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A actual imagem daquela que é uma das mais longevas casas de moda parisienses de pouco ou nada serve para recuar no tempo e desvendar a sua origem. Lá atrás – em 1937, para sermos precisos –, a história fala-nos de um costureiro basco que, para fugir à Guerra Civil de Espanha, deixou a cidade de Getaria para instalar um atelier de alta-costura na Avenida George V, em Paris. Cristóbal Balenciaga tinha 42 anos, na altura, e esse mesmo capítulo da sua vida é agora contado como nunca tinha sido antes.
A minissérie da Disney+ que estreia esta sexta-feira é um relato raro e próximo sobre os bastidores da ascensão e consolidação de Balenciaga como mestre da moda europeia. Em seis episódios, a ficção propõe-se a ir mais fundo e dar a conhecer um homem esquivo, taciturno, obcecado pelos detalhes e obstinado na hora de defender o virtuosismo da alta-costura.
"Foi muito difícil chegar ao fundo desta personagem. Tivemos de investigar aqui, ali e acolá – como se fossemos o Sherlock Holmes – para conseguir contar quem ele foi verdadeiramente, em vez de criar uma ficção", começa por explicar Lourdes Iglesias, a criadora da série, à Time Out. Um processo que começou por ser solitário e que foi ganhando forma à medida que Iglesias se deparou com um homem misterioso, cuja genialidade tornou o seu trabalho conhecido – e estudado – nos quatro cantos do mundo.
"Demorei muito tempo a encontrar livros que falassem do tema e até ter um projecto para apresentar e convencer produtores e realizadores. Uma das primeiras pessoas a quem me dirigi foi a directora do Palais Galliera, que é especialista em Balenciaga. Mostrei-lhe o que tinha, ela corrigiu muitas das coisas. Mesmo antes de falar com outras pessoas, convidei-a para ser historiadora da série", continua. A pessoa em questão é Miren Arzalluz, a mulher à frente do museu de moda mais importante de Paris. Tal como Lourdes (e como Balenciaga), também Miren é de origem basca.
Publicada a 3 de Agosto de 1971 no The Times, a entrevista dada à jornalista britânica Prudence Glynn serve de eixo condutor da narrativa. Tal como na vida real, Balenciaga partilhou segredos e fez confissões sobre a sua vida e carreira. Foi a segunda e última entrevista que concedeu – a primeira tinha sido em Agosto de 1968, à Paris Match.
O espanhol Alberto San Juan interpreta Cristóbal Balenciaga – um criador rigoroso, atormentado pela possibilidade de vir a fracassar entre os grandes da alta-costura francesa, como Coco Chanel e Madeleine Vionnet, entre outros. A acção abrange as décadas de ouro da moda de Paris, mas também períodos negros como a ocupação nazi. "O lado mais pessoal é o que cria mais problemas. Há muitos balenciaguistas, com ideias distintas de como mostrar Balenciaga na sua intimidade. Muita gente tinha esse medo, precisamente por haver quem acredite que ele foi colaboracionista. Esse capítulo teve umas 25 ou 26 versões e gerou muitas discussões, porque queríamos perceber porque é que se posicionou como se posicionou – se era apolítico ou não. Contámos o que acreditamos ser a verdade. Não o vejo como colaboracionista. Ele protegia a sua empresa, dava trabalho a muita gente. Era muito paternalista e ficámos com a sensação de que foi por isso que não fechou a empresa, não por ter colaborado com os nazis."
A vida amorosa, a fama nos Estados Unidos, a rivalidade com Christian Dior, as primeiras réplicas ou a mentoria do jovem Givenchy – mais de três décadas reconstituídas, pautadas por personagens essenciais para contar a história do couturier. Entre elas, Wladzio D'Attainville (Thomas Coumans), o seu companheiro de vida, Nicolás Bizkarrondo e Virgilia Mendizábal (Josean Bengoetxea e Cecilia Solaguren), amigos e investidores, Coco Chanel (Anouk Grinberg), Carmel Snow (Gabrielle Lazure), famosa directora da Harper's Bazaar, ou Ramón Esparza (Adam Quintero), o braço direito que viria a tornar-se director criativo da Chanel, o único de nacionalidade espanhola na história da marca.
"Falámos com pessoas que o conheceram e que nos contaram pequenas coisas que nos permitiram construir a personagem. O lado criativo é muito difícil de contar num drama televisivo, foi um grande desafio. Mas o lado humano é muito interessante, até porque é aquele que ele não queria que fosse contado."
O guarda-roupa, a par com o guião, foi o grande desafio de Cristóbal Balenciaga, uma das primeiras produções de ficção da Disney+ Espanha. Bina Daigeler aceitou esta árdua tarefa, com a ajuda do designer Pepo Ruiz Dorado. A figurinista alemã, em particular, traz um currículo digno de nota – nomeada ao Óscar de Melhor Guarda-Roupa em 2021, pela adaptação de Mulan, responsável pelos figurinos de filmes como Volver, de Pedro Almodóvar, Tár, de Todd Field, ou Capitães de Abril, produção portuguesa de 2000, realizada por Maria de Medeiros. "A Bina foi fabulosa no trabalho que fez. Criou cada desenho para cada capítulo. E cada capítulo é uma época e as personagens surgem sempre vestidas de forma diferente. Não há uma peça que passe de um capítulo para o outro", remata Lourdes Iglesias.
Entre modelos de Balenciaga, Chanel e Dior, a dupla fez cerca de 80 reproduções. Também a marca – hoje conhecida pelas silhuetas andróginas e por converter objectos corriqueiros em produtos de luxo – colocou o seu arquivo ao dispor para consulta. Um esforço colectivo para contar, em seis episódios, quem foi Cristóbal, o homem por detrás do génio.
Disney+. Estreia a 19 de Janeiro
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