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Quão irresistível pode ser um convite para dar uma nova vida a um restaurante? No caso de Carla Sousa, a resposta não é difícil: muito (ainda mais tratando-se de um restaurante num hotel, uma realidade que tão bem conhece). Desde há uns meses, é na cozinha do Delfina – Cantina Portuguesa, no hotel AlmaLusa Baixa/Chiado, que encontramos a chef. A carta já é outra.
“Eu sempre tive um carinho grande por hotéis, não é? Na altura, senti que precisei de fazer uma pausa, entretanto, ingressei no Rio de Prata e foi espetacular. Mas um hotel é um hotel”, começa por dizer a chef, que conta no currículo com experiência na extinta Cervejaria Lusitana do chef Vítor Sobral, no Penha Longa Resort com o chef Rui Calçada, ou no Bairro Alto Hotel, com Henrique Sá Pessoa. Foi, porém, no Sítio, no interior do Valverde Hotel, e onde esteve oito anos, que deu nas vistas. “Num hotel, o serviço é diferente”, defende, revelando que o facto de o grupo AlmaLusa estar a abrir um hotel em Alfama, também com um espaço de restauração, tornou o convite ainda mais tentador. “Eles tinham a necessidade de ter aqui alguém responsável e eu senti o desafio. Nunca estive nesta situação de estar com dois hotéis.”
Nada, no entanto, que a faça vacilar. Pelo contrário. Em Alfama, o Delfina Café é um espaço para todas as horas, com pratos mais descomplicados e rápidos, enquanto no Cantina, onde a encontramos, é onde lhe conseguimos sentir mais o pulso. “Aqui, a base é tradicional portuguesa”, esclarece Carla Sousa, que não quis transformar por completo o restaurante, muito procurado ao almoço por uma clientela portuguesa e que trabalha na zona. “O Delfina já funcionava, tem história e nome, mas tinham aqui algumas dificuldades porque estiveram algum tempo sem chef”, explica. “Foi aquele desafio de reestruturar tudo e começar de novo.”
Para começar, Carla começou por reduzir a oferta – “o menu tinha cerca de 44 pratos”. “Apostei um bocadinho mais na parte das entradas, nos petiscos, para o cliente também conseguir diversificar e fixei-me também nos pratos principais, sempre com base nos sabores portugueses”, diz. Ouvindo-a falar sobre o trabalho, percebe-se que Carla Sousa trouxe a técnica para aquela cozinha. Veja-se o exemplo do bacalhau à Delfina no tacho (21€), que a chef fez questão de manter na carta, mas não sem lhe dar um upgrade.
“Antigamente coziam o bacalhau apenas e depois misturavam com batata cozida, espinafres, daqueles que deixavam congelar, e depois levava uma maionese de alcaparras. Eu confito o bacalhau a baixa temperatura, para conservar aquela gelatina, e optei por espinafres frescos, que dá mais leveza ao prato. E o presunto crocante, que antigamente era frito, agora é só desidratado no forno”, continua. “A minha aposta é conseguir dar pratos muito bons e muito saborosos, mas que não sejam também pesados, gordurosos. Isso é uma coisa que me sempre preocupou”, atesta.
As cartas são duas, uma fixa e uma semanal, que pretende responder aos clientes habituais do almoço, que procuram pratos mais rápidos e leves até. Esta semana, por exemplo, há uma sopa fria de pepino (5€), uns carapauzinhos fritos com arroz malandro de tomate (12€) ou um folhado de pato e enchidos (13€). A chef explica a dinâmica: “Esses menus começam à segunda e vão até sexta. Temos oito menus de Verão e oito de Inverno. Quando chegarmos ao oitavo, voltamos ao primeiro”.
Na carta fixa, nas entradas destaca-se uma sopa rica de garoupa (9€), um torricado de polvo assado (8€), um pica-pau do lombo (14€) e umas chamuças de queijo de cabra (9€/duas), enquanto nos pratos principais a posta de atum na grelha com couve portuguesa, molho de mostarda e esmagada de batata (24€) e a barriga de leitão confitado no forno com puré de couve-flor assada, molho de laranja e chips de batata (19€) estão entre os mais pedidos.
“Antes, os pratos eram bastante robustos e os clientes não os conseguiam acabar. Hoje em dia temos que ter atenção a isso, não há necessidade. Temos que optar, sim, por dar o que é necessário no prato, mas não carregar, porque depois as pessoas não conseguem. É que estamos a enjoar o cliente e estamos a desperdiçar”, aponta a chef, cujas raízes cabo-verdianas acabam também por marcar o seu receituário. “Isso já faz parte”, ri-se. “[Essa influência está] nos temperos, na mistura de condimentos. Eu faço aqueles condimentos para marinar os lombinhos, a carne tem que ser temperada e marinada com 12 ou 16 horas de antecedência. Faz toda a diferença deixar repousar antes de cozinhar. São técnicas que eu já trago desde o tempo da minha avó”, enumera, deixando claro, mesmo assim, que o Delfina – Cantina Portuguesa é isso mesmo que o nome indica.
E até as sobremesas levaram uma volta. “Optei por sobremesas um pouco mais leves”, admite, como as farófias (6€) ou a tartelete de lima merengada (6€). “A mousse de chocolate [6€] é que já é uma tradição daqui. Adoro e portanto nem mexi. A única coisa que fiz de diferente foi trocar a raspa de laranja por laranja desidradatada porque as laranjas frescas não estão sempre iguais”, conclui, com vontade de chegar ainda a mais pessoas.
A localização, em plena Baixa lisboeta, mas num recanto tranquilo, é uma mais-valia.
Praça do Município 23 (Baixa). 212 697 445. Seg-Dom 12.00-16.00/19.00-23.00
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