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Os lisboetas têm uma relação de amor/ ódio com o Franjinhas, edifício Prémio Valmor inaugurado em 1971 que agora vai ficar de cara lavada. Mas o Franjinhas não é só fachada.
Nunca foi uma obra consensual. Em Abril de 1972, o Diário Popular publicava o artigo “Mamarrachos em Questão”, que tinha como bode expiatório o Franjinhas. Mas, ame-se ou odeie-se, este edifício emblemático da Rua Braamcamp ostenta o galardão de Prémio Valmor e é Monumento de Interesse Público desde 2011. E, agora, está a ser alvo de uma complexa intervenção de limpeza da fachada, o que lhe devolverá o brilho de outrora.
“Ou se gosta ou se detesta”, sublinha o engenheiro Miguel Centeno, técnico da obra que aponta para a conclusão em meados de Abril. E não foi fácil decidir a melhor solução para a reabilitação da fachada, porque, conta, “montar um andaime aqui é um quebra-cabeças”. Por isso, optaram pelos chamados alpinistas industriais, que não se acanham em trabalhar pendurados nas alturas.
Poucos conhecem a história que deu origem ao Franjinhas, edifício erguido para dar espaço a comércio e escritórios e que, apesar da polémica que gerou, a sociedade alfacinha baptizou com um nome carinhoso. Franjinhas é uma referência ao fofinho cão da série animada francesa Carrossel Mágico, que se estreou na RTP em 1966.
Construído entre 1969 e 1971, projectado pelo ateliê de Nuno Teotónio Pereira (o projecto é também assinado por João Braula Reis), ergueu-se no terreno de uma antiga casa de família, a mesma que ainda detém a propriedade do Franjinhas (a Casa Franco Falcão), representada hoje por Ana Falcão, filha do engenheiro responsável pela construção deste Prémio Valmor (1971), Nuno Falcão, co-proprietário do terreno onde em tempos existia a casa de família. Uma casa bastante espaçosa onde morava uma família com oito filhos e que se tornou grande demais após a grande maioria ter encontrado a sua independência. Ana Falcão conta que a casa dos avós foi demolida para dar lugar a este que foi um dos mais inovadores edifícios de escritórios do país.
No interior, encontra apontamentos estéticos do artista plástico Eduardo Nery (1938-2013), como os labirintos em betão à entrada ou murais geométricos. Os escritórios facilmente se adaptam às suas necessidades, graças a uma inovadora opção de Teotónio Pereira pelo modelo open space, uma modernice na altura.
A verdadeira história da Celeste dos Cravos
Celeste Martins era trabalhadora de um inovador restaurante self service que existia no Franjinhas, conhecido por SIR e gerido na altura por uma das tias de Ana Falcão. Inaugurado a 25 de Abril de 1973, no dia da revolução estava planeada uma festa que comemoraria o primeiro ano de vida do negócio. Foram, por isso, encomendados muitos cravos, vermelhos e brancos, que iriam ser distribuídos pelos clientes, mas a iniciativa acabou por ser cancelada. Nesse dia, a 25 de Abril de 1974, Celeste decidiu pegar num ramalhão de cravos vermelhos e dirigiu-se para o coração da revolução. Em entrevista à revista Tempo Livre (edição de Abril de 1999), Celeste contava: “Os militares pareciam simpáticos. Sorriam para a gente. Um deles pediu--me um cigarro. Eu não tinha cigarros… Dei-lhe um cravo e ele meteu-o no cano da espingarda. Fiquei tão contente…”. No mesmo local de onde saiu Celeste, é-lhe feita homenagem pela Landing.jobs, conhecida plataforma de recrutamento online que este ano encontrou as suas novas instalações no Franjinhas, precisamente no espaço que em tempos foi ocupado pelo SIR. No piso térreo do escritório, encontra a história de Celeste numa das paredes, para que não seja esquecida.
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