[title]
O entusiasmo é visível e não há cansaço que apague isso. O restaurante não estava oficialmente aberto ao público e Nuno Mendes, enquanto recebia amigos e jornalistas, disparava ideias ao mesmo tempo que se desculpava pelo que ainda havia para afinar. Não é para menos. Desde que saiu do Bairro Alto Hotel, em 2022, que o chef mantinha o desejo de ter um restaurante em Lisboa. O seu nome chegou a ser falado para outros projectos, mas foi o novo Santa Joana, no recém-inaugurado hotel Locke de Santa Joana, junto ao Marquês de Pombal, que o conquistou. Pela ligação ao grupo londrino White Rabbit, pelo potencial do espaço e pela liberdade. Com Maurício Varela, que vinha a dar nas vistas no Dahlia, no Cais do Sodré, como head chef, Nuno Mendes quer fazer deste restaurante um sítio “boémio, divertido e sofisticado, que não seja fine dining, mas fun dining”.
O espaço é imponente, qual convento, com um projecto de interiores da responsabilidade do estúdio do catalão Lázaro Rosa-Violán, que também já tinha dado que falar com os interiores do JNcQUOI Avenida ou do Rocco. É sóbrio e elegante, de tal forma que fica difícil imaginar que aqui chegou a funcionar um posto da PSP e que onde agora estão as mesas chegaram a estar carros estacionados. À entrada, destaca-se um balcão alto no qual são servidos apenas pratos frios. Na mesma sala, há várias mesas. Acima, um bar; abaixo mais mesas, num ambiente mais íntimo – e há também uma esplanada, que ainda não está a funcionar.
“Aqui, tanto podes comer em 45 minutos/uma hora, uma coisa rápida com um copo de vinho, como podes ter um almoço de negócios mais elaborado ou vires com amigos à noite. Gosto da dinâmica de projectos assim”, diz Nuno Mendes, enquanto serve de cicerone do Santa Joana, antes de servir o jantar. No dia seguinte, ao telefone com a Time Out, alonga-se: “Eu queria ter um sítio onde as pessoas pudessem vir e celebrar”. “O facto de ser o White Rabbit [grupo londrino] a fazer este projecto entusiasmou-me bastante porque eu conheço-os de Londres, sei como é que fazem as coisas e gosto da maneira como trabalham. Depois, vim ver o espaço e vi o potencial que tem”, conta. “Logicamente, cada espaço tem os seus desafios e este tem grandes desafios, há muita coisa aqui que tem que ser resolvida. É um projeto complexo, mas eu gosto de coisas assim que dão mais trabalho”, continua, destacando a “possibilidade de uma variedade enorme de experiências”, ou não tivesse o hotel de cinco estrelas quatro bares, além de outro restaurante mais casual, e um café. “Eu gosto da ideia de ter todos estes layers, especialmente os bares, que são incríveis. Quando vi o Kissaten e quando vi o que queriam fazer com aquilo, disse: uau, eu tenho que estar neste projecto”, conta. “Mesmo [a zona de] Santa Marta, achei giro, acho que tem um potencial enorme.”
Apesar de a entrada principal do hotel se fazer através da Rua Camilo Castelo Branco, é possível chegar-se ao Santa Joana pela Rua de Santa Marta, um sonho antigo do chef, que no Bairro Alto Hotel tinha o restaurante no último andar. “Eu sei o que é teres de entrar num lobby de um hotel e teres que te meter num elevador para chegar ao restaurante. É uma experiência muito diferente. Termos uma entrada na rua facilita muito”, acredita. “E estamos fora da zona de congestão. Eu queria estar numa zona um bocadinho diferente. Aqui ao pé já há coisas giras, mas é uma zona que está a começar. Tem o potencial de ser uma coisa muito gira. Logicamente, temos que trabalhar para o fazer e para lhe dar forma. É um desafio e eu gosto de desafios”, reforça.
"Não é fusion, nem confusion"
E é com essa mesma vontade de fazer diferente que o chef está na cozinha do Santa Joana. “Senti que em Lisboa, pelo menos neste projecto, não tinha que fazer uma cozinha super tradicional portuguesa. Acho que no Porto, na Cozinha das Flores, estamos a cozinhar mais português”, aponta. “Queria fazer uma cozinha com produto português, inspirada por ideias portuguesas, mas também queria que fosse mais internacional. Não queria entrar na conversa do ‘tem de ser português’. Olha, é o que é. É bom, oxalá, e é divertido. Acho que é uma cozinha livre”, explica, demonstrando a vontade de explorar as “influências de Portugal no mundo, o que levámos e o que trouxemos”. “Temos já um bocadinho da inspiração goesa, da inspiração japonesa, essas coisas estão todas a acontecer naturalmente. A Lisboa de hoje tem uma dispensa muito interessante. Já consegues arranjar produtos que eu adoro e que já andam na minha bagageira há muito tempo. Apesar de o produto base ser todo português, esta dispensa é internacional”, resume.
A viver em Londres, onde conquistou uma estrela Michelin em dois projectos (Viajante e Mãos, entretanto fechados) e onde hoje tem o Lisboeta, Nuno Mendes entregou a Maurício Varela a chefia da cozinha. “Ligámos muito bem logo porque falámos destas coisas e o Maurício está completamente alinhado e adora”, conta. “Ele também tem as suas experiências e acho que é muito importante que tenha muito protagonismo.”
A carta que apresentam para o arranque é fruto disso mesmo e funciona como uma espécie de work in progress, apresentando já pratos que prometem dar que falar como a barriga de atum maturada, com caldo do refogado, azeite maduro e flores de aliums da época (19€) ou o tártaro de carne de vaca maturada, com nabos marinados em nata fresca e pinhões (18€), feitos no bar. “Eu gosto muito da ideia de ter uma boa parte do menu nessa secção, que é a única parte que tem uma cozinha aberta. Vai ser uma experiência gira”, adianta. É atrás deste balcão que se preparam entradas como o camarão vermelho do Algarve com corações de alho francês assados e óleo de folha de lima (17€), o biquíni de farinheira com tártaro de camarão da costa e algas (15€) ou a panisse de grão-de-bico com chouriço de porco fumado e pickles (8,50€).
Já nas entradas quentes, há, por exemplo, cogumelos silvestres cozinhados e preservados com açorda gemada (15€) e uma lula gigante caramelizada com caril à portuguesa e abóboras assadas (19€).
Para principais, a dupla de chefs aposta, por agora, numa pescada escalfada com emulsão de manteiga fumada, funcho assado e ervas suculentas do mar (25€) e numa presa de porco alentejano com pasta de nozes estufadas, nabos e grelos marinados e assados (34€). Há mais opções, além de pratos maiores pensados para a partilha como o rodovalho grelhado com caldo gelatinoso, aliums tostados e ervas frescas (45€) ou o arroz de marisco caldoso, com caranguejo e lavagante nacional (76€).
E nem as sobremesas são de passar, ou não estivesse Maria Ramos como chef de pastelaria, ela que já tinha trabalhado com Nuno Mendes no Bairro Alto Hotel. O pão-de-ló de chá verde e azeite (12€) é perfeito para ser dividido à mesa. A mousse de chocolate preto é servida quente para contrastar com o gelado de leite e creme que acompanha (10€). Há um gelado de creme de laranja com gomos de laranja e azeite novo (8,50€), pedido por Nuno Mendes – “O chef adora laranja e eu sou alérgica”, conta, entre risos, Maria, que faz também um arroz doce (9€) fora da caixa com gelado de canela e um ovo mole.
“É um menu extenso, ainda estamos a adaptar-nos, mas acho que tem que ser um menu relativamente complexo porque é um espaço complexo”, defende Nuno Mendes. “Não é fusion, nem confusion, mas é [resultado de] um leque de ingredientes. Por exemplo, se queres temperar alguma coisa com sal, podes usar molho de soja, podes usar molho de peixe, podes usar colatura de anchovas, podes usar um garum. Há tanta coisa que podes fazer. É pensar um bocadinho assim. Acho que tenho feito tanta coisa com muita veia portuguesa que tive esta vontade de fazer uma cozinha mais livre”, diz. “Eu queria ter um projecto em Lisboa que fosse tão ambicioso como o projecto que temos na Cozinha das Flores. Sinto que o Santa Joana tem essa ambição. Mas depois há outra palavra parecida que rima com ambição: pressão. É por isso que estamos a montar uma equipa boa de pessoas, acho que estou a voltar a perceber os meus limites. Estou a sentir que já tenho que delegar mais para ter uma visão melhor do que se está a passar. Mas quem corre por gosto, é assim. Temos muita coisa para resolver, mas sinto que estamos no bom caminho.”
Rua de Santa Marta 61 (Marquês). 21 155 5582. Seg-Qui 18.00-23.00, Sex-Sáb 12.00-23.00
😋 Se não é bom para comer, não é bom para trabalhar. Siga-nos no LinkedIn
📲 O (novo) TOL canal. Siga-nos no Whatsapp