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O Festival Todos celebra as diferenças em Santa Clara

No fim-de-semana há teatro, cinema, concertos e workshops pensados com e para a comunidade, na freguesia de Santa Clara. Falámos com o director do festival.

Margarida Coutinho
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Margarida Coutinho
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Lisboa Crossing
Mariana Valle LimaO fotógrafo Clément Martin e os artistas franceses Sébastien Renauld e Laurent Boijeot, que integram o projecto 'Lisbon Crossing'
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Lisboa começa em Santa Clara. É com esta convicção inusitada que a 14.ª edição do Festival Todos aterra na freguesia, que agrega as zonas da Ameixoeira e da Charneca (entre outras). Depois de um ano de pesquisa e trabalho com escolas, associações e moradores, o Todos apresenta uma programação que junta instituições locais com profissionais das artes, entre sábado e domingo. O resultado pode ser visto em vários pontos da freguesia, sobretudo no Largo das Galinheiras e no Jardim do Campo das Amoreiras. São mais de 20 actividades a ocupar o fim-de-semana, como sessões de cinema, teatro, concertos, circo ou workshops. A programação ao ar livre é gratuita, a restante tem lotação limitada e o valor de 3€ por pessoa.

“O Todos nasceu com a missão de celebrar a interculturalidade e de criar projectos ao longo dos anos que permitissem um encontro das várias culturas”, explica Miguel Abreu, director do festival e da Academia de Produtores Culturais, que o promove. A iniciativa, que surgiu por encomenda da Câmara Municipal de Lisboa, acontece desde 2009 e já passou por bairros como o Intendente, a Mouraria ou a Graça. Sempre com o objectivo de “misturar as pessoas em vez de as manter segregadas, e tentar que no mesmo bairro possam conviver pessoas de várias etnias e de várias origens sociais”. Isto através de projectos culturais que convidam os moradores a relacionarem-se para criarem peças de teatro, espectáculos de música ou bancas de gastronomia. Esta edição do festival acontece em Santa Clara, onde a equipa do Todos se fixou desde o ano passado. “Trabalhamos três anos em cada bairro, também para não nos substituirmos às entidades locais.”

Lisboa Crossing
Mariana Valle LimaO 'Lisboa Crossing' faz parte da programação da 14ª edição do Festival TODOS

Apesar das actividades do Festival Todos se concentrarem no fim-de-semana de 10 e 11, a programação arrancou logo no dia 1, com o início da performance Lisboa Crossing, no âmbito da Temporada Cruzada Portugal-França 2022. Trata-se de uma travessia pela cidade de Lisboa que começou no Campo Pequeno, a 1, e termina no Largo das Galinheiras, a 11. Durante 13 dias, os artistas franceses Laurent Boijeot e Sébastien Renauld, acompanhados do fotógrafo Clément Martin, trocam o conforto das suas casas pelas ruas lisboetas, onde dormem, comem, carregam a mobília para o próximo ponto e conversam com quem se aproxima.

“Fazemos isto há dez anos, já não sabemos o número de cidades ao certo [por onde passámos]. Se juntarmos o tempo ininterruptamente, é cerca de um ano a viver na rua”, diz Sébastien Renauld. O percurso dos artistas está disponível no site do festival e também é possível assistir ao streaming em directo na página de Facebook. “As pessoas são muito generosas, trazem-nos comida tradicional portuguesa”, partilha Laurent Boijeot, enquanto nos oferece ginjinha e ovos moles de Aveiro. “O Lisboa Crossing dá a oportunidade a toda a gente de ser boa. [Os artistas] estão na rua sem medo que lhes façam mal ou que os roubem. E, muitas vezes, as pessoas precisam destas oportunidades para mostrarem que vão ser boas”, reflecte o director do festival.

Para o fim-de-semana, estão reservadas as três peças de teatro desenvolvidas juntamente com a comunidade. As Mãos das Águias, com sessões no sábado, às 15.00 e às 17.30, e no domino, às 12.00 e às 17.00, foi criada com a ajuda de 140 alunos da Escola Básica Maria da Luz de Deus Ramos, a partir de textos de Mia Couto, Miguel Jesus e Luís-Bernardo Honwana. Não Existem Cabeças Bicudas, em exibição de sexta a domingo, pelas 15.00, conta com artistas locais e idosos do Centro de Desenvolvimento Comunitário da Charneca, que pensaram questões como a vida de bairro ou o racismo. E O Condomínio, em cena gratuitamente no sábado e no domingo, às 17.40, criado juntamente com pessoas de vários bairros lisboetas, como a Graça, o Príncipe Real e Santa Clara, com o objectivo de reflectirem sobre como se deve “gerir o que é comum”.

Lisboa Crossing
Mariana Valle LimaO trajecto da performance 'Lisbon Crossing' termina dia 11 de Setembro, no Largo das Galinheiras

Com uma programação adaptada a cada bairro, o Todos recebe no Jardim do Campo da Amoreiras, às 16.00 de domingo, o espectáculo de circo Violeta, que junta acrobacias circenses a música ao vivo. No mesmo dia e local, pelas 18.30, o bailarino luso-espanhol João Lara apresenta o espectáculo de dança flamenca El Duende Flamenco. Ambas as actividades são “pensadas para toda a gente, mas essencialmente para a comunidade cigana”.

Noutro pólo da freguesia, há programação dedicada à comunidade africana residente em Santa Clara. Desde o concerto da Orquestra de Batukadeiras de Portugal & Fio à Meada, no Largo das Galinheiras, às 16.30 de sábado, que junta mais de 50 mulheres de Cabo Verde e Portugal, ao concerto da Orquestra Todos & Selma Uamusse, no mesmo local, pelas 18.00 de domingo, com músicos de várias nacionalidades a acompanharem a cantora moçambicana. “Se tentássemos forçar o contacto entre estas duas comunidades [cigana e africana], uma delas não iria. Por isso decidimos criar eventos em simultâneo, cada um mais orientado para cada uma delas”, começa por explicar Miguel Abreu. E continua: “Não é a missão da interculturalidade, mas o caminho faz-se caminhando e, neste momento, é importante ganhar capital de confiança sem impor nada”.

Outro dos destaques da programação é o ciclo de cinema A Céu Aberto a decorrer no Cine-Estrela, no Campo das Amoreiras, o antigo “cinema piolho” da freguesia. “Encontrámos o local em ruínas, ainda com o ecrã, e recuperámos um bocadinho para ter qualidade de projecção e para poder receber pessoas.” Na primeira noite do festival, é exibido Umrao Jaan, de J.P. Dutta, já na segunda noite é possível assistir a O Ás Vale Mais, de Giuseppe Colizzi. Ambas as sessões acontecem às 20.30 e os bilhetes podem ser adquiridos online ou nos pontos de venda aderentes BOL.

Festival TODOS
João Pedro LealCartaz da peça de teatro "Não Existem Cabeças Bicudas"

A restante programação inclui ainda exposições fotográficas, instalações, visitas guiadas por locais emblemáticos da freguesia, workshops para jovens e crianças e bancas de comidas do mundo. Todas as actividades podem ser consultadas no site oficial do festival.

O local de cada edição é seleccionado pela Câmara Municipal de Lisboa, sendo que até agora a organização tem trabalhado no centro da cidade, “ou a transformar aquilo que possa parecer periferia em centros atractivos”. É o caso de Santa Clara. “Apesar de estar a menos de 20 minutos de carro do centro da cidade, continua a haver quem nem saiba onde ficam as Galinheiras”, lamenta Miguel. Além de promover o encontro entre culturas dentro de um bairro, o Todos quer também chamar pessoas de fora e “acabar com a ideia de que há não-lugares, lugares para uns e lugares para outros, ou lugares interditos na cidade”.

No próximo ano, o Todos mantém-se na freguesia de Santa Clara. “Este ano trabalhámos mais na Charneca e nas Galinheiras. Para o ano estaremos mais na Ameixoeira”. A partir de 2024, o trabalho do festival deverá ter continuidade através da Quinta Alegre, o equipamento da Santa Casa da Misericórdia gerido pela Câmara Municipal de Lisboa, no Campo das Amoreiras.

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