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Partindo de uma frase de Donald Trump sobre a produção norte-americana de ventiladores durante a pandemia, We Are the King of Ventilators (Delirium Loop) escarafuncha aquilo que está por trás dos discursos narcísicos e aguerridos do Presidente dos EUA, desmascarando a sua insegurança, o seu delírio e medo de falhar.
Criada por um power trio que junta Tim Etchells (direcção), Jim Fletcher (interpretação) e Chris Thorpe (texto), esta performance para a câmara, produzida pelos Forced Entertainment, é o segundo capítulo de um díptico que resultou de uma encomenda do programa ENTER da Fundação Onassis e foi desenvolvido para a Forest Fringe TV com o apoio do Teatro do Bairro Alto (TBA), em Lisboa, e dos ingleses Cambridge Junction e Colchester Arts Centre.
Vai ser transmitida em livestreaming nas redes sociais do TBA, esta quinta-feira às 19.30. Tim Etchells dá-nos algumas pistas sobre o que vamos ver.
Donald Trump tem todo um repertório de frases e expressões absurdas, que são proferidas na sua versão muito própria da língua inglesa, cheia de erros gramaticais. Por que é que escolheram a frase “nós somos o rei dos ventiladores”?
O texto – e o título – vieram do escritor e performer Chris Thorpe, originalmente como uma contribuição para um projecto de edição de um livro em que tenho estado a trabalhar e que tem contribuições de vários escritores. Eu adorei o texto do Chris mal ele chegou e pensei imediatamente em convidar o Jim Fletcher para trabalhar numa performance a partir do texto. Só o Chris é que pode dizer o que o fez escolher esta frase, mas o que é interessante para mim é que este texto leva-nos para dentro da questão da vida e da morte. Um rei dos ventiladores é um rei da vida e da morte, alguém capaz de vencer a morte. No fundo, é tudo aquilo que os déspotas desejam.
Esta frase espelha os delírios de grandeza e o narcisismo de Trump. Queriam explorar isso nesta performance? Como?
O texto é um discurso, um fragmento de um discurso político transformado e reinventado. Mas na performance vemos um homem sozinho a falar para uma webcam. Não há uma plateia cheia de fãs a aplaudir as punchlines. Ninguém está a rir. No que diz respeito à performance, o que me entusiasmou foi a mudança entre a retórica grandiloquente e o sentido de falha e de estar perdido, tantas vezes implícito no texto. A certa altura, pedi ao Jim Fletcher para dizer o texto “como se já estivesse morto”. Isto não é uma instrução habitual em performance! Mas foi útil para, de alguma forma, conseguir ir ao fundo do texto, para abrir o vazio que está por baixo dele. O rodopio entre estas percepções é uma grande fonte de energia na performance. Por vezes funciona como uma força cómica, noutras convoca um enorme pathos.
O Chris Thorpe usa no texto algum do léxico típico de Trump: a repetição de palavras como “lindo”, “mau” ou “grandioso”, e expressões como “coisas más vão acontecer”, “vocês nunca falam a verdade”, “isto são coisas”. Um dos objectivos é desconstruir as camadas psicológicas e as dinâmicas de poder que estão nas entrelinhas do discurso de Trump?
Voltamos à questão do vencer a morte. O Trump adoraria vencer toda a gente: os seus adversários políticos e empresariais, aqueles que escrevem ou difundem coisas contra ele nos meios de comunicação. Mas fica-se sempre com a sensação de que as suas inseguranças políticas reflectem algo mais profundo – uma enorme inquietação consigo mesmo, um medo da sua mortalidade e falibilidade, e do seu lugar no mundo. O que é maravilhoso no texto é que o Chris escreveu-o de forma a explorar esta inquietação, usando linguagem e retórica política para nos conduzir ao interior desta insegurança, revelando assim a profundidade do seu delírio.
Este trabalho é um díptico. Quais são as diferenças entre a primeira e a segunda parte?
A primeira versão foi apresentada no âmbito do programa ENTER da Fundação Onassis. É uma gravação em vídeo de uma interpretação do texto muito focada, muito compacta dramaturgicamente, seguindo a estrutura do texto. Na segunda iteração – a que vamos apresentar para o Teatro do Bairro Alto –, o Jim repete o texto várias vezes durante uma hora. É alguém apanhado na armadilha daquilo; uma espiral. A estrutura repetitiva permite que o Jim explore e jogue com a energia do texto e da performance: a acelerar e depois a abrandar para algo imensamente íntimo e frágil. À medida que ele está a trabalhar o texto, eu estou a contribuir com materiais sonoros e musicais – outra forma de reinventar e criar tensão. Outra coisa importante é que a versão da Onassis foi apresentada como uma gravação e a que criamos com Lisboa é em directo, com todos os riscos e alegrias que isso implica!