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Sonica Ekrano quer dizer algo como “ecrã sonoro” ou “tela de som”. É estranho ainda que familiar, como é suposto o esperanto ser, e dá uma ideia do que nos aguarda do outro lado do Tejo, no Barreiro, terra de trabalhadores e de um dos primeiros núcleos de divulgação e estudo do esperanto em Portugal, na viragem para o século XX – um pedacinho de história que ajuda a explicar o nome da mostra de “cinema documental e músicas das margens” organizada pela OUT.RA desde 2021. Na terceira edição, que se realiza entre esta quinta-feira, 26 de Outubro, e o próximo sábado, 4 de Novembro, há 19 filmes para ver, incluindo dez em estreia nacional, além de concertos e DJ sets.
“As primeiras edições correram bem. Confirmámos que há público para o que propomos”, garante Rui Pedro Dâmaso, da OUT.RA, responsável pela organização e programação desta mostra e também do OUT.FEST. Não era garantido que houvesse interesse, “tendo em conta que, primeiro, é um festival de cinema documental; ponto dois, só com filmes sobre música; e além disso com música que está longe de ser mainstream”, elenca o programador. “[Nos anos anteriores] tivemos público que vem para o OUT.FEST e para os concertos. Mas também muita gente do Barreiro, que sai para ver um documentário sobre um artista mas, se calhar, não sairia para ver um concerto.”
Este público local, que não é o do icónico festival de músicas exploratórias, é muito importante para a organização. A primeira edição, em 2021, realizou-se em Setembro, entre os dois momentos de um OUT.FEST invulgar, dividido entre Junho e Outubro; a segunda, em 2022, aconteceu duas semanas depois; e desta feita há três semanas de separação entre ambos. “Foi uma decisão estratégica, para garantir que o público tinha conhecimento do novo festival. Mas o caminho passa por autonomizá-lo temporalmente”, considera Rui Pedro Dâmaso, “e por torná-lo independente do OUT.FEST”.
Sirens, de Rita Baghdadi, é o filme de abertura deste ano. Estreia-se às 21.30 de quinta-feira, 26, no Forum Barreiro, e acompanha as Slave to Sirens, a primeira banda de thrash metal formada apenas por mulheres no Médio Oriente. Versa sobre um grupo de amigas e sobre um país, o Líbano, ambos à beira do colapso. É apenas uma entre muitas histórias – muitas vezes locais e de nicho, ocasionalmente universais, ou pelo menos com uma maior repercussão no tempo e no espaço – que vão ser contadas nos próximos dias, nas salas da Castello Lopes e no Cineclube do Barreiro.
Entre os filmes a não perder destacam-se, na sexta-feira, 27, It Came From Aquarius Records, elegia audiovisual da loja de discos independente de São Francisco, filmada por Kenneth Thomas; ou Who Killed The KLF?, documentário de Chris Atkins sobre a banda homónima. E, no fim-de-semana, o retrato de Carlos “Zíngaro” que Inês Oliveira intitulou À Escuta e o olhar de Justin Staple sobre as jovens estrelas rap do Soundcloud em American Rapstar; ou, no domingo, Even Hell Has Its Heroes, de Clyde Petersen, e The Elephant 6 Recording Co., de C.B. Stockfleth, respectivamente sobre os seminais Earth e sobre o colectivo dos Neutral Milk Hotel, The Olivia Tremor Control e companhia.
O Sonica Ekrano olha ainda para o continente africano – em Mutant, de Lebogang Rasethaba e Nthato Mokgata; e Singeli Movement: Greed for Speed, de Jan Moss – e para a Alemanha – em The Sound of Cologne, de Kristina Schippling; CAN and Me, de Michael P. Aust e Tessa Knapp; ou Energy: A documentary about Damo Suzuki, de Michelle Heighway. Já os pioneiros do rock progressivo King Crimson (In the Court of the Crimson King, de Toby Amies) e da electrónica, Pauline Oliveros (Deep Listening, de Daniel Weintraub), são os protagonistas dos últimos dois dias, 3 e 4 de Novembro.
É um programa ecléctico, com uma abertura que não existe no OUT.FEST. “Tem de ser”, considera o organizador. “Até porque o leque de opções é mais restrito”, no sentido em que não se fazem tantos documentários musicais como se fazem discos e digressões. Mas não só. “Há coisas que achamos importantes do ponto de vista artístico, ou que são interessantes enquanto cinema”. Mesmo que musicalmente não interessem tanto aos programadores.
Este ano, no entanto, a programação não se cinge aos filmes. Também há concertos, sessões de escuta atenta e DJ sets. Na noite de terça-feira, 31, por exemplo, as celebrações dos dez anos de carreira de Vaiapraia levam-no à Sala 6. Enquanto a festa de encerramento, no sábado, 4, mais uma vez na Sala 6, junta DJ Danifox, a produtora costa-riquenha Melina Blanco e OUT.RA Soundsystem. “As pessoas gostam de se juntar a seguir aos filmes e trocar impressões”, aponta Rui Pedro. “Acaba por ser um desenvolvimento natural ter mais estes momentos de comunhão à volta da música.”
Vários locais (Barreiro). 26 Out-4 Nov. 3€
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