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O fim destas mulheres não precisa de ser este. Pois não, Teresa Coutinho?

Em ‘O Fim Foi Visto’, a encenadora dá-nos conta do que é que a caça às bruxas ainda nos traz, passados muitos séculos. Depois de se estrear no Porto, esta sexta-feira, passa pelo TBA.

Beatriz Magalhães
Escrito por
Beatriz Magalhães
Jornalista
O Fim Foi Visto
JOCTAVIOP | | O Fim Foi Visto
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Teresa Coutinho começou a escrever o texto para esta peça há cerca de dois anos. Na altura, a ideia era criar um universo distópico em que as mulheres voltam a ser perseguidas e condenadas, tal como acontecia na altura da caça às bruxas. Um ano depois, quando Teresa e o elenco se juntaram para uma residência artística, o texto não lhes pareceu muito distópico. Deram-se conta que era até bastante actual, por mais assustador que isso parecesse. Hoje, volvido um ano, esta sensação continua a ser a mesma, até porque da caça às bruxas, que teve o seu auge entre os séculos XV e XVII, muito ficou, acredita Teresa. Ficaram costumes, comportamentos, preconceitos sobre as mulheres. Por outro lado, também ficaram as herdeiras destas bruxas.

Foi mais ou menos isto que a encenadora, Teresa Coutinho, quis tratar em O Fim Foi Visto. Quis pensar o que é a caça às bruxas hoje e o que é que esse acontecimento histórico nos deixou e de que forma é que nos impacta. A nós, que é como quem diz, às mulheres. Mas este interesse não surgiu do nada, deve-se antes a Cassandra, obra de Christa Woolf. “Foi um livro bastante importante, porque li-o e foi um livro que mexeu muito comigo. Fiquei muito interessada no mito de Cassandra, na questão desta mulher que vê, que prevê a ruína, a catástrofe e ninguém acredita nela”, partilha a encenadora, depois de um ensaio, que aconteceu antes de Coutinho seguir para o Porto, onde a peça se estreia esta sexta-feira, 14 de Fevereiro, no Teatro Campo Alegre.  

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E resistiram ao tempo não só alguns comportamentos, mas também práticas. “Por exemplo, a proibição do aborto vir dessa altura. Eu não fazia ideia. É nesse momento da caça às bruxas que as parteiras começam a ser impedidas de fazer os partos e acompanhar as grávidas, porque também eram elas que ajudavam as mulheres a abortar”, explica. Durante o prólogo desta espécie de tragédia, é o coro que nos dá a conhecer alguns factos históricos e que, logo no início, nos confronta com os resquícios do que vem lá de trás. 

“Ao diabo e à mulher nunca falta o que fazer.” “Dor de mulher morta só chega à porta.” “A mulher e a mula querem freio e mão segura.” “Mulher honrada sempre deve ser calada.” São alguns dos ditados populares que as mulheres em cena vão proferindo, uma a uma. Estamos na sala de ensaios do TBA, onde a peça se vai apresentar entre 25 de Fevereiro e 1 de Março, mas também estamos no meio da floresta, da verdura densa e húmida, das árvores altas e cobertas de musgo. Nesta floresta, estamos nós e mais 13 mulheres. Cobertas de preto, com vestidos compridos, tops com folhos ou com calças de cabedal, são a parte de um todo que atravessa várias gerações. Enquanto sete estão de um lado, as restantes seis estão do outro e, então, uma de cada vez vai-se chegando à frente.

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Este elenco é composto por Ana Baptista, Ana Sampaio e Maia, Ana Valente, Cláudia Semedo, Lucia Pires, Maria Duarte, Siobhan Fernandes, Mariana Guarda, Rita Cruz, Sara de Castro, Sara Ribeiro, Tânia Alves e Tanya Ruivo. “Vêm de contextos muito diferentes e isso também foi uma coisa em que eu quis arriscar – chamar actrizes que fazem coisas muito diferentes”, sublinha a encenadora, que viu nestas actrizes mais do que um coro. “Houve, desde início, um enorme sentido de… nem quero só dizer sororidade, porque é uma palavra que temos ouvido muito e é muito bonita, sem dúvida, mas acho que é sentido de união, de respeito. Então, daí também a importância do coro, de haver um corpo físico grande. Que tu consigas olhar e pensar em mulheres e não as duas, três mulheres que ali estão.”

Enquanto assistimos às 13 mulheres, nunca chegamos a perceber bem que época é que está a ser retratada em cena. Se há relatos ou situações que nos transportam para o século XVI, há outros que nos mantêm aqui, no mesmo tempo que corre lá fora. Vemos as mesmas perseguições e revistas, a mesma violência ou o mesmo discurso e crenças a contaminar os espaços comuns que reconhecemos do nosso dia-a-dia ou do que vemos na televisão. Quer falemos do que acontece para lá das portas fechadas de uma sede de um partido, quer falemos do que acontece numa sala de aula da faculdade. Os quadros multiplicam-se e, por isso, trazê-los para a narrativa também não foi difícil. 

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Por outro lado, “o que foi difícil foi, a partir de determinada altura, não resistir a criar o lado bom e o lado mau, porque eu também não acredito completamente nisso, e tentar pensar mais naquilo que é a cumplicidade do silêncio ou a traição que vem do medo e não necessariamente porque as pessoas são horríveis”, diz. A banalidade do mal é até um dos temas que é discutido na cena de uma aula na faculdade – “A banalidade do mal é isso, é tu compactuares sem sequer pensares muito na moral ou na ética que estão ali em jogo, porque te dão ordens ou porque tem de ser, porque é a tua vida e, portanto, tens que a seguir para que as coisas não te corram mal a ti. E o mal banaliza-se.”

Mas há sempre quem resista. Estas mulheres resistem dançando, outras antes delas resistiram calando-se, fugindo ou conduzindo as suas actividades às escondidas. E resistiram até hoje, mesmo que isso significasse que pudessem ser torturadas, enforcadas e queimadas. Mas, mesmo sem caças às bruxas renascentistas, o mundo não está muito melhor, “vivemos mesmo uma altura da banalidade do mal, da banalidade do insulto, da crueldade”, acredita Teresa Coutinho, que imagina as possibilidades que traria um mundo onde as mulheres tivessem mais espaço.

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“A Christa Woolf dizia ‘Cabe às mulheres a escrita que venha restaurar a paz’, porque era escritora, não é? E eu acho que cabe às mulheres a arte que vem restaurar a paz e a política que vem restaurar a paz. Acho que falta essa possibilidade que nós nunca conhecemos.” E, para a encenadora, é realmente na arte que ela encontra as possibilidades. “Pode ser tudo, não tem de estar ao serviço de nada. Pode ser tudo, pode ser subtil, subversiva, podemos, por um momento, criar uma alternativa ao que vivemos lá fora”, remata.

TBA – Teatro do Bairro Alto (Rato). 25 Fev-1 Mar. Ter-Sáb 19.30. 12€

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