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O cinema tem andado num namoro sério com a televisão. Este é o caso dos telefilmes

Os telefilmes têm sido uma das grandes apostas da RTP. Falámos com dois produtores que, a partir desse formato, fizeram séries para o canal público.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
Jornalista
A Palavra Mágica
©Cortesia MarginalFilmesTelefilme 'A Palavra Mágica' (Antologia 27)
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Este artigo foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 671 — Outono 2024.

Os filmes feitos para televisão já são uma história antiga, pelo menos nos Estados Unidos, onde em 1964 estreou o que é hoje considerado o primeiro telefilme criado para televisão: See How They Run. Por cá, a história começa no pós-25 de Abril de 1974 e acabou por se popularizar na viragem do século. Depois de um certo arrefecimento, o formato parece ter encontrado, nos últimos anos, o caminho de volta para os pequenos ecrãs.

Antes do advento do streaming, existia uma espécie de sala de castigo para os filmes que não mereciam estrear nas salas de cinema. Eram os chamados straight to video, produções que chegavam às lojas e aos clubes de vídeo sem passar pela casa de partida. Eram produções normalmente menos consideradas pelos críticos ou que arriscavam não levar muito público às salas. Mas há décadas que, em simultâneo, se produzem filmes especificamente para televisão, com uma linguagem e até duração próprias.

Será que essas especificidades estão hoje mais difusas? Actualmente, vemos filmes com orçamentos generosos que são produzidos para serem estreados no streaming, por vezes passando rapidamente pelos cinemas só para ficarem elegíveis para prémios como os Óscares, por exemplo. É o caso de Não Olhem Para Cima (2021), que estreou em sala num dia 10 de Dezembro para chegar à Netflix a 24 do mesmo mês. É isto um telefilme agora? Se calhar não.

O Conto do Nadador
©Marginal FilmesTelefilme 'O Conto do Nadador' (Antologia 27)

Em Setembro e até 7 de Outubro, estreou na RTP1 mais uma leva de telefilmes do conjunto que dá pelo nome de Antologia 27. Seis novas produções que encontraram espaço nas noites de segunda-feira do principal canal da estação (e passaram daí para a RTP Play), adaptando contos de Luís Sttau Monteiro, Camilo Castelo Branco ou Vergílio Ferreira. A ideia partiu da Marginal Filmes, fundada por José Carlos de Oliveira, e há mais telefilmes a caminho. O que também ainda podemos ver na RTP Play são os telefilmes que compõem o projecto Contado Por Mulheres, outro conjunto de produções feitas para televisão, mas com selo da produtora Ukbar, cujo ponto em comum é terem mulheres na cadeira da realização.

Mas que diferenças encontramos na criação de um filme para televisão e um filme para ver no escurinho do cinema? Pandora da Cunha Telles dá-nos umas luzes: “Os telefilmes são normalmente mais cortados, em termos de montagem, têm inícios mais próximos da linguagem televisiva e mais aproximados para um consumo televisivo”, de forma a desmotivar o telespectador a mudar de canal. Já no que à luz diz respeito, Pandora explica que os telefilmes “são obras mais claras, porque a obra que vai directamente para a televisão – e agora não estou a falar para streaming – normalmente é um pouco mais clara, porque não é vista em ambiente de baixa luz, como numa sala de cinema”.

Miss Suzie
©Alfredo Faya - Ukbar FilmesTelefilme 'Há-de Haver Uma Lei' (Contado Por Mulheres)

E também há nuances nos sistemas de som adoptados, ou seja, no cinema “é necessário ter uma mistura onde as vozes têm mais predominância do que os ambientes de sala, e por isso há misturas diferentes para o telefilme”. Outra particularidade que o espectador vai passar a reparar é que os genéricos dos telefilmes, seja no início ou no final, são mais curtos do que os do cinema, “para facilitar a entrada na história e para terminar mais cedo o telefilme em entrada nos anúncios”. A duração também entra para estas diferenças, que segundo Pandora são “generalidades e observações feitas quando se faz um telefilme”. Por exemplo, em Portugal, o telefilme tem a mesma duração que o episódio de uma série, regra geral entre os 40 e os 52 minutos. “No estrangeiro, por exemplo em França e Itália, o telefilme tem a mesma duração de uma longa-metragem, entre 70 a 85 minutos”. E, explica Pandora, não são considerados longas-metragens, uma vez que não foram intencionalmente criados para estreia em sala de cinema.

A rapidez da televisão

Não há, no entanto, um mandamento gravado na pedra que impeça um telefilme de rumar ao grande ecrã. Prova disso foi a passagem por vários festivais do telefilme O Sítio da Mulher Morta (2021), uma das produções da Antologia 27, adaptação do livro de Manuel Teixeira-Gomes realizada pelo próprio José Carlos de Oliveira, que no próximo ano voltará a passar pela RTP1. “Quando arrancámos com este projecto, o José Fragoso [director de programas da RTP1] disse uma coisa: estes filmes são para pôr nos festivais. Portanto, é um telefilme, mas feito de determinada forma, em que a preparação de tudo, desde o início, desde a escrita, a preparação, até filmar, é como uma longa-metragem”, revela o produtor da Marginal Filmes. O que joga a favor da qualidade cinematográfica é a utilização de câmara única, em oposição, por exemplo, às telenovelas ou sitcoms gravadas ao vivo que optam pelo método multicâmara, mais barato e que permite maior rapidez de produção.

O Chefe do Meu Pai era um Democrata e Ninguém Sabia
©Cortesia Marginal Filmes'O Chefe do Meu Pai era um Democrata e Ninguém Sabia

Os telefilmes têm também menos dias de rodagem, lamenta o produtor, muito embora estejamos a falar de produções com menor duração. “Preparamos tudo como para as longas-metragens. Quando está tudo em andamento, filmamos cinco dias, paramos dois de folga, filmamos mais cinco dias e acabou, enquanto que uma longa-metragem continua. O telefilme é fazer isto tudo com a rapidez, não da telenovela, porque não se conseguiria, mas com a rapidez de televisão”, diz José Carlos de Oliveira. Para o produtor, um telefilme passa por “contar num breve espaço de tempo uma história de forma legível e, se possível, que emocione o espectadores”. “Quando conseguimos isso está ganho para a RTP, está ganho para nós. É por isso que lutamos todos os dias”, defende.

Hoje em dia é a RTP a demonstrar maior interesse neste formato, mas há pouco mais de 20 anos era a SIC que dava cartas neste campeonato, com uma série de telefilmes, alguns produzidos por António da Cunha Telles, pai de Pandora, recorda a produtora. “Um dos que teve mais sucesso foi o Amo-te Teresa [2000, de Cristina Boavida e Ricardo Espírito Santo] e também o Monsanto [2000], a primeira obra que foi escrita pelo Vicente Alves do Ó”, sublinha, destacando ainda o nome de Tiago Guedes nesta leva de telefilmes, com Cavaleiros de Água Doce (2001). Produções feitas para televisão que tinham um formato mais aproximado do “ telefilme francês” e da longa-metragem, com cerca de hora e meia cada um. Uma escola televisiva que acabou por ajudar a impulsionar a carreira destes cineastas: “Acho que é muito interessante haver pessoas que começam nos telefilmes e que depois vão para as longas-metragens. Em França acontece muito. Cá, temos pouco isso.”

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