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A partir de Rei Lear, e com os seus pais em cena, o colectivo questiona as representações de poder e o seu legado. Testamento em Três Atos é o novo espectáculo dos SillySeason para ver no CAL–Primeiros Sintomas de quarta a domingo, integrado na programação do Temps d'Images.
No último espectáculo dos SillySeason, Sugar, o fim era uma corrida até à saída do último espectador. Em Testamento em Três Atos – nova criação que apresentam de quarta a domingo no CAL–Primeiros Sintomas, integrado no Temps d’Images – o arranque dá-se com aquilo a que apelidam de festa de não-acção, corpos imóveis no chão pedem socorro pelo olhar enquanto as luzes fazem ricochete, uma espécie de disney-techno apregoa o seu ritmo.
É, no fundo, a maquinaria a funcionar, metáfora para Estado, que os violenta para a imobilidade. E é também a certeza que nos SillySeason os espectáculo “não são estanques”, afirma Cátia Tomé antes de acrescentar: “Há uma decadência, estamos espalhados pelo chão, é quase o exercício de pensar o que seria se tivéssemos continuado a correr até ao público voltar”, afirma, referindo-se a Sugar.
Convém ainda avisar que durante esta festa há um narrador invisível, que se expressa através de legendas num ecrã, que se define como Lear e que está aqui para nos dizer que esta geração que o público aprecia em palco está cheia de possibilidades, que gosta de ir a festivais de verão e de ir ao ginásio, ao mesmo tempo que tranquiliza os espectadores como que a dizer que está tudo controlado, temos câmaras de vigilância, nada de errado se pode passar. E é Lear, claro, porque Testamento em Três Atos parte de Rei Lear, de Shakespeare, – mais Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett; A Gaivota, de Tchékhov, entre outros – para confrontarem o seu legado quer familiar, quer teatral, sendo que o familiar significa ter os seus verdadeiros pais representados em cena através de vídeo: “Foi óptimo, há muito tempo que já não tinha um dia tão divertido com os meus pais, eles às tantas já davam ideias”, garante Ivo Saraiva e Silva. O mesmo que nos explica melhor o conceito: “O Rei Lear vai oferecer o reino às filhas, faz uma celebração e diz-lhes que elas lhe têm que dizer quanto é que gostam dele, para ver se merecem o legado e, de repente, esta coisa de dizeres que amas o teu pai confunde-se um bocado com a ideia de dizeres que amas o Estado, aquele pai, o Rei Lear, é o Estado, é a representação de poder. Há o legado da família, que pode ser um lugar de amor e de educação, mas também pode ser um lugar perigoso, que te ostraciza, tens que recusar aquela família, aquele teatro, aquele Estado e partir”.
Depois de representadas algumas cenas desses clássicos já referidos – à sua maneira, claro – os SillySeason deambulam entre cenas meio absurdas cujo objectivo final é romper com toda este comportamento que lhes foi incutido: há um homem-relva, pisado pelos pais; rala-se um busto de uma peruca, para lhe tirar o rosto, a identidade; anda-se de skate; tropeça-se (isto já durante todo o espectáculo) num vestido de cauda infinita, para combater a ideia de feminino.
Há de tudo. Sempre com a certeza de que esse novo, essa libertação, também ela chegará ao vazio, para nos fazer, mais uma vez, recuar ao ponto de partida. Maldito loop.
Concepção e direcção SillySeason. Com Cátia Tomé, Ivo Saraiva e Silva, Ricardo Teixeira, Rodolfo Major
CAL–Primeiros Sintomas. Qua-Dom 21.30. 5-8€.