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O fado vai bater forte no CCB

‘Bate Fado’ é um espectáculo em que a dupla Jonas&Lander resgata o fado dançado, procurando ir às suas origens. Vai estar em cena no CCB nos dias 2 e 3 de Setembro.

Escrito por
Mariana Duarte
Bate Fado
© Jose CaldeiraBate Fado
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Goste-se ou não, o fado é um pilar da cultura portuguesa, um dado adquirido, uma tradição inabalável. Apesar disso, paradoxalmente, pouco se sabe sobre as suas origens, sobretudo no que diz respeito às danças que lhe estão associadas. Numa tentativa de escarafunchar os buracos da historiografia do fado dançado, resgatá-lo e reinterpretá-lo, a dupla Jonas&Lander criou Bate Fado, um espectáculo ancorado num importante processo de pesquisa que se foca no chamado fado batido, uma das danças próprias do fado com maior expressão na Lisboa do século XIX. É um híbrido entre dança e concerto, com quatro bailarinos, quatro músicos e um fadista-bailarino. Estreado no Festival DDD no Porto, em Abril, vai finalmente ser apresentado no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, nos dias 2 e 3 de Setembro.

Nos mesmos dias, estará patente no CCB a exposição “Gabinete de Curiosidades”, com parte da investigação levada a cabo pela dupla. Entre imagens inéditas que retratam o fado batido e o seu contexto social, serão exibidos três documentários sobre o fado dançado de Quissamã, no Rio de Janeiro, onde a prática de se dançar o fado com sapateado e palmas se mantém até hoje. Esta foi, aliás, uma das coordenadas principais de Bate Fado, tanto do ponto de vista da pesquisa historiográfica como coreográfica, numa peça onde os corpos dos bailarinos são como instrumentos de percussão, evocando os cruzamentos com danças afro-brasileiras, necessariamente enquadradas no contexto colonial e de tráfico negreiro (em particular o lundum, uma dança de africanos escravizados que transitou entre Cabo Verde, o Brasil e Portugal, e que se diz ser um dos antecedentes do samba), com o flamenco e com o fandango ibérico e brasileiro. 

“A investigação que nutriu o processo de criação revelou que o fado dançado e o fado batido foram uma dança que se desenvolveu essencialmente entre Lisboa e Rio de Janeiro”, diz Jonas. Em relação ao fado dançado de Quissamã, este é “tocado, cantado e dançado por descendentes de escravos indígenas e africanos no Quilombo da Machadinha, num contexto extremamente ex-colonial, em tempos ligados ao cultivo da cana de açúcar”, explica o coreógrafo e bailarino, também fadista (lançou este ano o disco, São Jorge, pela Valentim de Carvalho).

“É do desconhecimento quase generalizado que o fado possuiu em tempos uma dança e o porquê deste apagão da memória colectiva permanece um mistério”, nota o criador. “Foi surpreendente o que descobrimos durante a nossa curta investigação e muitas perguntas continuam por responder.” Entre elas, “quando e por que razão se extinguiu a dança do fado? O que perdeu o fado ao perder a sua dança? Qual foi a expressividade atingida pelas danças do fado na sociedade do seu tempo?”. O projecto Bate Fado, assinala Jonas, “pretende ser um veículo que dá a conhecer este tópico”, potenciando uma eventual discussão e investigação mais aprofundadas. 

Em parte, o espectáculo ensaia uma espécie de regresso à Lisboa oitocentista, onde o fado era tocado, cantado e dançado “em casas de prostituição, em esperas de touros e em tabernas de frequência duvidosa”. Ou seja, em contexto marginais em que tanto os artistas como o público provinham de classes baixas. Para Jonas, não há dúvida de que o fado foi higienizado e estilizado, paralelamente à sua construção como símbolo identitário nacional e produto turístico. “Era perigoso ir aos fados. Com o patriotismo e a higienização por parte do Estado Novo, que criou as casas de fado e a carreira profissional de fadista, passou a poder ouvir-se fado sem correr o risco de levar uma navalhada, e simultaneamente iniciou-se o movimento de turistificação da capital, onde o fado era uma das cerejas no topo do bolo.” Ainda assim, o criador assinala que continuam a existir eventos de fado “mais castiços e espontâneos”, para público local, “fora dos circuitos dos bairros históricos e um pouco por todo o país, em associações, restaurantes e tabernas”.

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