeça de garoupa (45€) ao robalo, que tanto pode ser grelhado como ao sal (70€/kg), bem como os tachos com arroz de marisco (65€), arroz de lavagante (120€) ou arroz de garoupa (26€). Mas agora, há também extravagâncias, nem por isso descabidas nesta nova vida.
O caviar é uma novidade e está presente em propostas como o camarão alistado com caviar (38€) ou o “bikini”, assim se chamam as tostas mistas na Catalunha, de salmão com caviar (78€).
“Demos um upgrade nos petiscos”, explica o responsável, apontando os chefs Manuel Costa e João Araújo como dois dos seus funcionários mais antigos. “Ali já era automático. Foram anos a fazer a mesma coisa. Agora é uma aprendizagem de novo”, acrescenta, destacando ainda, entre as novidades, a santola e salmorejo (48€), uma sopa fria de tomate andaluza com santola.
“Não estamos a criar nada. [Trata-se de] testar, experimentar, ter ideias. Sabemos o que queremos e vamos buscar pessoas boas para fazer. A equipa de chefs é a mesma.” Sendo a marisqueira uma paragem de tantos chefs, não terão também faltado dicas de quem melhor sabe. Já a influência espanhola é um gosto pessoal, garante. “Gosto de petiscar e estes petiscos espanhóis são uma coisa que me agrada e funcionam muito bem numa marisqueira. Também não há muito disto em Portugal.”
E não é despropositado quando o ex-libris é precisamente a lagosta (140€/kg) ou o lavagante (120€/kg) à basca, onde o bicho é servido com batatas fritas e ovo estrelado, qual guloseima, numa ligação perfeita entre o mar e a terra no prato. Agora emblemático, foi um segredo durante anos. E nasceu a pedido do antigo jogador de futebol Ricardo Sá Pinto. “Ele vinha cá e dizia que tinha saudades de uma lagosta que comia quando jogava no Real Sociedad [em San Sebastián]. E eu disse-lhe: vais à cozinha e explicas ao Manel como queres a lagosta, que ele tenta fazer. Depois começou a fazer-se. Primeiro para ele, depois um amigo dele também pedia. De repente, sem estar na carta, tínhamos muita gente a pedir.”
O prato impressiona, é vistoso, tal como a casa onde agora é servido. Resta esperar que os acrescentos à carta sigam o mesmo caminho. “A maior parte das pessoas prova algumas coisas novas, mas neste momento também estiveram de férias, querem comer aquilo a que estavam habituadas. É o normal desta fase”, aponta Miguel, confiante no futuro. “A perspectiva é que [a marisqueira] cresça. Estamos a refinar algumas coisas, temos uma condição muito melhor para o cliente estar, mais agradável, mais confortável. Temos a obrigação de melhorar.”
Rua Bartolomeu Dias, 172 (Belém). Ter-Dom 12.30-00.00