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“Esta não é uma edição normal.” Quem o diz é Carla Cardoso, directora do Iminente, quando confrontada com a mais recente reinvenção do festival de música e artes visuais, que depois de ter passado por Oeiras, por Monsanto e pela Matinha, este fim-de-semana volta a mudar de poiso e a mexer com a cidade e a periferia, assumindo um novo apelido: “Takeover”. “É verdade que todas as edições são diferentes”, reconhece. “Mas esta é mesmo muito diferente”, sublinha. “Normalmente, dura mais dias, tem um modelo tradicional de festival, paga-se a entrada. Este Takeover é uma grande festa, como o Iminente sempre foi, mas aberta a todos. Tenta concentrar em dois dias o melhor daquilo que o Iminente é.”
Sete palavras capturam a nossa atenção e imaginação. Repita-se: “o melhor daquilo que o Iminente é”. Foi com esta ideia em mente que montaram a edição deste ano no Terreiro do Paço, um espaço totémico de Lisboa e do país, para muitos, o coração da cidade. “Quisemos fazer aqui uma espécie de best of. E a convidar artistas com quem trabalhamos a mostrar artistas que admiram”, explica a directora. “O desafio foi, apesar de termos menos slots, menos dias, continuar a mostrar o maior número possível de propostas. E, para isso, pedimos ajuda aos próprios artistas e a outros agentes que já trabalhavam connosco.”
O resultado é uma série de encontros, mais e menos inesperados, em que putativos headliners dão palco e partilham canções com músicos que admiram. Sam The Kid, por exemplo, convida VLUDO, Amaura, ORTEUM e Tom Freakin’ Soyer para se juntarem a ele; Dino D'Santiago surge acompanhado por Batukadeiras X, Kady e Pallex; Pedro Mafama, um dos protagonistas do ano musical em Portugal, chama o seu colaborador Diego El Gavi e o Cigano D’Ouro Francisco Montoya; Pongo traz Tristany, Mosty, Titica, Jazzy e Jesuston; Fado Bicha convidam JUDAS e Rezmorah; Cachupa Psicadélica serve-se com Jhon Douglas e Landa; Shaka Lion vem reforçado por Bacchanalia e Receba So, com Dadifox, R1 e Ferrere; e Ary Rafeiro surge dividido “entre a favela da Rocinha e os subúrbios de Lisboa”, com Viva o Samba e Stevao NDM ao seu lado. Até Soraia Ramos traz convidados.
Nesta tomada simbólica do Terreiro do Paço não há, porém, apenas concertos cantados a muitas vozes. Também encontramos no cartaz o rapper nova-iorquino Rome Streetz, numa curadoria da Versus, “porque o hip-hop norte-americano sempre foi importante para nós” – Carla Cardoso dixit. E Omar Souleyman, génio festivo com uma longa carreira na sua Síria natal, onde ganhava a vida como cantor de casamentos e as suas cassetes eram vendidas em mercados desde os 90s; mas também uma quase-estrela pop global desde os idos de 2000, quando a editora Sublime Frequencies o apresentou ao mundo. E Branko, patrão da Enchufada, outrora cabecilha dos Buraka Som Sistema, um nome que dispensa apresentações. E os TWA, mítico grupo da Pedreira dos Húngaros, a rimar em criolo há já 30 anos. E os Ferro Gaita. E Rita Vian. E La Familia Gitana. E… Tantos outros.
Alguns dos homens e mulheres acima referidos vão actuar no vizinho Ministerium, clube que este ano é um dos palcos do Iminente, e o único sítio onde é necessário pagar (10€) para entrar neste Takeover. Entre os DJs que lá vão actuar, destacam-se os representantes da Príncipe, editora e instituição marginal que está com o festival “desde a primeira edição”: são eles DJ Marfox, lenda máxima da batida dos subúrbios de Lisboa; e Nídia, que acaba de editar o crocante álbum 95 MINDJERES. Outro set a não perder é o de Pedro da Linha, DJ e produtor crucial da Lisboa de agora, que vai passar apenas material inédito.
Carla Cardoso não esquece, também, as artes visuais, uma peça fundamental deste puzzle. Destaca as obras desenvolvidas por artistas da Alta de Lisboa, do Rego, do Vale de Alcântara e do Vale de Chelas, no âmbito do projecto Bairros – Workshops Artísticos Comunitários Iminente. Mas também uma instalação colectiva com “73 bandeiras”, criadas por outros tantos artistas, incluindo ±MaisMenos±, Tamara Alves, Unidigrazz e muitos mais. E outra instalação, Liberdade Iminente, que para a directora é “muito especial”. “Desenvolvemos o projecto com a Ângela Ferreira, a Piny e o Scúru Fitchádu. Pedimos para criarem uma obra sobre descolonização e os 50 anos do 25 de Abril”, resume. Parte de “processos políticos de representação e visibilização para falar sobre a descolonização”, e vai ser acompanhada por uma conversa e por uma performance, no domingo, 15.
Por falar nisso, as conversas continuam a desempenhar um papel muito importante. Porque, como Carla Cardoso gosta de recordar, o Iminente “é um espaço, acima de tudo, de reflexão. Que quer reflectir sobre os lugares das comunidades e artistas na cidade.” Aguçam a curiosidade as conversas sobre “as masculinidades tóxicas, no meio do rap e hip-hop e não só”, e sobre “onde é que está a rua na street art, uma pequena provocação, já que nos últimos anos [esta linguagem] tem tido mais reconhecimento das instituições e dos museus, mas há todo um lado de rua que desaparece. Vamos discutir isso também”. Há ainda entrevistas a artistas como Dino D’Santiago, Pongo ou DJ Marfox, em que o público pode participar; bem como uma sessão de apresentação do livro Hip Hop Tuga, assinado pelo jornalista e crítico musical Ricardo Farinha (que colabora com a Time Out Lisboa). Esta edição tem a chancela da Penguin e está a dar que falar. Escutemos.
Terreiro do Paço (Lisboa). Sáb 14-Dom 15. Entrada livre
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